Em seu discurso de posse como governador de São Paulo na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), em 1º de janeiro de 2023, Tarcísio de Freitas (Republicanos) fez questão de lembrar de duas figuras políticas: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e Gilberto Kassab (PSD), que seria empossado como secretário de Governo de sua gestão. Foram estes dois aliados que nortearam seu trabalho no primeiro ano à frente do Palácio dos Bandeirantes.
Respeitando os signos dos dois padrinhos políticos, deu carta branca à Polícia Militar, nomeando o bolsonarista Guilherme Derrite, um servidor da corporação, para chefiar a Segurança Pública. Como resultado, colheu o aumento da letalidade policial, que disparou em 2023.
Na outra ponta, abriu as portas do Palácio dos Bandeirantes para Kassab, que passou a cuidar da articulação política de Freitas com o governo federal, as prefeituras e a Alesp. O ex-ministro de Dilma e Temer e ex-prefeito de São Paulo foi o fiador do governo do carioca que assumiu São Paulo sem nunca ter vivido no estado.
O jogo duplo de Freitas e as fissuras com bolsonaristas
Ignorando os apelos de bolsonaristas, mas alinhado com Kassab, Freitas visitou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no dia 12 de janeiro de 2023. O petista derrotou Jair Bolsonaro em 2022 e foi o principal antagonista dos seguidores do ex-presidente.
A foto oficial do encontro, publicada por Lula em suas redes sociais, não foi divulgada pelo governador. O fato, no entanto, desagradou os bolsonaristas, e Freitas passou a ser criticado por aliados do ex-presidente.
Em novembro, após Kassab costurar mais uma ida de Freitas a Brasília, Bolsonaro correu aos microfones para criticar seu aliado. "Não está tudo certo. Eu não mando no Tarcísio. Ele é um baita de um gestor. Politicamente dá suas escorregadas. Eu jamais faria certas coisas que ele faz com a esquerda", disse o ex-presidente.
No dia 10 de julho de 2023, Freitas visitou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Os dois foram adversários políticos nas eleições de 2022, quando disputaram o Palácio dos Bandeirantes. No encontro, trocaram elogios e Bolsonaro, mais uma vez, criticou o governador de São Paulo.
"Eu não tiraria a foto. Aí eu sou radical. O que eu tenho a ganhar com Haddad, meu Deus do céu?", bradou Bolsonaro, inflamando sua base contra Freitas.
Em outro aceno à centro-direita, Freitas pisou no acelerador na privatização da Sabesp, aprovada em apenas 50 dias, desrespeitando os ritos necessários para compreensão, debate e proposições da população.
Também conseguiu aprovar e colocar em prática o PL da Grilagem, demanda do agronegócio paulista. O texto determina a venda de terras devolutas para grileiros com até 90% de desconto. O texto original foi desenvolvido pelo governo do ex-governador João Doria, ex-aliado de Bolsonaro.
Mortes, grilagem e privatizações
Então, vieram os acenos aos bolsonaristas, que defendem uma concepção de segurança pública com foco no aprimoramento do aparelho repressor. Em julho, o governo federal decretou a extinção do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), implantado na gestão de Bolsonaro. Freitas foi às redes sociais anunciar que em São Paulo o modelo continuaria vigorando.
Atualmente, São Paulo tem oito escolas com educação cívico-militar, sendo uma estadual e sete municipais. No dia 5 de dezembro, Freitas divulgou um edital regulação e ampliação deste tipo de modelo.
No meio do ano, Tarcísio se tornou alvo da opinião pública ao apoiar a chacina do Guarujá, no litoral de São Paulo. O governo anunciou a criação da Operação Escudo, que deveria investigar a atuação do crime organizado na região.
Após a morte de um policial no Guarujá, 28 pessoas foram assassinadas por policiais militares. No município, moradores acusaram a polícia de agir indiscriminadamente, apenas para vingar a morte do agente.
Essas 28 mortes não estão nos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) que mostram que a letalidade policial aumentou 8,3% em São Paulo, em 2023, em relação ao ano de 2022. O número vai na contramão da média nacional, que teve queda de 3,5%.
A piora no índice não parece preocupar Tarcísio. Ao contrário, o governador afirmou que não investirá em câmeras corporais para policiais. Em entrevista ao programa Bom Dia SP, da TV Globo, nesta terça-feira (2), ele disse que as câmeras não têm eficácia na "segurança do cidadão", fala que contradiz pesquisas sobre o tema e a experiência da própria Polícia Militar de São Paulo com o equipamento.
Uma gestão do Republicanos
Para o cientista político Rudá Ricci, Freitas "se afastou em diversos momentos do bolsonarismo, embora tenha tido crises de abstinência. Ser próximo de Bolsonaro é viver espetáculos, provocações, intrigas e incompetência administrativa. Tarcísio se esforçou, como na cena das marteladas no leilão do Rodoanel. Porém, sua gestão levou a mão invisível de Kassab. E Kassab pode ser oportunista, mas não bolsonarista".
Maria Teresa Miceli Kerbauy, professora dos Programas de Pós-graduação e Ciências Sociais Universidade Estadual Paulista (Unesp), lembrou de outro ponto de tensão entre Freitas e Bolsonaro.
"A gestão neste primeiro ano foi marcada por uma série de tensões com o bolsonarismo e sua base de apoio, além dos embates com o prefeito de São Paulo, que culminou na sinalização que o Tarcísio chegou a dar de que não apoiaria a reeleição de Ricardo Nunes", recordou Kerbauy.
Quando decidiu bancar o programa de gratuidade no transporte em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) contava com o apoio de Freitas. Especialistas explicam que sem a integração dos ônibus (município) com os trens da CPMT e Metrô (estado) não há como a tarifa zero ser aplicada.
Porém, às vésperas do anúncio, Freitas recuou e deixou Nunes vulnerável. O prefeito remodelou o programa e a gratuidade passou a valer apenas aos domingos. A essa altura, a extrema direita cogitava a ascensão do deputado federal Ricardo Salles (PL), ex-colega de Freitas no Ministério de Bolsonaro, à condição de candidato à prefeitura de São Paulo.
Na semana seguinte, Freitas anunciou o aumento da tarifa nos trens da CPTM e do Metrô, que saltou de R$ 4,40 para R$ 5. Comumente, em São Paulo, os reajustes de passagem são feitos conjuntamente entre o governador do estado e o prefeito da capital, para diluir os riscos do desgaste político.
No entanto, Nunes recuou e decidiu manter a tarifa em R$ 4,40, deixando o ônus para Freitas. Ato contínuo, Bolsonaro e a cúpula do PL decidiram apoiar o atual prefeito no pleito de 2024, constrangendo Freitas, que terá que subir no palanque do adversário político.
Para Francisco Fonseca, professor de Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mesmo com os acenos, Freitas está à frente de "um governo sem propostas e tipicamente bolsonarista, que é um neoliberalismo na economia, que quer privatizar tudo na marra, lembrando a Argentina de Milei. É um governo sem transparência, é um governo conservador e em alguns casos e é um governo truculento, com a polícia truculenta, vimos o que aconteceu no Guarujá. Um governo truculento, pois vimos o que aconteceu também na Alesp, durante a privatização da Sabesp."
Edição: Thalita Pires