Ainda que os efeitos da suspensão de algumas sanções dos EUA não tenham sido imediatos nos indicadores econômicos da Venezuela, a decisão de Washington despertou interesse de países vizinhos em retomar os negócios com Caracas, principalmente no setor energético. Com a estatal petroleira venezuelana, a PDVSA, livre de alguns bloqueios, a Colômbia e até mesmo o Brasil já manifestaram o desejo de investir no país.
Em sua última visita à capital venezuelana, no dia 18 de novembro, o presidente colombiano, Gustavo Petro, se reuniu com o mandatário da Venezuela, Nicolás Maduro, e afirmou que os países devem assinar acordos energéticos no setor elétrico e gasífero.
"Construiremos projetos de energia limpas, que podem ser abundantes no norte da Colômbia, para transmitir energia elétrica ao Ocidente da Venezuela e traremos da Venezuela energias que ainda subsistem, para tentar suprir os déficits que existem na Colômbia. [...] É muito provável que a Ecopetrol [empresa estatal de energia colombiana] se torne sócia da PDVSA na exploração de campos de gás na Venezuela e de campos de petróleo. Assim vamos assegurar, em ambas vias, energia elétrica à Venezuela e matérias-primas fósseis à Colômbia", disse.
As intenções do presidente colombiano já foram confirmadas pela Ecopetrol que, em nota, anunciou a assinatura de acordos com a PDVSA para dezembro de 2024.
Já o desejo do Brasil de retomar parcerias com a Venezuela foi anunciado pelo presidente da Petrobras, Jean-Paul Prates. No final de outubro, ao canal da Agência EPBR, ele disse que o alívio nas sanções inspira a estatal brasileira a "pensar em considerar seriamente investimentos na Venezuela".
"Há uma possibilidade concreta. A Venezuela é a maior reserva de petróleo do mundo, maior do que a Arábia Saudita. Eles estão muito necessitados de investimentos e os últimos governos venezuelanos tiveram, por várias razões, reveses na parte operacional do setor. As instalações, a indústria do petróleo e a cadeia produtiva sofreram deteriorações muito sérias e é necessário uma renovação", disse.
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Demanda da Colômbia pode ser suprida pela Venezuela?
As intenções expressadas pelos governos colombiano e brasileiro devem respeitar a situação interna de cada um dos países. No caso de Bogotá, o governo Petro lida com um aumento na demanda por outras fontes de energia alternativas à hidrelétrica, pois o setor vive um período de baixa produtividade devido à seca causada pelo fenômeno do El Niño.
O país tem apostado no gás natural como alternativa, o que gerou um aumento nas importações. Segundo a Associação Nacional de Empresas Geradoras (Andeg), a Colômbia já aumentou em 60% as compras de gás neste ano em comparação com o mesmo período de 2022. Além disso, o fornecimento de energia gerada por plantas movidas a gás deve cobrir entre 25% a 30% da demanda nacional em 2023, quando em anos úmidos o índice não passa de 15%.
Entretanto, a demanda colombiana por alternativas é urgente, já que o avanço do El Niño, que deve atravessar seu pico de atividades a partir de dezembro até o próximo ano, pode afetar ainda mais o setor hidrelétrico, principal gerador de energia no país. Além disso, o prognóstico da Agência Nacional de Hidrocarbonetos é de que as reservas de petróleo e gás da Colômbia devem durar somente cerca de 7 anos.
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"Isso quer dizer que a Venezuela, sendo a principal reserva de petróleo do mundo, é claramente a primeira opção da Colômbia", afirma Franco Vielma. Sociólogo especializado no setor petroleiro, o pesquisador disse ao Brasil de Fato que os acordos entre Bogotá e Caracas em matéria energética devem ser vantajosos para ambos os países a curto prazo, mas que o governo colombiano será forçado a rever os termos mencionados por Petro nos próximos anos.
"A Colômbia vai precisar oferecer à Venezuela um acordo que seja vantajoso e que não tenha somente o benefício do fornecimento elétrico na região ocidental. Isso é um fator conjuntural, mas o que a Colômbia precisa é de um fornecedor confiável que possa suprir sua demanda por combustíveis - imediata e futura - a preços razoáveis", afirma.
A urgência do tema ficou clara no comunicado emitido pela Ecopetrol, confirmando as intenções de investimento com a PDVSA anunciadas por Petro. "Conhecidos os antecedentes e a necessidade de importação de gás para os próximos anos, a junta diretiva solicitou à administração avaliar de maneira ágil as distintas alternativas para garantir a disponibilidade de gás nas quantidades e prazos requisitados", disse a empresa.
Além disso, o ministro de Minas e Energia da Colômbia, Andrés Camacho, também alertou para a situação delicada da demanda colombiana e disse que os preços praticados pela Venezuela compensariam os investimentos.
"Em 2023, o mercado ofereceu, em média, 183 mil BTU de gás natural por dia a 16 dólares a unidade, muito mais caro que o gás da Venezuela. Se conseguirmos preços mais competitivos, isso implicará em uma redução importante nos custos de geração de energia térmica para o país", disse.
Para o jornalista venezuelano Andrés Rojas, especialista na cobertura do mercado petroleiro, os baixos preços do gás venezuelano se devem à própria debilidade da indústria, que passou pela pior crise de sua história desde 2014, agravada pelo bloqueio dos EUA a partir de 2017.
"Há questões para resolver, como as condições técnicas para exportar esse gás, o problema de manutenção das instalações e um terceiro fator está relacionado com o preço, que tem sido obstáculo porque a Venezuela sempre aspira maiores preços. Eu acredito que atualmente a PDVSA estaria disposta a praticar esses preços, porque o contrário é não ter nada", afirma.
A proximidade geográfica entre os dois países que dividem mais de 2 mil quilômetros de fronteira é uma vantagem que deve baratear os custos de transporte. A estatal colombiana afirmou que, se concretizado, o projeto de importação de gás venezuelano deve reativar o gasoduto binacional Antonio Ricaurte, localizado ao norte da fronteira entre os dois países. O projeto, que foi inaugurado em 2007 pelos então presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Álvaro Uribe, da Colômbia, está desativado desde 2015.
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Rojas afirma que, pela facilidade de conexão e proximidade, é provável que o gás que deve ser vendido à Colômbia venha da produção de Cardón 4, planta mista da PDSVA com a italiana ENI e a espanhola Repsol. "Porque já existe uma conexão entre Cardón 4, em Paraguaná, e Maracaibo, e entre Maracaibo e esse gasoduto que vai até Punta Gallinas, na Guajira colombiana, então tudo indica que os acordos seriam, a princípio, com Cardón 4", diz.
O Brasil deve investir na Venezuela?
O Brasil, no entanto, ainda não divulgou nenhuma negociação concreta com Caracas e o interesse em parcerias energéticas foi manifestado pelo presidente da Petrobras, Jean-Paul Prates, que elogiou as negociações entre governo e oposição na Venezuela, fator que antecedeu a suspensão das sanções por parte dos EUA.
"Essas negociações foram muito importantes porque os EUA também percebem que o xisto e o fracking têm uma vida útil e essas práticas não vão levá-los até o fim da era do petróleo. [...] Os EUA hoje são os maiores produtores de petróleo do mundo, mas isso tem uma vida útil, ou se fica dependente do Oriente Médio ou se deixa um país no próprio continente produzir. Eles estão olhando 30 anos na frente, não agora", afirmou.
Além disso, Prates disse que apesar da flexibilização do bloqueio ter duração de seis meses podendo ser renovado "é um processo muito importante e eu posso assegurar que o Brasil, com o papel de liderança do presidente Lula na América Latina, será um protagonista nas discussões".
Parcerias entre a Petrobras e a PDVSA vem ocorrendo desde os anos 1990, mas foi só em 2005, durante os governos de Chávez e Lula, que as estatais aprofundaram suas relações. Naquele ano, foram elaborados 15 acordos de cooperação entre Brasil e Venezuela e 11 deles foram assinados entre as duas petroleiras estatais.
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As áreas eram abrangentes e iam desde exploração conjunta em campos de petróleo e gás até a construção de navios-tanque e cooperação técnica e científica. No entanto, grande parte dos projetos foram descontinuados por questões econômicas e políticas internas de cada país.
Para Franco Vielma, um setor que tem potencial para reativar as parcerias entre as estatais energéticas dos dois países é o de fertilizantes, líder das importações brasileiras da Venezuela entre janeiro e outubro de 2023, segundo dados oficiais.
"O Brasil depende muito de fertilizantes, que são produtos da indústria petroquímica, gerados pela indústria petroleira e gasífera. O Brasil adquire esses produtos principalmente da Rússia, hoje em dia. Lembremos que recentemente, o governo de Michel Temer e depois o governo de Jair Bolsonaro foram governos que deram as costas à Venezuela, romperam as relações binacionais e o Brasil teve que começar a importar uma parte adicional de fertilizantes que antes importava da Venezuela, da Rússia, em condições caras", afirma
Edição: Leandro Melito