MOVIMENTOS SOCIAIS

Carta da 20ª Jornada defende agroecologia para garantir direito à alimentação adequada

Em carta, movimentos pedem a priorização da agroecologia como alternativa à produção global de alimentos saudáveis

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Jornada foi realizada, entre os dias 22 a 26 de novembro, em Curitiba - Foto: Juliana Barbosa

A Carta da 20ª edição da Jornada de Agroecologia, realizada entre os dias 22 a 26 de novembro, em Curitiba, defende que a agroecologia é a alternativa para a produção global de alimentos saudáveis. O texto, lido no sábado (26), apresenta a síntese comum das dezenas de organizações que compõem o movimento em prol da agroecologia.

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As organizações participantes da Jornada denunciam os crimes ambientais cometidos pelo capital com a conivência de governos: “É preciso recordar a origem da crise climática e a responsabilidade dos países do norte no aquecimento global para entender quem sai favorecido nas soluções globais do mercado de carbono”, aponta o documento. 

Diante dos anúncios de ameaça global pela crise climática, a Jornada afirma que “a agroecologia precisa entrar como meta prioritária de ação, sendo reconhecido seu papel para assegurar o direito à alimentação adequada”, com políticas públicas e fomento para a transição da matriz de produção para a agroecologia.   

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Confira a carta na íntegra: 

Carta da 20ª Jornada de Agroecologia

Nós, povos do campo, das águas, das florestas, da cidade e da Universidade, construímos a 20ª Jornada de Agroecologia, em Curitiba, entre os dias 22 a 26 de novembro de 2023, para mostrar à sociedade a construção de uma alternativa para a produção global de alimentos saudáveis, a agroecologia. Estamos no coração da cidade para nela cantar o canto de todos os povos, para que ela ouça as nossas canções e cante.

Terra livre de transgênicos e sem agrotóxicos

Vivemos um período de profunda crise do capital, de guerras, da destruição do planeta, e do genocídio de povos, como o palestino. Ao longo de todo o ano pudemos acompanhar os efeitos das mudanças climáticas. Nas secas na Amazônia, nas enchentes do sul do país, nas chuvas desreguladas, e na produção e reprodução das sementes, das mudas, dos animais. É preciso recordar a origem da crise climática e a responsabilidade dos países do norte no aquecimento global para entender quem sai favorecido nas soluções globais do mercado de carbono.         

Sabemos que o atual modelo agroalimentar, sustentado por empresas transnacionais, contribui para o aquecimento global, através do desmatamento, da produção de monocultivos, na produção pecuária em alta escala, das amplas redes de transporte, na utilização de agrotóxicos. Ao envenenar nossos corpos, nossos solos, águas e mentes. Alteram a natureza, geram desequilíbrio ecológico e vendem falsas soluções, como a agricultura climaticamente inteligente, capitalismo verde e energias “sustentáveis”, novas formas de colonialismo com soluções supostamente universais, excluindo a diversidade.  

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O agronegócio no Brasil é violento, como indicam os dados do aumento da violência no campo no primeiro ano do atual governo. Seu poder está enraizado nas entranhas das elites brasileiras, como mostra sua força no Congresso, buscando andamento para projetos de lei de retrocesso, como condições ao marco temporal, flexibilização do licenciamento ambiental, ampliação de crédito aos fazendeiros, e o Pacote do Veneno. Iniciativas legislativas que promovem o projeto de morte do agronegócio.

Pela ampliação das políticas públicas       

O nosso governo precisa seguir construindo políticas públicas, e priorizando, na destinação orçamentária, recursos para a concretização da agroecologia e da agricultura familiar. A retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do PAA Sementes e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) são vitais para a segurança alimentar, permanência do camponês e camponesa na terra, e agora também dos povos indígenas, quilombolas, e povos e comunidades tradicionais, no território. Processos que contribuem para a soberania alimentar. É importante garantirmos a continuidade destas políticas, e ir mais além. Avançar na ampliação das iniciativas de conservação da agrobiodiversidade, e de comercialização e circulação dos produtos da sociobiodiversidade.

Na luta por um Brasil sem fome, o apoio à estruturação das cozinhas comunitárias e solidárias, com abastecimento de produtos da agricultura familiar. O incentivo a construção das hortas urbanas, e os subsídios para produção de alimentos saudáveis acessíveis para os trabalhadores e trabalhadoras. Além disso, a regularização fundiária, a demarcação dos territórios dos povos originários e tradicionais é tarefa urgente e necessária tanto no campo como na cidade. O projeto político dos poderes públicos deve estar focado em garantir: terra para as famílias produzirem alimentos, teto para garantir o direito à casa e trabalho para ter comida na mesa e vida digna.

Além destas iniciativas, a agroecologia precisa entrar como meta prioritária de ação, sendo reconhecido seu papel para assegurar o direito à alimentação adequada. A concretização da agroecologia, a sustentabilidade da agricultura familiar, dependem também de crédito rural. Hoje, as políticas do PRONAF agroecológico, e outras linhas de financiamento não chegam aos trabalhadores e trabalhadoras da terra. Além disso, a necessidade de desenvolver seguro para o plantio e colheita agroecológicos; avançar na construção coletiva de incentivos para que agricultores e agricultoras caminhem para a transição agroecológica; promover maior articulação entre as políticas de produção orgânica e de base ecológica com políticas de proteção aos bens ambientais comuns; melhorar as políticas de assistência técnica e extensão rural, as quais devem ser construídas com e para a agricultura camponesa e agroecológica; deverá ser assegurada a participação efetiva dos sujeitos do campo em todas as etapas de elaboração destas políticas públicas; construir mais casas e bancos de sementes crioulas. 

Os poderes públicos devem empenhar esforços para que a reforma tributária não estimule o agronegócio, retirando os benefícios fiscais da exportação de seus produtos e dos agrotóxicos. O país precisa discutir seriamente sobre o uso de agrotóxicos, cabendo ao governo: proibir a pulverização aérea; banir os banidos; avançar na Política Nacional de Redução do uso de Agrotóxicos. 

Nas medidas sobre a crise climática, as discussões sobre transição ecológica devem ser pautadas pelas necessidades dos povos e não das grandes empresas. Assim como, devemos avançar na educação ambiental nas escolas para incorporar a agroecologia como um modelo de produção protetor da Natureza.

A resistência que construímos até aqui

Em tempos duros para os povos de todo o mundo, a agroecologia se reafirma como caminho para cuidar da terra, da biodiversidade do planeta, e de todos os seres vivos. Agroecologia é um projeto de vida, que carrega os saberes populares dos povos originários e comunidades tradicionais, e segue agregando tecnologias, conceitos e saberes da humanidade, em movimento permanente. É projeto político, é prática, é ciência e educação popular. É garantia da igualdade e da diversidade racial, de gênero e de sexualidade. É valorização do trabalho, do ser e saber dos povos dos campos, águas e florestas. É respeito e promoção da diversidade social, ambiental e identitária. A Agroecologia é a concreta capacidade dos povos para enfrentar as mudanças climáticas no planeta e garantir a soberania e segurança alimentar.

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É na agroecologia, política do cuidado, que se encontram as ações de enfrentamento à emergência climática. Por isso é fundamental superar a insegurança na posse da terra e a garantia de uma participação ativa da agricultura camponesa e dos povos e comunidades tradicionais na elaboração de planos e políticas de enfrentamento à emergência climática, em todos os níveis (federal, estadual e municipal). O agronegócio e suas transnacionais destroem o clima. E a agricultura camponesa protege a Terra. Por isso afirmamos, a agroecologia esfria o planeta!!

Precisamos destacar, ainda, o papel que as mulheres têm na conservação de seus quintais, e na guarda das práticas tradicionais de troca de produtos não monetarizada, e por isso práticas desvalorizadas. Exemplos concretos, pedagógicos, das alternativas ao capitalismo, e da valorização do trabalho vivo dos povos. Por isso, lutamos pela superação das relações de opressão de gênero, raça, classe e por corpos e territórios livres e saudáveis.

Conscientização e diálogo constantes com diferentes setores da sociedade é essencial para transformar demandas sociais em políticas públicas efetivas e inclusivas para a população LGBT. Ao pensar na dimensão dos corpos e territórios, não podemos esquecer a presença do racismo estrutural e considerar as desigualdades raciais que conformam o acesso a direitos. Entender as agricultoras e os agricultores em toda sua diversidade como defensores de direitos humanos e da natureza. É dever do estado proteger esses sujeitos, assim como sua luta coletiva, e evitar todas as formas de violência aos seus corpos, territórios e sementes.

A agroecologia convoca a participação da juventude. Precisamos avançar para a integralidade da alimentação saudável nas escolas. Que nossas crianças no campo e na cidade, possam ter contato com a terra, aprender as formas de produção e reprodução nos ciclos da Terra. Celebramos os 25 anos do Pronera e seguimos na luta contínua por mais formas de ingresso e permanência dos jovens na universidade e por mais escolas do campo para uma educação crítica, libertária e comprometida com a transição agroecológica. Politização dos jovens com formação contínua e popular para o protagonismo na transformação da sociedade. Fortalecimento da extensão e da educação no campo nas universidades, a retomada do Estágio Interdisciplinar de Vivência (EIV) e por mais momentos de trocas com a juventude latino-americana.

A nossa Casa Comum

Cuidar da nossa casa comum é nosso desafio como humanidade. O exercício constante dos valores anti-capitalistas, entre eles, destacamos: a solidariedade como uma ação entre trabalhadores e trabalhadoras. E a solidariedade entre povos, que ultrapassa fronteiras geográficas, e que nos mantêm vivos, fortes e ativos. Solidariedade ativa que exercitamos durante a pandemia que temos que seguir exercitando como humanidade. Uma visão que supõe uma ética da suficiência para toda comunidade, não para o indivíduo e que tem como base os ensinamentos indígenas e o respeito aos saberes ancestrais. O que está nos salvando são aqueles valores que não estavam presentes no capitalismo, mas estão presentes no coração humano.  É no pertencimento à terra que se afirma o compromisso com a proteção a todas as formas de vida.

Diante da crise do capital, do avanço do agronegócio, da contaminação por agrotóxicos, nós propomos, as seguintes ideias e compromissos para ações individuais e coletivas para o cuidado da nossa casa comum: a) desenvolver a solidariedade em ações práticas; b) plantar árvores; c) produzir alimentos saudáveis; d) cuidar e reproduzir as sementes crioulas; e) Recuperar as nascentes e cuidar da água; f) deter o uso de agrotóxicos ; g) promover a agroecologia e h) e reconstruir as relações entre as pessoas e com a natureza com igualdade de gênero e enfrentamento ao racismo.

Pela produção agroecológica, sem transgênicos e sem agrotóxicos. Por um país livre de opressões de classe, raça, gênero e sexualidade. Por uma nação que proteja as pessoas, os povos, a biodiversidade, os animais e o meio ambiente. Por um Brasil soberano, popular, agroecológico, sem fome e sem pobreza. 

Curitiba, Paraná, Brasil,
26 de novembro de 2023.

Fonte: BdF Paraná

Edição: Lia Bianchini