Está em tramitação no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2023, que prevê a criminalização da posse e do porte de drogas. O projeto marca mais um capítulo de disputa entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), tendo em vista que a Corte já tem cinco votos pela descriminalização.
No último dia 22, o relator da proposta na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o senador Efraim Filho (União Brasil-PB) apresentou o relatório com uma emenda que busca diferenciar usuário de traficante. “Inserimos, no texto constitucional, a necessidade de diferenciar o traficante de drogas do usuário, aplicando a este último penas alternativas à prisão e tratamento contra a dependência”, diz Efraim em seu texto. O documento deverá ser votado entre os integrantes da comissão na primeira semana de dezembro.
Paralelamente, o STF julga se é constitucional ou não criminalizar alguém por portar drogas para consumo próprio. A votação estava paralisada desde o fim de agosto, quando o ministro André Mendonça pediu mais tempo para análise.
A apreciação sobre o tema no STF está em andamento desde 2015 e, de lá para cá, a descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal já recebeu voto favorável de cinco ministros: Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e da ministra aposentada Rosa Weber. Até o momento, somente Cristiano Zanin votou contra a descriminalização.
A ação põe em debate a interpretação do artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/2006), que elenca as penas para quem "adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
Entre os parlamentares, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) protocolou, cerca de 20 dias após o julgamento no STF, a PEC para incluir na legislação vigente crime “a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.
Disputas entre STF e Congresso Nacional
A proposta de criminalização do porte e posse de drogas vem na esteira de outros projetos que confrontam os limites entre os poderes. Recentemente, Pacheco afirmou que o Congresso está no momento de discutir a implementação de mandatos para ministros do STF.
:: Para juristas, aprovação de PEC que limita ações do STF reforça disputa entre poderes ::
"Sou a favor de mandato para ministro do Supremo, assim como acontece em diversos outros países. Sou a favor da elevação da idade mínima para ingresso no STF. São modificações que sempre defendi e continuarei defendendo. E acho que, sim, é o momento para se discutir", afirmou em entrevista ao programa Canal Livre (Band), que vai ao ar na noite de domingo (26).
No último dia 22, o Senado aprovou a PEC 8/2021 que limita decisões monocráticas (individuais) no STF e outros tribunais superiores. Antes da votação, Pacheco defendeu que a medida não é uma retaliação à Corte. “Não é resposta, não é retaliação, não é nenhum tipo de revanchismo. É a busca de um equilíbrio entre os Poderes que passa pelo fato de que as decisões do Congresso Nacional, quando faz uma lei, que é sancionada pelo presidente da República, ela pode ter declaração de institucionalidade, mas que o seja pelos 11 ministros, e não por apenas um”, afirmou.
Após o resultado, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, disse que “não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”, num recado claro aos congressistas. “Porque assim é, não há institucionalidade que resista se cada setor que se sentir contrariado por decisões do Tribunal quiser mudar a estrutura e funcionamento do Tribunal. Não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”, disse Barroso.
O presidente do STF disse ainda que “não vê razão para mudanças constitucionais que visem alterar a regra do funcionamento” das instituições. “Vale lembrar: cabe ao Supremo fazer valer Constituição, preservar a democracia e proteger direitos fundamentais. A pergunta a se fazer é a seguinte: esses objetivos foram alcançados? A resposta é afirmativa. Isso significa que o Supremo Tribunal Federal cumpriu o seu papel e serviu bem ao país. Não há por que alterar o que vem funcionando bem.”
"Disputa de poder"
Para especialistas, a aprovação da PEC que limita decisões individuais reforça o cenário de disputa de poder entre o Congresso e o judiciário. A advogada Tânia Maria Saraiva de Oliveira, integrante da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), avalia que a PEC tem questões relevantes que devem ser discutidas. Entretanto, ela questiona a rapidez com que o assunto foi pautado, debatido, votado e aprovado pelos senadores.
"A grande questão é que o Congresso Nacional está claramente fazendo isso em um contexto de disputa de poder com o Supremo Tribunal Federal. Não por acaso a aprovação dessa PEC tem sido objeto de grande comemoração por aqueles que atacam a democracia”, avaliou.
O advogado criminalista José Carlos Portella Júnior, integrante do Coletivo de Advogadas e Advogados pela Democracia (Caad), lembra que o contexto atual é de batalha entre o Congresso e o Judiciário. Porém, há um tempo não tão distante assim, o cenário era outro.
Portella destacou que a dobradinha entre o Judiciário e o Congresso foi fundamental para o golpe que derrubou a então presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016 e levou o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à prisão dois anos mais tarde. Ou seja, a relação muda de acordo com a conveniência.
"O lavajatismo conseguiu fazer uma aliança entre o Judiciário e o Congresso porque era funcional para os interesses daquela conjuntura, os interesses da burguesia de derrubar o governo Dilma e impedir o Lula de se candidatar [em 2018]. É bom lembrar que o Supremo avalizou várias decisões do [então juiz Sérgio] Moro e dos outros lavajatistas do Brasil", pontuou.
Após passar pelo Senado, a PEC agora vai para a Câmara dos Deputados, sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL), que ainda não se manifestou publicamente sobre tema após a aprovação dos senadores. Entretanto, se depender da bancada petista na casa, o tema deve ir para o fim da fila de discussões. O deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), líder do PT na Câmara, disse nesta sexta (24) que "esta crise de poderes não interessa ao Brasil" e que o momento e a forma de votação no Senado não foram "adequados e oportunos".
Edição: Geisa Marques