São 11 membros, chamados de ministros, com cargos vitalícios. Pelas suas mãos passam decisões importantes do país, do papel chamado de "guardião da Constituição" até o julgamento de casos em última instância, passando pelo julgamento penal daqueles com foro privilegiado – ou seja, políticos eleitos.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em tempos de polarização política exacerbada, vem sendo alvo de críticas e protestos. Mas, na prática, os discursos populares de quem chega a pedir o "fechamento do STF" carecem de entendimento de como o órgão funciona na República.
"O STF ganhou muita visibilidade porque o Brasil viveu momentos muito conturbados política e economicamente, com temas ganhando repercussão significativa na mídia", analisa o jurista Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). "Acredito que desde o impeachment da [ex-presidenta] Dilma [Rousseff, em 2016], o protagonismo [do órgão] tenha aumentado. Algo que já vinha desde o Mensalão e da Lava Jato."
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Um exemplo recente foram os próprios atos golpistas de 8 de janeiro, quando vândalos depredaram as sedes dos três poderes em Brasília e clamaram por um golpe de Estado. O STF empenhou-se em julgar e punir os golpistas. Em meados de março, a análise dos que foram detidos no ato se encerrou, e o tribunal determinou que 294 pessoas continuarão presas.
"O Supremo Tribunal Federal é a cúpula do Poder Judiciário, considerada a última instância recursal, mas também exerce o papel de corte constitucional, ou seja, de guardião da Constituição", explica a jurista Michelle Asato Junqueira, professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Isso significa que é o responsável por dar a última palavra nas questões que envolvem a interpretação da Constituição."
É o que se convencionou chamar de "guardião da Constituição". E, nesse sentido, entendem alguns especialistas, está também a importância de que o cargo seja vitalício.
"Não creio que afronte [a democracia] essa ideia da vitaliciedade", afirma o jurista Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV-Direito. "Eles [os ministros] não estão ali para representar a vontade do povo. Têm uma missão contramajoritária."
Sundfeld explica que cabe aos membros do STF "fazer com que os valores fundamentais, constitucionais, prevaleçam". "Apesar das características de cada momento histórico e das tendências do eleitorado", pontua. "Os juízes da corte constitucional não estão lá para representar ninguém. Estão lá para fazer, de maneira isenta e equilibrada, aquele trabalho de interpretar a Constituição e fazer com que ela seja cumprida."
História
Nem sempre foi assim no Brasil e não é assim em todo o mundo. O STF é herdeiro da chamada Casa da Suplicação do Reino Português, uma corte jurídica trazida para a então colônia quando ocorreu a transferência da família real para o Rio de Janeiro, em 1808.
Na época, era um tribunal de última instância que atendia a todo o reino português. "Com a Independência, em 1822, a Constituição [de 1824] instituiu a criação de uma esfera superior jurídica, então chamada de Supremo Tribunal de Justiça", relata o pesquisador e escritor Paulo Rezzutti, autor de diversos livros sobre o período.
De acordo com os pesquisadores, os membros dessa corte eram escolhidos dentre os juízes de segunda instância. Não eram chamados de ministros, mas de conselheiros. Mas ao órgão cabia a análise técnica de casos em que ainda não havia consenso nos tribunais inferiores.
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"O papel de guardião da Constituição, na época, cabia ao chamado poder moderador, que era exercido pelo imperador", diz Rezzutti.
Em 1890, logo após a proclamação da República, ocorrida em novembro de 1889, a mais alta corte foi renomeada com o nome atual. E passou a assumir funções mais semelhantes às de hoje. "Aqueles que eram os conselheiros viraram ministros. E nessa passagem, além de ser o tribunal superior da justiça, passou também a ser o controlador da constitucionalidade das leis. E, com o tempo, sua missão foi se ampliando", explica Sundfeld.
Em outros países
A inspiração foi o modelo americano. Conforme pontua a jurista Junqueira, é dos Estados Unidos que veio a ideia de que a indicação seja feita pelo presidente da República, com aprovação pelo Senado. E que o cargo fosse vitalício.
Há variações pelo mundo. Na Alemanha, por exemplo, o Tribunal Constitucional Federal é formado por 16 integrantes – metade escolhida pelo Bundestag (Parlamento alemão), metade pelo Bundesrat (Conselho Federal, com representantes dos estados). Os eleitos assumem um mandato de 12 anos, sem direito a reeleição.
Na França, o mandato é de nove anos. Aos nove membros eleitos – a cada três anos, um terço da casa é renovada – somam-se os ex-presidentes da República, em cargos vitalícios. Mas estes gozam de papel mais simbólico e raramente participam das discussões.
Em Portugal, os 13 juízes têm mandato de dez anos. Cabe à Assembleia da República (Parlamento) a eleição de dez deles. Os demais são escolhidos pela própria corte, chamada de Tribunal Constitucional.
Politização e controle
Mexer com o STF é sempre um ponto delicado, porque uma alteração nas regras do jogo pode influenciar na própria democracia. No best-seller Como as democracias morrem, os autores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt mostram que interferir nas instituições de controle costuma ser um estratagema de governos autoritários pelo mundo.
No Brasil isso aconteceu na ditadura militar. Em 1965, para diluir o poder daqueles que haviam sido indicados por governos democráticos, o número de assentos saltou de 11 para 16. E com o Ato Institucional número 5, em 1969, três ministros foram compulsoriamente aposentados pelo regime.
Como o cargo é vitalício, até mesmo discussões sobre aposentadoria se tornam relevantes. Quando foi aprovada a chamada PEC da Bengala, em 2015, a então presidenta Dilma Rousseff viu diminuída as suas possibilidades de indicação de nomes para o STF, já que a idade para a aposentadoria saltou de 70 para 75 anos.
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Durante o governo de Jair Bolsonaro, a tentativa de controle foi em sentido contrário. Aliada dele, a deputada federal Bia Kicis propôs revogar a PEC, para que a aposentadoria voltasse aos 70 anos – favorecendo assim Bolsonaro, que, em caso de aprovação da redução da idade, poderia indicar mais dois nomes antes do fim de seu mandato.
As nomeações também sempre suscitam críticas. Quando estava na Presidência, Bolsonaro costumava falar, em tons de provocação, que colocaria um ministro "terrivelmente evangélico" na casa, de olho nas chamadas pautas de cunho moral que passam pela corte. Em 2021, foi nomeado André Mendonça, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro.
Agora, a discussão da vez tem no centro o nome de Cristiano Zanin Martins, cotado para ser o primeiro indicado do governo vigente. Ele é amigo e advogado do atual mandatário, Luiz Inácio Lula da Silva.
Contudo, mesmo a indicação partindo do presidente da República, há um arcabouço constitucional que, em tese, protege o STF de abusos autoritários. Porque o nome apresentado não é automaticamente aceito. "[O candidato] é sabatinado pelo Senado, sendo que é necessário ser aprovado por maioria absoluta para que, de fato, se torne ministro", explica Crespo.