O presidente Lula sancionou nesta segunda-feira (8) o projeto de lei que atualiza a Lei de Cotas, em evento marcado pela participação de ministros e políticos impactados pelas cotas. Ele ressaltou como a proposta rompeu com paradoxos e estigmas que existiam no país há dez anos, quando a lei foi instituída.
"O que a gente mais ouvia era que trazendo o pobre para as universidades, a gente vai baixar a qualidade do ensino, e o que aconteceu? Foi exatamente ao contrário. A realidade é que os jovens das classes menos favorecidas são tão inteligentes quantos os jovens ricos e agarram com unhas e dentes a oportunidade de mostrar a capacidade de estar onde estão. O que faz cair a qualidade acadêmica é o odio que algumas pessoas têm do conhecimento", afirmou o presidente, sob aplausos dos presentes.
Ele também destacou dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) que mostram que, após dez anos da implementação da política de cotas, os estudantes cotistas possuem uma taxa de permanência nas universidades públicas cerca de 10% superior a dos demais.
O projeto de lei aprovado pelo Congresso prevê, dentre outras melhorias, a mudança do mecanismo de ingresso de cotistas ao ensino superior federal, a redução da renda familiar para reservas de vagas e a inclusão de estudantes quilombolas como beneficiários das cotas. As modificações passarão a ser implementadas já na próxima edição do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), no ano que vem.
Com as mudanças, os cotistas passarão a concorrer também pela nota geral de classificação de cada curso, eliminando um problema surgido com a implementação das cotas em 2012. Até então, o cotista concorria apenas às vagas destinadas às cotas, mesmo que ele tivesse pontuação suficiente na ampla concorrência. Na prática, isso deixou, em alguns casos, a disputa por meio das cotas mais competitiva do que pela nota geral.
Outro ponto de destaque foi a mudança no critério de renda para a pessoa pleitear a cota. Antes, o valor exigido era de um salário mínimo e meio, em média, por pessoa da família. Com a nova legislação, esse valor passa a ser de um salário mínimo. As propostas também preveem o estabelecimento de prioridade para os cotistas no recebimento do auxílio estudantil e a extensão das políticas afirmativas para a pós-graduação.
De acordo com dados do Censo da Educação Superior, do Inep, em 2012, o número de ingressantes no ensino superior da rede federal por ações afirmativas foi de 40.661 estudantes. Em 2022, esse número passou para 108.616 estudantes. Ao todo, entre 2012 e 2022, 1.148.521 discentes ingressaram no ensino superior público por meio da Lei de Cotas.
Cerimônia marcada por homenagens
A cerimônia lotou o Salão Oeste do Palácio do Planalto e contou com a presença, no palco, dos ministros Camilo Santana (Educação), Silvio Almeida (Direitos Humanos), Anielle Franco (Igualdade Racial), Sonia Guajajara (Povos Indígenas), Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência), além das deputadas petistas Maria do Rosário (RS), Benedita da Silva (RJ) e Dandara Tonatzin (MG) e do senador petista Paulo Paim (RS).
Na plateia ainda estavam presentes o advogado-geral da União, Jorge Messias, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, o senador e líder do Governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), o coordenador da bancada negra, Damião Feliciano (UB-PB), e a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG).
Durante a cerimônia os ministros e outros convidados discursaram sobre a importância da Lei de Cotas como mecanismo de reparação histórica. Alguns ministros, como Anielle Franco e Silvio Almeida destacaram o impacto direto da política em suas vidas.
"Muitos de nós somos do tempo em que ser negro era não estar na universidade. Estamos dando mais um passo fundamental para desmontar os mecanismos de racialização", afirmou Silvio Almeida lembrando que a implementação da Lei de Cotas, em 2012, foi determinante para ele optar pela carreira de professor universitário.
Anielle Franco, por sua vez, lembrou que foi cotista na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a primeira do país a adotar o sistema de cotas. Ela e a deputada Dandara Tonatzin, que também foi aluna cotista, lembraram das dificuldades que passaram no ensino superior. "Eu me lembro presidente, que na minha época nós tínhamos trezentos reais e, muitas vezes, eu tinha que escolher ou lanchar, ou pegar o ônibus ou xerocar o material. E falo isso na presença da minha mãe, que muitas vezes mandava uma quentinha pra gente e chegava no meio do dia a quentinha estragava. Não tinha anda pior do que você querer estudar e não ter condições nem de comer", relembrou Anielle.
"Em 2012 quando a lei de cotas foi aprovada pelo Congresso Nacional, estava em curso um acerto de contas do Brasil com seu passado. Nessa ultima decada as cotas foram responsáveis por alterar a cara o cheiro, a cor, e a origem da universidade brasileira", afirmou Dandara em seu discurso.
O processo de melhoria da Lei de Cotas dez anos após sua aprovação já estava previsto na proposta original, como um mecanismo de avaliação da política pública e de aprimoramento constante.
Edição: Thalita Pires