Na madrugada deste sábado (28), a Faixa de Gaza sofreu a pior sequência de bombardeios desde o início dos ataques israelenses no território palestino em 7 de outubro. O cenário descrito como “avalanche sem precedentes de sofrimento humano” pela Organização das Nações Unidas (ONU) e de “caos total” por agências de notícias internacionais acontece horas depois que a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução de “trégua humanitária imediata”.
O documento foi descrito pelo embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, como “perigoso” e “ridículo”. Com a expansão das operações terrestres, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, afirmou à emissora israelense Kan 11 que os militares “mudaram de fase na guerra” e que “esta noite a terra em Gaza tremeu”: “Atacamos acima e abaixo do solo”.
Diante do corte da internet e dos serviços de comunicação da Faixa de Gaza, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou ter perdido contato com os hospitais na região. Segundo o Ministério da Saúde palestino, o número de mortos passa de 7.300. Entre eles, 3.000 crianças.
Sob o comando de Benjamin Netanyahu, o governo de Israel anunciou ter bombardeado mais de 150 alvos nas últimas horas e matado Asem Abu Rabaka, supostamente o líder das operações aéreas do Hamas, responsável por comandar o ataque com drones e parapentes à Israel em 7 de outubro.
Reação popular
Neste sábado (28), manifestações massivas em apoio à Palestina e pelo fim dos ataques de Israel à Gaza se espalharam pelo mundo. Protestos tomaram as ruas na Inglaterra, País de Gales, França, Turquia, África do Sul, Malásia, Japão, Índia, Itália, Irlanda, Alemanha, Dinamarca e Indonésia.
Nos Estados Unidos, com a palavra de ordem “não em nosso nome”, centenas de judeus foram presos ao ocupar a estação central de trem de Nova Iorque. O presidente turco Recep Tayyip Erdogan participou do protesto em Istambul. “Vamos dizer ao mundo inteiro que Israel é um criminoso de guerra, estamos nos preparando para isso”, discursou.
Para Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, o impacto da pressão popular nos países do Oriente Médio traz um elemento novo neste cenário, a despeito de os ataques de Israel – ainda que desta vez com uma intensidade muito maior - serem cíclicos desde o cercamento à Gaza em 2007.
Em sua visão, está em curso uma limpeza étnica. “É a eliminação de um povo no território, que resulta em expulsão. Não é uma guerra no sentido clássico, não tem combate com esse povo, forças armadas. A assimetria é muito grande”, descreve Nasser. “É uma guerra colonial”, resume.
Países do Oriente Médio “não querem problema nas ruas”
Com os registros da “devastação” que já reduziu a escombros mais da metade da Faixa de Gaza e a cifra de mortos que, diz Nasser, seguirá ainda mais “estratosférica”, a movimentação popular nas ruas tem pressionado os governos dos países do Oriente Médio.
“Egito, Arábia Saudita, Jordânia, Catar, Emirados Árabes, comparativamente a como estavam antes do 7 de outubro, estão se retraindo em relação a alianças com Israel e Estados Unidos”, avalia o professor. “Isso não aconteceu das outras vezes”, diz. Considerando a ONU “um teatro”, Nasser entende que as movimentações neste eixo dos países árabes podem ter mais influência no desenrolar do confronto.
“No mundo árabe, a rua e os governos são inversamente proporcionais. Os governos nunca fizeram nada pela Palestina, pelo contrário. Já nas ruas, a questão palestina é muito popular. E o desastre humanitário é tão grande e evidente que o apoio incondicional a Israel começa a ter limites”, expõe Nasser.
No Marrocos as manifestações em solidariedade à Palestina chegaram a cerca de 600 mil pessoas. “É o governo mais próximo de Israel, mas o rei já começa a pensar, ‘não quero ter problema em casa’”. No Egito, a praça Tahrir não era massivamente ocupada desde as manifestações de 2013.
“Nenhum destes países está entrando explicitamente no tema. Mas veja, a Jordânia e o Egito, que são próximos dos Estados Unidos desde a década de 1970, se recusaram a encontrar com [o presidente estadunidense] Joe Biden”.
“Não é porque eles estão agora lutando pela causa palestina”, ressalta o professor: “mas porque não querem problema nas ruas”. Na sua análise, o impacto disso não seria o de um conflito militar se espalhar pela região, mas das pressões decorrentes do interesse de Israel no mercado árabe.
“A Rússia, grande parceira dos Emirados Árabes, é quem determina junto com a Arábia Saudita o preço e a produção do petróleo no mundo”, contextualiza Nasser.
Na avaliação do professor, países árabes não são mais “instrumento dos Estados Unidos”. “Acho que é uma situação nova que vem se configurando”, aponta Reginaldo. “As rivalidades interregionais estão para baixo e este cenário é melhor para os palestinos do que outro. Inclusive, há especulação que um dos objetivos do Hamas foi esse”, diz.
“Isso é suficiente para barrar Israel nesse momento? Não”, salienta. “Mas em algum momento vai parar e o ator mais importante é o Catar”, considera Reginaldo Nasser.
“Todo mundo fala do Irã, mas as lideranças do Hamas moram no Catar. Catar é o maior fornecedor de assistência à Gaza. E o Catar tem bom relacionamento com Israel e Estados Unidos. Há especulações, por exemplo, que os reféns que saíram, foi por intermediação do Catar”, ressalta Nasser.
É preciso ficar de olho, avalia o professor, neste país pequeno que tem petróleo e é um dos maiores fundos de investimento do mundo. Para Nasser, não é possível ainda saber quando, mas Catar pode ser chave nas mediações envolvendo liberação de reféns e cessar-fogo.
Edição: Vivian Virissimo