O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, afirmou neste sábado (21) durante a Cúpula da Paz do Cairo, convocada pelo Egito para discutir o conflito entre Israel e Hamas, que a "simples gestão do conflito não é uma alternativa aceitável" e que a paralisia do Conselho de Segurança da ONU está trazendo consequências para a vida de milhões de pessoas.
Segundo o diplomata, que foi ao encontro representando o presidente Lula, o Brasil não vai poupar esforços para buscar um consenso multilateral para a tomada e imediata de ações.
"No dia 24 de outubro, presidirei o debate aberto trimestral do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a situação do Oriente Médio, incluindo a questão palestina. Sugiro que continuemos essa conversa aí, no mais alto nível possível, na tentativa de continuar buscando consenso para uma ação imediata. A paralisia do Conselho de Segurança traz consequências prejudiciais para a segurança e a vida de milhões de pessoas. Isto não é do interesse da comunidade internacional", afirmou em seu discurso no Cairo nesta manhã.
O ministro reforçou ainda que a situação em Gaza é de extrema preocupação, mas que o Brasil seguirá apelando ao diálogo. "Considerando que sempre haverá aqueles dispostos a colocar lenha na fogueira, o Brasil irá apelar ao diálogo", disse.
A fala de Mauro Vieira ocorre três dias após os Estados Unidos vetarem uma proposta de resolução do Brasil sobre o conflito no Conselho de Segurança da ONU que condenava toda violência e hostilidade contra civis e previa, dentre outras medidas, o estabelecimento de pausas no conflito para permitir a ajuda humanitária para a população na Faixa de Gaza. Em seu discurso neste sábado, Vieira lamentou a decisão do Conselho de Segurança, sem citar expressamente os EUA, e disse que a proposta do Brasil tem amplo apoio internacional.
"Deixem-me ser claro: há um amplo apelo político à abertura de pausas humanitárias urgentemente necessárias, ao estabelecimento de corredores humanitários e à proteção dos trabalhadores de serviços humanitários", destacou. A proposta brasileira contou com 12 votos favoráveis do total de 15 do Conselho, mas como os Estados Unidos tem poder de veto, a proposta não foi adiante.
De acordo com o Itamaraty, o encontro deste sábado, no Cairo, é a primeira discussão sobre um processo de paz depois da tentativa de aprovação da resolução brasileira no Conselho de Segurança da ONU. Além de Brasil e Egito, participam da cúpula representantes de Jordânia, Catar e Turquia, de outros países do Oriente Médio e da Europa.
Além de citar os esforços brasileiros e fazer um apelo para adoção de medidas mais imediatas, o ministro brasileiro reforçou a importância de se encontrar uma solução de longo prazo para o Oriente Médio e citou a proposta de criação de um estado palestino em Gaza.
"Mais adiante, temos de encontrar formas de revitalizar o processo de paz, de fazer avançar as negociações políticas no sentido de uma paz abrangente, justa e duradoura no Oriente Médio. A simples gestão do conflito não é uma alternativa aceitável. Só a retomada de negociações eficazes poderá trazer resultados concretos para a implementação da solução de dois estados, em conformidade com todas as resoluções relevantes da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança da ONU, com Israel e a Palestina vivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e reconhecidas internacionalmente."
Confira o discurso completo de Mauro Vieira na Cúpula da Paz do Cairo:
Chefes de Estado e Governo, Majestades, Altezas, Ministros e chefes de delegação,
Senhoras e senhores,
O mundo acompanha com ansiedade e com esperança a Conferência de Paz do Cairo no dia de hoje. Congratulo o governo egípcio pelos esforços na organização tão expedita desta cúpula. A missão que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva me confiou, quando me instruiu a representá-lo nesta reunião, foi inequívoca: somar a voz do Brasil à de todos aqueles que apelam pela calma, pela contenção e pela paz na região.
O Brasil vem acompanhando com preocupação a escalada de violência e a deterioração na situação da região em matéria de segurança, recentemente e ao longo dos últimos meses. Lamentamos ter de testemunhar essas condições no ano do trigésimo aniversário dos Acordos de Oslo. Se houvéssemos tido progressos desde então, estaríamos celebrando a paz e a amizade. Porém, a situação diante de nós é muito grave.
O governo brasileiro rejeita e condena, de maneira inequívoca, os atos terroristas perpetrados pelo Hamas em Israel no dia 7 de outubro, assim como a captura de civis como reféns. Brasileiros estão entre as vítimas, três compatriotas foram assassinados em Israel.
Como muitos outros países, o Brasil também tem cidadãs e cidadãos que esperam ser evacuadas de Gaza, enquanto assistimos, alarma dos, a deterioração da situação humanitária na região, e em especial a escassez de insumos médicos, alimentos, água, eletricidade e combustíveis. Israel, como potência ocupante, tem responsabilidades específicas em matéria de direitos humanos e da lei humanitária. Elas devem ser atendidas sob quaisquer circunstâncias.
Ao longo das últimas décadas, temos testemunhado um conflito sem vencedores, que se arrasta no tempo. E um conflito no qual a população civil continua a ser a principal vítima da falta de diálogo e de um ressentimento crescente.
O impasse no processo de paz; a estagnação econômica e social que tem prevalecido em Gaza; a corrente expansão de colônias israelenses nos territórios ocupados, a violência contra civis, a destruição de infraestrutura básica, violações do “status quo” histórico nos lugares sagrados de Jerusalém, todos esses fatores somados geram um ambiente social e cultural que põe em risco a “solução de dois Estados” e que provoca ódio, violência e extremismo.
Excelências,
A trágica situação em curso na Faixa de Gaza é de máxima preocupação. Enquanto sempre haverá aqueles que estão dispostos a atirar gasolina no fogo, o Brasil conclamará em favor do diálogo.
A destruição de infraestrutura civil, incluindo de atendimento à saúde, é inaceitável. Acompanhamos com consternação a explosão de bomba ocorrida no hospital Al Ahli-Arab, e lamentamos as centenas de mortes de civis, incluindo pacientes, médicos, enfermeiros e outros trabalhadores da área humanitária.
Todas as partes devem proteger integralmente civis e respeitar o direito internacional e o direito humanitário internacional.
A comunidade internacional deve empregar ao máximo seus esforços diplomáticos para assegurar o pronto estabelecimento de pausas e corredores humanitários, bem como de um cessar-fogo imediato.
Conforme afirmou o Presidente Lula, a atual crise requer com urgência uma ação humanitária multilateral com o propósito de acabar com o sofrimento de civis encurralados pelas hostilidades.
Na condição de presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas durante o mês de outubro, o Brasil convocou sessões de emergência e promoveu o diálogo.
Apesar desses esforços, lamentavelmente o Conselho de Segurança não pôde adotar uma resolução no dia 18 de outubro. No entanto, os muitos votos favoráveis - de 12 dos 15 membros - evidenciam o amplo apoio político em favor de uma ação rápida por parte do Conselho. Acreditamos que essa visão é compartilhada pela comunidade internacional em geral.
Permitam-me que seja claro: há um amplo chamado político em favor da abertura das pausas humanitárias urgentemente necessárias, do estabelecimento de corredores humanitários e da proteção dos profissionais da área humanitária.
Devemos encontrar maneiras para desbloquear a ação no plano multilateral. O Brasil não poupará esforços nesse sentido. No dia 24 de outubro, presidirei o debate aberto trimestral do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a situação no Oriente Médio, incluindo a questão palestina. Sugiro que continuemos esse diálogo lá, no mais alto nível possível, em uma tentativa de continuar buscando consensos em torno de ações imediatas. A paralisia do Conselho de Segurança vem tendo consequências negativas para a segurança e para as vidas de milhões de pessoas. Isso não é do interesse da comunidade internacional.
Devemos também esforçar-nos para evitar qualquer possibilidade de que o conflito se espalhe pela região.
Mais adiante no processo, devemos encontrar maneiras de revitalizar o processo de paz, de modo a fazer avançar negociações políticas na direção de uma paz abrangente, justa e duradoura no Oriente Médio. A simples administração do conflito não é uma alternativa aceitável. Apenas a retomada de negociações efetivas podem trazer resultados concretos no sentido de implementar a solução de dois Estados, em sintonia com todas as resoluções relevantes da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança, com Israel e Palestina convivendo em paz e segurança, com fronteiras acordadas mutuamente e internacionalmente reconhecidas.
O Brasil está pronto e à disposição para apoiar todos os esforços com esse objetivo.
Muito obrigado.
Edição: Thalita Pires