Violência policial

Polícia Militar cerca assentamento, invade casas e prende camponeses em Guarapuava, no Paraná

"Me xingaram, xingaram meu filho, levaram minhas ferramentas de trabalho", relata camponesa

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Cerca de 2 mil famílias camponesas vivem nas comunidades que lutam por regularização fundiária, algumas há mais de 30 anos - Foto: Wellington Lenon

Camponesas e camponeses da região de Guarapuava (PR) sofreram, na manhã desta sexta-feira (20), um ataque violento por uma operação envolvendo cerca de 100 policiais militares, no assentamento Nova Geração. 11 camponeses foram levados para a delegacia da cidade, apesar de haver formalmente apenas dois mandados de prisão, busca e apreensão.

O aparato policial chegou ao local por volta das 6h da manhã e cercou o centro comunitário do assentamento, localizado na entrada da comunidade, às margens da PR-170. Aproximadamente 100 camponeses e camponesas estavam alojados no local desde o dia 18, participando de mobilizações pela regularização fundiária na região, e aguardavam para participar de uma audiência com órgãos públicos, marcada para a tarde desta sexta. Os agricultores são de 14 comunidades rurais da região, entre acampamentos da Reforma Agrária e de posseiros.

Além de impedir a comunicação e o deslocamento das pessoas alojadas no espaço, todos os demais moradores da comunidade foram impedidos de entrar ou sair do local. Assentados que trabalham em empresas da região relatam que tiveram pneus de veículos furados e não puderam sair para o trabalho. Somente por volta das 10h é que a entrada e saída foram liberadas. 

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Camponeses relatam que policiais militares invadiram as casas das famílias assentadas, sem apresentar mandado judicial. Há vários relatos de danos às casas, extravio de documentos e roupas, e apreensão de instrumentos de trabalho, como enxadas, facões e foices. Uma das vítimas da ação foi dona Lourdes, de 76 anos, moradora do assentamento:  

"Eu só trabalho, não faço mal pra ninguém, e olha o que eles fizeram, e ainda me xingaram, xingaram meu filho, levaram minhas ferramentas de trabalho. Reviraram tudo, jogaram tudo que é coisa, arrancaram porta. Levaram todas as minhas ferramentas que eu trabalho, machado, foice, facão que eu cortava trato para a criação […]. Tudo que acharam levaram, levaram tudo”, relatou a assentada.

De acordo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), a ação teve caráter desproporcional, uma vez que já havia acordo, feito no início da tarde desta quinta-feira (19), com agendamento de reunião de negociação com representantes da Ouvidoria Agrária Nacional, da Ouvidoria Agrária estadual e do Centro Judiciário de Soluções de Conflitos (Cejusc) do Tribunal de Justiça do Paraná. 

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Contexto

A violência ocorreu quando mais de 300 camponesas e camponeses sem terra se mobilizavam no local desde a tarde do dia 18 e na manhã do dia 19 para cobrar uma resposta do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA-PR) sobre a regularização fundiária de 14 comunidades.

As comunidades estão localizadas nos municípios de Inácio Martins, Pinhão, Reserva do Iguaçu e Guarapuava, em 75 mil hectares de terras griladas por grandes proprietários. Cerca de duas mil famílias camponesas vivem nas comunidades, algumas há mais de 30 anos, à espera da formalização dos assentamentos.

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Trancamentos parciais da PR-170, localizada em frente à entrada do assentamento, foram realizados neste período de mobilização, com liberação do tráfego a cada 30 minutos e abertura imediata para ambulâncias e serviços de saúde em geral. Por volta das 10h30 da manhã desta quinta-feira, após diálogo com o Incra e a Polícia Rodoviária Estadual, a via foi totalmente liberada.

A reportagem do Brasil de Fato Paraná entrou em contato com a Polícia Militar do Paraná solicitando posicionamento oficial sobre as denúncias de abusos. Até o momento, não houve resposta. O espaço continua aberto para a versão da PM-PR.

Fonte: BdF Paraná

Edição: Lia Bianchini