O desafio de organizar a classe trabalhadora em meio a uma sistemática crise do capitalismo, que se acentua desde 2008, foi o ponto chave do debate neste domingo (15) em Joanesburgo, durante a terceira edição da Conferência Internacional dos Dilemas da Humanidade.
“Temos que experimentar novas formas de luta e novos instrumentos de organização para a nossa luta”, afirmou João Pedro Stedile, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Até 18 de outubro, cerca de 500 líderes progressistas, intelectuais e membros de organizações populares de todo o mundo participam do encontro na cidade sul-africana, organizado pela Assembleia Internacional dos Povos (AIP).
Ao lado de Stedile participaram hoje do painel principal do evento Irvin Jim, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos da África do Sul; Peter Mertens, do Partido dos Trabalhadores da Bélgica; Ana Priscila Alves, representante da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil; e Jamila Abboudi, da Via Democrática dos Trabalhadores do Marrocos.
O painel discutiu o papel crucial das organizações da classe trabalhadora para frear o avanço das forças neoliberais.
“O capitalismo está vivendo uma crise, mas os capitalistas não ficam em crise, eles ficam mais ricos. Nós temos a luta nas nossas mãos. E essa é a nossa arma”, pontuou Jamila Abboudi, representante da Via Democrática dos Trabalhadores do Marrocos.
“O capitalismo desaparecerá nas cinzas se conseguirmos organizar a nossa luta”, completou.
Mulheres e jovens
Representante da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil, Ana Priscila Alves conta como as crises do capitalismo afetam, sobretudo, as mulheres.
“No Brasil, no ano de 2020, 96% das pessoas que perderam seus empregos formais eram mulheres. Porque essas crises do capital são necessárias para recompor as cadeias de exploração, e a divisão sexual do trabalho é parte disso”, explicou Alves.
Os períodos de recessão, na visão dela, vêm junto das políticas de austeridade, da redução do Estado e dos sistemas de saúde e de educação pública.
“Quando o mercado nos expulsa do trabalho formal e o Estado se retira dessas tarefas, o recado que nos dão é que essa é uma responsabilidade das mulheres”, colocou.
Nesse sentido, ela destacou a importância de se construir um caminho socialista de resistência. “Se a opressão vem para nós de forma internacional e globalizada, nossa resposta, nosso socialismo, nosso feminismo também precisa ser internacional”, pontuou.
Na mesma linha, Stedile destacou que, atualmente, “as mulheres e os jovens são as primeiras parcelas da classe trabalhadora”.
“Quais os instrumentos que estamos organizando com a luta feminista? Sem as mulheres e a juventude não haverá luta de massas e não haverá revolução”, disse.
“A gente traz como alternativa uma economia feminista que coloque a vida no centro, que entenda como economia o conjunto das tarefas que a gente faz e que fazem com que a sociedade continue funcionando. A economia precisa pôr a vida acima dos lucros”, completou Ana Priscila Alves, relembrando o legado de Nalu Faria, uma das mais importantes figuras da luta feminista no Brasil.
Trabalho de base
Dentro dessas estratégias de enfrentamento ao modelo neoliberal de dominação, João Pedro Stédile também reconheceu o papel vital da arte e da cultura dentro das novas práticas organizativas dos trabalhadores.
“A melhor maneira de fazer agitação e propaganda é pela cultura e pela arte, através da poesia, da pintura, da música, do teatro. A arte e a cultura chegam no coração. E a luta de classe é feita pelo coração. A reação das massas é pelo sentimento”, pontuou o líder do MST.
Fazendo uma autocrítica, ele reconheceu o afastamento do campo progressista de sua base. Segundo ele, a esquerda deve exercer um afastamento do “proselitismo do discurso”.
“O discurso não organiza base social, pode ser útil para luta ideológica, mas não organiza a luta de massa. E sem a luta de massas, não haverá derrota do capital”, colocou Stedile.
“A prioridade absoluta das nossas organizações têm que ser todo o tempo, todo o dia, toda a vida, organizar as massas para que elas lutem contra a exploração”, completou o dirigente do MST.
Mundo industrializado
Para tentar explicar o enfraquecimento do movimento de massas a nível mundial, Peter Mertens, do Partido dos Trabalhadores da Bélgica, fez um balanço histórico do que era a organização de trabalhadores no período pós-Segunda Guerra.
“Tínhamos sindicatos fortes com tradição de lutas de classes, com partidos com base na classe trabalhadora. Com o Thatcherismo e o neoliberalismo, tudo isso foi atacado. Perdemos muito”, colocou o único representante europeu no painel deste domingo (15).
Apesar das perdas, Mertens pontuou que é preciso uma visão atrelada à nova configuração do mundo do trabalho. “A nostalgia pode ser um inimigo do futuro. Isso nos joga contra a capacidade de estar com a classe trabalhadora de hoje”, colocou.
Ele nega que vivemos em uma sociedade pós-industrial. “Quando Marx e Engels escreveram o Manifesto Comunista, nem sequer 1% eram trabalhadores industriais, mas já viam que a classe trabalhadora industrial seria a classe do futuro; em 1950 eram 15% de trabalhadores em todo o mundo, e hoje são 33% - 1 em cada 3 trabalhadores trabalha na produção industrial ou em serviços relacionados com a produção industrial; nunca na história da sociedade capitalista a sociedade foi tão industrializada como hoje”, pontuou.
Segundo a liderança do partido belga, “os mesmos capitalistas” que organizam as produções na escala internacional querem construir muros entre os trabalhadores. “A classe trabalhadora é a classe criativa. A classe trabalhadora é a classe que constrói as coisas. A classe trabalhadora é a classe do futuro”, completou.
Agenda revolucionária
Irvin Jim, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos da África do Sul, pontuou em sua fala que a classe trabalhadora é a única capaz de “fazer a revolução em sua completude lógica”.
“Temos de reforçar a nossa determinação em construir organizações revolucionárias militantes da classe trabalhadora que estejam preparadas para fazer campanha de forma coordenada por uma agenda revolucionária. O nosso povo espera que nos ocupemos das questões básicas, para que os males sociais que se abateram sobre ele possam ser resolvidos”, pontuou a liderança do maior sindicato da África do Sul, com mais de 330 mil membros.
E finalizou: “Construímos a solidariedade internacional dentro das formações da classe trabalhadora, dos movimentos sociais progressistas e dos partidos políticos revolucionários, porque estamos convencidos de que o socialismo não pode ser construído em um só país”.
Dilemas
A terceira edição da Conferência Internacional dos Dilemas da Humanidade dá prosseguimento a um ciclo que teve duas edições no Brasil, organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST): uma em 2004, no Rio de Janeiro, e outra em 2015, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, interior paulista.
“Cada uma das nossas intervenções vão se complementando e nos impressiona a unidade que temos manifestado nesse pouco tempo. A unidade que estamos construindo ao redor da AIP tem um sentido maior, porque todos nós que estamos aqui temos um só compromisso: lutar pela libertação da classe trabalhadora e derrotar o capitalismo”, sintetizou João Pedro Stedile.
Edição: Raquel Setz