Na próxima segunda-feira (16), Dia Mundial da Alimentação, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) faz uma jornada de mobilizações em todo o país com o intuito de pressionar o governo Lula a avançar nas políticas de implementação da reforma agrária.
João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST, enfatiza que um dos principais desafios atualmente é a falta de orçamento. A demanda do movimento é de que ao menos R$ 3 bilhões sejam destinados à criação de assentamentos da reforma agrária, para beneficiar cerca de 60 mil famílias que vivem acampadas no país.
Além disso, nas palavras de Rodrigues, a complexa burocracia de programas de crédito e compra de alimentos da agricultura familiar tem dificultado a oferta destas refeições de qualidade nas escolas e o abastecimento de cozinhas solidárias.
O que se espera, salientou o dirigente, não é que o governo federal responda positivamente com um valor ou o anúncio de um volume de crédito para agricultores, “mas a disponibilidade para construir uma agenda de negociação”. O tema da alimentação, avalia Rodrigues, é central, sua importância equivale, para o MST, a das questões climáticas, ambientais e de segurança pública.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Qual o objetivo desta jornada de luta do MST?
João Paulo Rodrigues: A jornada tem como principal objetivo fazer um grande debate com a sociedade e com os governos sobre o tema da alimentação saudável. É o Dia Internacional dos Alimentos, e nós queremos aproveitar para fazer uma mobilização no país inteiro para cobrar o governo federal, o governo Lula, que avance na política de reforma agrária.
A nossa leitura é que, por mais que se tenha um empenho e vontade dos ministros [do governo Lula] de avançar, falta orçamento para um programa mais efetivo de assentamento. Os principais dilemas que nós temos hoje são recursos para assentamento das famílias acampadas.
A demanda nossa para assentar todas as famílias acampadas é de pelo menos R$ 3 bilhões. O orçamento disponível hoje não chega a R$ 250 milhões. É muito pouco. O governo trabalha hoje com a meta de, até março de 2024, assentar 7 mil famílias. Nós temos de assentar 60 mil famílias, ou seja, é 10%. Então nós vamos cobrar e recompor o orçamento do próximo ano, que está menos de R$ 500 milhões, de uma demanda mínima que nós precisávamos, que é de R$ 3 bilhões. Então esse é primeiro bloco de questões que queremos.
O segundo é o avanço em uma política de crédito e compra de alimento da agricultura familiar, que são basicamente três programas: Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar]; compras do PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], na Conab [Companhia Nacional de Abastecimento]; e o Pnae [Programa Nacional de Alimentação Escolar].
Os recursos estão mais ou menos sendo disponibilizados, mas é um processo de burocratização muito grande. Nós teríamos condições hoje de abastecer praticamente todas as escolas, e tem uma quantidade imensa de produto disponível para a Conab, mas, infelizmente, está tudo atrasado, nós não conseguimos avançar e estamos fazendo uma força muito grande para que, até o fim deste ano, nós tenhamos pelo menos mais R$ 500 milhões disponíveis para a Conab e que tenha uma nova linha de crédito de fomento de alimentação saudável de no mínimo R$ 16 mil por família. Esse é o ponto.
E, por último, o tema referente à educação, que é via Pronera [Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária]: uma demanda de mais de R$ 250 milhões que estamos pleiteando junto ao governo [federal]. Ou seja, uma mobilização de denúncia, de dizer que nós estamos querendo produzir alimentos e, claro, de cobrança do governo federal.
Quais as atividades dessa jornada?
Nós temos vários tipos de atividades ainda a serem confirmadas em cada estado. Mas o grosso deve ser de atividades como banquetaço, almoço e jantar solidários... Nós vamos ter as Cozinhas Solidárias funcionando em todo o país. Sonhamos com a perspectiva de termos mobilizações e negociações no Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] e na Conab. Há muito cuidado de nossa parte de não provocar a direita, em especial nas ocupações. Também não estamos querendo ter a ocupação de prédio público, mas é uma mobilização também de luta.
Há uma expectativa sobre que respostas positivas o governo poderá sinalizar nesse retorno à pauta que vocês apresentaram?
A resposta positiva não precisa ser necessariamente o valor ou o volume de crédito anunciado, mas é a disponibilidade do governo para construir uma agenda de negociação e que, mesmo que não consiga atender as demandas no dia 16, pelo menos no próximo orçamento e até o final deste ano, consiga ter um desempenho um pouco mais satisfatório do que foi até agora.
E para a gente terminar, qual é o lugar dessa pauta do direito à alimentação que o MST tem julgado hoje na sociedade?
Hoje é central. A questão da alimentação equivale, na nossa leitura, às questões climáticas, ambientais e ao problema da segurança pública. Nós sabemos que o esforço do presidente Lula para melhorar a situação do povo brasileiro passa por uma agenda de alimentação saudável, e o MST e a reforma agrária são os únicos que podem avançar em uma agenda em que as pessoas vão resolver o problema da sua fome e miséria não somente comprando produtos multiprocessados, as famosas bolachas recheadas ou algo do gênero.
Nós queremos que as pessoas comam, e comam com qualidade, que tenham uma boa fonte de proteína, combinado com uma boa fonte de vegetais oriundos da agricultura familiar, agroecológicos. É uma qualidade que nós podemos dar para o debate nacional sobre o tema que é acabar com a fome e com a miséria no Brasil.
Edição: Rodrigo Durão Coelho