Justiça

Marcos Xukuru: saiba como cacique que não assumiu prefeitura por erro judicial recuperou direitos

Eleito prefeito de Pesqueira em 2020, o líder indígena não pode assumir o cargo e pode ser candidato novamente em 2024

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Marcos Xukuru, liderança indígena de Pernambuco - Foto: Arquivo Pessoal

A sexta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que Marcos Luidson de Araújo, o cacique Marcos Xukuru, foi vítima de erro do Judiciário e restabeleceu seus direitos políticos, que haviam sido cassados em 2020. A decisão o impediu de assumir a Prefeitura de Pesqueira (PE).

De acordo com o STJ, a sentença produzida pelo Judiciário, que resultou na retirada dos direitos políticos de Marcos Xukuru, foi falha. Um dos principais argumentos pela decisão da sexta turma foi o fato de que as testemunhas que contribuíram para a condenação do líder indígena são seus opositores políticos em Pesqueira.

Além disso, os desembargadores consideraram que as provas que apontam a inocência do líder indígena foram ignoradas pelo Judiciário. Em 2015, Marcos Xukuru foi condenado por crime contra o patrimônio privado. Ele teria incendiado uma casa em 2003, quando fugia de um atentado que sofreu por defender seu povo em disputas fundiárias na região.

A decisão do STJ pegou Marcos Xukuru de surpresa. "Eu não estava acompanhando, na verdade. No final da tarde o advogado me ligou, dizendo que nós teríamos ganhado a causa, restabelecendo meus direitos políticos e podendo retomar minha vida de forma tranquila", celebra o líder indígena.

De acordo com a sentença da corte, Marcos Xukuru, embora tenha recuperado os direitos políticos, não poderá assumir a Prefeitura de Pesqueira, que hoje é governada por Bal do Mimoso (Republicanos), do mesmo grupo político do líder indígena.

Leia Mais: A saga da eleição que não acabou em Pesqueira (PE): o cacique Xukuru, a santa e o TSE

Em 2022, Bal do Mimoso foi consagrado prefeito em uma eleição suplementar, com 65,15% dos votos, para um mandato de apenas dois anos. Em outubro de 2024, Pesqueira irá às urnas novamente para eleger seu próximo mandatário. Marcos Xukuru pode estar entre os candidatos.

"É importante dizer que temos um projeto de vida pensado para implementar em nosso município. Esse projeto só é possível na medida em que ocupemos espaços como a Prefeitura. Sabemos que nem tudo se resolve do dia para a noite, ainda mais numa cidade como a nossa, que é numerosa, em relação aos municípios vizinhos Temos 63 mil habitantes e muitos desafios. Quero enfrentar esses desafios, assim como enfrentamos a luta em nossa território Xukuru", afirmou Marcos.

Mortes e Dissidência

O cacique Chicão Xukuru foi quem começou a luta pela homologação do território e a reorganização do povo Xukuru. As retomadas de terras comandadas por ele, ainda nos anos 1990, incidiram em áreas que eram ocupadas por fazendeiros e posseiros.

No dia 20 de maio de 1998, Chicão foi assassinado a tiros por José Libório Galindo, que foi contratado por Rivaldo Cavalcanti de Siqueira. Porém, o mandante do crime foi o fazendeiro José Cordeiro de Santana.

Em 2004, Siqueira foi condenado a 19 anos de prisão. O fazendeiro e o pistoleiro não receberam sentença porque morreram antes de serem julgados. Em 24 de gosto de 2001, três anos após a morte de Chicão, outra liderança Xukuru foi assassinada, Chico Quelé. Ele foi executado antes de uma reunião que definiria a indenização de fazendeiros e posseiros de Pesqueira, que saíram do território dos indígenas.

Após a morte de duas lideranças por conflitos por terra com latifundiários da região, Marquinhos se tornou alvo dentro da própria aldeia. Isso guarda relação com o projeto apresentado por Eudes, o ex-prefeito de Pesqueira. Após a fatídica reunião de 2002, em que o povo Xukuru rejeitou o turismo religioso em suas terras, uma dissidência surgiu e passou a questionar a liderança do cacique.

Quatro famílias queriam entregar suas terras para o empreendimento. Porém, foram impedidos pela maioria no território. Nascia uma divisão, um povo com dois caciques, os Xukurus de Ororubá, liderados por Marquinhos, e os Xukurus de Cimbres, comandados por Biá.

No dia 7 de fevereiro de 2003, essa dissidência interna provocou a morte de dois indígenas que acompanhavam Marquinhos em um caminhão dirigido pelo cacique. No caminho para a aldeia, encontraram José Lourival Frazão, Xukuru de Cimbres, que, segundo a denúncia do Ministério Público Federal, teria disparado contra os rivais.

Marquinhos fugiu e ficou um dia desaparecido. Quando retornou à aldeia, os Xukuru de Ororubá haviam atirado em dois Xukuru de Cimbres, que sobreviveram, incendiado quatro casas e cinco veículos – um deles da Prefeitura de Pesqueira. Entre as residências que queimara, estavam a de Biá e Frazão.

O caso teve repercussão nacional e o cacique recebeu, em Pesqueira, a visita de Dom Pedro Casaldáliga, Bispo Emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT) e Missionário Claretiano. Senador na época, Antônio Carlos Magalhães recebeu Marquinhos Xukuru em Brasília para uma reunião sobre o conflito na região.


Cacique Marquinhos e Dom Pedro Casaldáliga, em 2003 / Foto: Arquivo Pessoal

Pelo conjunto de crimes, a Justiça condenou Marquinhos e outros 34 indígenas a pena de 10 anos de reclusão, pelo delito de incêndio, artigo 250 do Código Penal Brasileiro. A pena foi convertida em serviços sociais. O cacique afirma que não estava no local no momento do ataque. "Eu estava abrigado, me cuidando, estava ferido. Quando retornei, o povo já tinha vingado o atentado, eu não participei."

Edição: Thalita Pires