A divergência no grupo político que governa a Bolívia se tornou oficial. O presidente Luís Arce e o vice David Choquehuanca não fazem mais parte do partido MAS (Movimento ao Socialismo), que ratificou a decisão, anunciada informalmente no último dia 24, de apresentar o ex-presidente Evo Morales (2006-2019) como seu candidato nas eleições de 2025.
O MAS realizou seu décimo congresso nos últimos dois dias, na cidade de Lauca Ñ, numa região de cultivo de coca no centro do país. Na ocasião, o partido decretou a "autoexpulsão" de Arce e Choquehuanca, por não terem comparecido ao encontro, e de outros 20 deputados alinhados ao governo Arce.
Na terça-feira (3), dia da inauguração do congresso, Arce apareceu de surpresa numa reunião de agricultores em La Paz. Explicou que não iria a Lauca Ñ porque a convocação havia tirado espaço de várias organizações sociais, como a poderosa Confederação Sindical Única dos Trabalhadores Rurais, enquanto a representação do aparato do partido cresceu significativamente. Ou seja, uma regra que teria sido feita sob medida para Morales e serviu de justificativa para líderes sociais alinhados com Arce desconhecerem o evento e convocarem seu próprio congresso para 17 de outubro.
O grupo de seguidores de Arce questionou a legitimidade do congresso perante o Tribunal Constitucional, que ordenou sua suspensão poucas horas antes de seu término. Morales expressou preocupação em suas redes sociais com uma suposta intervenção policial em curso, que não ocorreu. "Infelizmente, o governo de Lucho e David, pior do que os governos neoliberais, até o último momento quis adiar o congresso", disse o ex-presidente em seu discurso.
"Continuamos fazendo história nacional e internacional. O MAS vai recuperar a revolução para salvar a pátria novamente", discursou Morales.
No X (antigo Twitter), Evo postou: “A unidade, determinação, consciência e dignidade dos membros do MAS prevaleceram sobre os atos desesperados que tentaram em vão sabotar, até mesmo ameaçar nossas vidas, e usar alguns juízes politicamente para nos fazer fracassar. A força do povo é imparável e invencível, irmãs e irmãos”.
La unidad, determinación, consciencia y dignidad de la militancia del MAS-IPSP se impuso a los actos desesperados que trataron en vano de sabotear, incluso atentar contra nuestras vidas y hasta utilizar a algunos jueces políticamente para hacernos fracasar. La fuerza del pueblo… pic.twitter.com/0i0fK0kvyX
— Evo Morales Ayma (@evoespueblo) October 4, 2023
A decisão do Tribunal Constitucional pode tornar as resoluções do congresso sem validade do ponto de vista legal. O MAS não teria cumprido o requisito de renovação de sua liderança exigido pela lei eleitoral, o que colocaria em risco sua existência legal. Uma comissão de advogados de Morales disse à imprensa que a decisão do Tribunal Constitucional era "fraudulenta" e não teria efeito legal.
Se a decisão do Tribunal Constitucional prevalecer, o Tribunal Eleitoral terá de conceder um prazo para que o MAS organize novo congresso e escolha outra liderança. Ou então anular o partido, o que poderia ter consequências políticas imprevisíveis.
No congresso do MAS, centenas de líderes vestidos com a cor azul do partido, trajando camisetas e bonés com a imagem de Morales, o proclamaram como "líder indiscutível". Simultaneamente, os agricultores reunidos com Arce o chamavam de "acadêmico", "estudioso" e "o maior cientista da América do Sul na área econômica".
O que está em jogo é uma disputa para decidir quem será o candidato dos setores populares e indígenas. De acordo com o último censo da Bolívia, 40,6% da população se declara indígena. Morales foi o primeiro presidente representativo dessa parcela da população. Ele chegou ao poder após um processo de empobrecimento da população — entre 1998 e 2002, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita caiu 20% e o desemprego dobrou — e liderou um processo de redistribuição de renda.
Morales deixou o poder depois de sofrer um golpe de Estado em 2019. Após o governo provisório de Jeanine Áñez, que hoje está presa, Luis Arce, que havia sido ministro da Economia do governo Morales, foi eleito presidente em 2020.
Edição: Leandro Melito