Cuba faz comércio com países de todo o mundo — e quer fazer ainda mais. Essa é a mensagem da Câmara de Comércio de Cuba, que realizou um evento com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) nos dias 20 e 21 de setembro. O “Fórum-Empresarial Brasil-Cuba” destacou oportunidades de investimentos para empresários nos dois países.
“As normas do comércio em Cuba são as mesmas normas que existem internacionalmente. De maneira que há uma potencialidade para trabalhar tendo sistemas políticos diferentes, nunca foi um obstáculo no caso de Cuba. Acredito que há uma visão do empresariado brasileiro de que há oportunidades em Cuba. Não apenas estamos falando de produtos do setor primário, agrícola, mas também produtos industriais”, afirma o presidente da Câmara de Comércio de Cuba, Antonio Luis Carricarte Corona, em entrevista ao Brasil de Fato.
Corona participou do evento na Fiesp ao lado do vice-presidente da entidade empresarial, Rafael Cervone. Houve uma apresentação da chancelaria cubana sobre “oportunidades de investimento” e também sobre a Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel. De acordo com as autoridades de Havana, o encontro contou com 27 membros cubanos e cerca de 50 empresários e personalidades brasileiras.
A iniciativa faz parte de um plano de reforma econômica na ilha. Desde 2021, Cuba passa por mudanças econômicas batizadas “Tarefa Ordenamento”. Entre as alterações estão a permissão para o comércio em dólar, regras para a abertura de lojas atacadistas e de empresas mistas, com participação privada e estatal.
Em recente viagem à Itália, o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, aproveitou para participar de um almoço de trabalho com representantes das câmaras de negócios italianas.
Em maio, o Alto Representante da União Europeia para Assuntos Externos e Política de Segurança, Josep Borrell, visitou Havana e participou de colóquios, além de assinar acordos sobre o desenvolvimento de pequenas e médias empresas na ilha caribenha.
No comércio com o Brasil, as autoridades de Havana acreditam existir espaço para a indústria farmacêutica e biotecnológica. “Há produtos em Cuba que são muito modernos para o tratamento de câncer, diabetes. Algumas patologias dermatológicas como vitiligo, na parte dermatológica, a retinose pigmentar, que são enfermidades que existem também no Brasil”, diz o representante da Câmara de Comércio de Cuba.
Em 2022, o Brasil exportou US$ 290 milhões para Cuba e os principais itens foram gorduras e óleos vegetais (33%), arroz (17%) e carnes de aves (13%). No mesmo período, as importações foram de US$ 2,67 milhões, com destaque para charutos, cigarros e produtos de tabaco (84%) e bebidas alcoólicas (9%). Os dados são do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Confira a íntegra da entrevista com o presidente da Câmara de Comércio de Cuba, Antonio Luis Carricarte Corona.
Brasil de Fato: Como foi o encontro na Fiesp? Quais os objetivos de sua estadia no Brasil?
Meu objetivo é, em primeiro lugar, a partir das transformações que estão acontecendo em Cuba depois de um período de crise, da pandemia que nos levou a uma situação complexa. Hoje o país começa uma recuperação a partir do turismo e medidas que foram tomadas, entre elas um plano nacional de desenvolvimento que tem prioridades que, em nossa opinião, constituem prioridades para empresários brasileiros.
Por exemplo, é necessário aumentar a produção de alimentos em Cuba e o Brasil tem um potencial fornecendo matéria-prima, equipes, produtos, peças, tecnologia para a agricultura para elevar a produção de alimentos em Cuba.
Estamos levando ao empresariado brasileiro essas oportunidades para que se possam vincular a esse programa de desenvolvimento cubano. Hoje a participação brasileira é, digamos, modesta, mas o Brasil tem capacidade para fornecer milho, soja e outros produtos.
Também em energias renováveis, em Cuba há uma porcentagem de participação [de energia renovável] relativamente baixa, de cerca de 5% e esperamos elevar esse número até 30% em 2030. O Brasil tem potencialidades para participar.
O turismo brasileiro depois da pandemia está crescendo, mas não no caso de Cuba. E foi discutido com as linhas áreas, com os aeroportos, para buscar uma conexão direta que permita aumentar o turismo do Brasil, e não apenas o turismo de sol e praia, também o turismo de saúde e bem estar.
O senhor já esteve no Brasil para eventos como esse? Ou é a primeira vez que a Câmara de Comércio faz um evento com a FIESP?
Faz anos fizemos um evento também em São Paulo, ano 2002, faz muito tempo. As condições mudaram em Cuba e no Brasil.
Por que acredita que demorou tanto para que volte a acontecer um evento como esse de aproximação comercial?
Acredito que tem a ver com a agenda, porque o Brasil sempre participa da Feira de Havana, não apenas a Câmara [de Comércio]. É um ponto de encontro de empresários.
Agora penso que temos um momento oportuno porque em Cuba há uma atualização do modelo econômico, existem variações que é importante que os empresários brasileiros conheçam. Há um setor emergente privado, que em três anos de estabelecimento já há mais de 9 mil empresas privadas, que tem uma capacidade para importar e exportar com financiamento próprio e estão comprando muitos produtos. E o Brasil poderia ser um mercado importante, e essa realidade que queríamos transferir para aqui.
Como foi conversar com os empresários brasileiros? Porque existem muitas possibilidades, mas há um estigma contra Cuba.
Primeiro nós percebemos que há um interesse. O empresariado, a economia é uma, Cuba faz comércio com o mundo, não apenas com o Brasil. A Espanha é um dos principais mercados cubanos, Canadá, que tem um sistema político diferente, o sistema político não tem participação nas possibilidades de vínculo comercial. E Cuba é membro da Organização Mundial do Comércio original.
As normas do comércio em Cuba são as mesmas normas que existem internacionalmente. De maneira que há uma potencialidade para trabalhar tendo sistemas políticos diferentes, nunca foi um obstáculo no caso de Cuba. Acredito que há uma visão do empresariado brasileiro de que há oportunidades em Cuba e um potencial que não apenas estamos falando de produtos do setor primário, agrícola, mas também produtos industriais.
Qual ponto você destacaria que teria mais potencial para ampliar o comércio de Cuba para o Brasil?
Eu acredito que em Cuba teríamos um potencial para complementar nossas relações na indústria farmacêutica e biotecnológica. Há produtos em Cuba que são muito modernos para o tratamento de câncer, diabetes. Algumas patologias dermatológicas como vitiligo, na parte dermatológica, a retinose pigmentar, que são enfermidades que existem também no Brasil.
Acredito que tanto na indústria farmacêutica e tecnológica, participando de maneira, diríamos, cooperada em projetos. E na venda também, essas seriam contribuições que Cuba teria para o Brasil, e também no turismo, turismo de saúde e turismo de bem-estar.
A mineração também pode ser um setor importante, nós exportamos zeólita para o Brasil, é um substrato que tem muita versatilidade, tanto para a agricultura, fertilizantes, cosméticos.
Você disse que o comércio é igual para todos, mas esse evento ocorre após Lula voltar à presidência e faz poucos dias ele esteve na Assembleia Geral da ONU denunciando o bloqueio dos EUA contra Cuba. Então poderíamos falar sobre a troca comercial, mas também se há uma relação desse evento com o que acontece no âmbito do governo brasileiro?
Sem dúvida um governo amistoso, um governo com afinidade, apoia e ajuda as relações econômicas e comerciais. E acredito que nessa ocasião também é um momento propício não apenas com a parte central, o Brasil é muito grande, porque nessa ocasião fomos aos estados, a partir das potencialidades que apresentam os estados. O Consórcio do Nordeste tem uma potencialidade, tem um grupo na Bahia e no Ceará que está trabalhando em uma industrialização vinculada às exportações. E se cria um clima favorável para aumentar as relações comerciais estaduais também.
Acredito que é claro que o clima propício nas relações que se podem criar apoiam e ajudam o avanço das relações comerciais e nós apreciamos muito a solidariedade expressada pelo governo do Brasil na luta do povo cubano contra o bloqueio.
E quais são os objetivos do governo cubano com suas reformulações econômicas?
Acredito que em primeiro o apoio ao avanço nas relações entre as pequenas, médias e micro-empresas, a economia familiar. Os próprios resultados que tiveram as cooperativas aqui no Brasil, tudo isso pode estar inserido nas relações comerciais e diversificar os atores que participam.
E, sem dúvida, pode e deve trazer prosperidade para o povo, para as regiões, os Estados. Estamos avançando em Cuba, a partir da Constituição, uma crescente autonomia territorial e empresarial, a participação do setor privado. Tudo isso faz um mosaico de oportunidades que queremos aproveitar entre as empresas de ambos os países.
Edição: Patrícia de Matos