O general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, ex-chefe do Comando Militar do Planalto, conhecido como general Dutra, afirmou que o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército entre março e dezembro de 2022, pediu para que a Polícia Militar do Distrito Federal impedisse a desmobilização do acampamento de bolsonaristas em frente ao quartel-general do Exército em Brasília.
O pedido teria sido feito durante uma ligação telefônica no dia 29 de dezembro, três dias antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Em 29 de dezembro, quando o DF Legal [Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística do DF] chegou na Praça dos Cristais [em frente ao quartel-general] foi muito mal-recebido e hostilizado pelos manifestantes. Eu recebi uma ligação do comandante do Exército, o general Freire Gomes, que determinou o cancelamento da desmobilização com a PM, porque estava às vésperas da posse e deveríamos evitar um confronto. A desmobilização deveria acontecer somente com o Exército”, disse o general Dutra, em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), nesta quinta-feira (14). Ele não soube especificar quantas barracas foram desmontadas naquele dia.
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"Naquele momento, dia 29, nós não poderíamos ter um enfrentamento porque nós estávamos nas vésperas da posse e um enfrentamento nas vésperas da posse poderia atrapalhar para normalidade daquele evento que aconteceria logo depois.”
Dutra também negou omissão por parte do Exército diante do acampamento de bolsonaristas e dos atos golpistas no 8 de janeiro. Ele era o responsável pela autorização do acampamento golpista e hoje é um dos investigados pelo Ministério Público Militar no inquérito que apura negligência ou omissão nas invasões de 8 de janeiro.
“Em nenhum momento nós impedimos [a desmontagem do acampamento]. Nós trabalhamos de maneira extremamente sinérgica com os órgãos de segurança pública”, disse o general Dutra à CPMI, que investiga os atos golpistas que culminaram na invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes.
“Nós fomos dificultando a logística, fomos dificultando a circulação no interior do SMU [Setor Militar Urbano, onde se instalou o acampamento], solicitamos a atuação da Secretaria de Segurança Pública para o combate aos ilícitos, aos ambulantes”, explicou o militar.
O depoente ainda disse que não cabia ao Exército desmontar o acampamento que foi instalado em 30 de outubro do ano passado, no dia do segundo turno das eleições presidenciais. “Naquele momento não cabia ao Exército fazer qualquer juízo de valor quanto ao teor das reivindicações ou o controle de legalidade das pautas reivindicadas pelo movimento, sob pena de caracterizar eventual abuso de autoridade”, disse.
“Nesse contexto minha decisão para solucionar essa questão contemplou a estratégia indireta para desmobilização do acampamento, o que implicou a prevalência de ações que evitavam qualquer enfrentamento direto com os manifestantes”, afirmou Dutra, que argumentou a presença de pessoas em situação de vulnerabilidade no local.
“Nossas ações estiveram baseadas na observância irrestrita no previsto no decreto que confere às organizações militares o poder de polícia administrativa para atuar apenas nos casos de crime militar, nos demais ilícitos o dever de atuar cabe aos demais órgãos de segurança pública em coordenação com as unidades militares responsáveis pelas servidões militares adjacentes aos quartéis”, destacou Dutra.
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No entanto, segundo o depoimento da coronel Cíntia Queiroz de Castro, da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Legislativa do Distrito Federal (DF), que também investiga os atos golpistas, o Comando Militar do Planalto não autorizou as três tentativas de desmobilização do acampamento.
“Como é uma área do Exército, a gente não tinha o poder de atuar lá sem a autorização do Comando Militar do Planalto. O comando informava que era apenas para retirar o comércio ilegal de ambulantes”, afirmou Castro. Na mesma linha, o ex-secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, afirmou também à CPI do DF que “o Exército nunca permitiu que fosse tomada uma medida para retirar aquelas pessoas dali”. Diante da contradição entre os depoimentos, a relatora da CPMI, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), afirmou que o general Dutra “impediu e obstruiu a mobilização para a desmontagem do acampamento”.
Em resposta, Dutra afirmou que “as pessoas que estavam no acampamento eram pessoas de vulnerabilidade. Pessoas em situação de rua e pessoas de outros estados sem recursos para retornarem às suas residências. Nenhuma instituição disse que o acampamento era ilegal. Também não havia ordem judicial” antes do dia 8 de janeiro. A determinação para a desmobilização veio um dia depois por meio do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Em nenhum momento houve obstrução ao cumprimento da ordem judicial do STF para desmobilização do acampamento em frente ao QG do Exército ou em qualquer outra unidade do Exército Brasileiro”, afirmou. De acordo com o militar, a decisão de cumprir a decisão de Moraes no dia seguinte foi para evitar confrontos e eventuais vítimas. O militar também afirmou que “o acampamento era uma manifestação pacífica”.
Edição: Vivian Virissimo