Deputados da base bolsonarista preveem para esta semana a apresentação do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que deverá ser lido por Ricardo Salles (PL-SP). Presidente do colegiado, o deputado Zucco (Republicanos-RS) tem dito que o grupo irá “trabalhar para ter maioria”. O clima entre membros da CPI, no entanto, ainda não garante certezas. A comissão, que tem hoje 26 integrantes titulares e 24 suplentes nomeados, trabalha com uma previsão de encerramento dos trabalhos até a próxima quinta-feira (14), data fixada pelo calendário oficial aprovado no início das atividades da CPI.
De um lado, o governo passou a ter, nas últimas semanas, uma expectativa de maioria após a troca de alguns integrantes ligados ao PP e ao Republicanos, siglas que agora se beneficiam com a reforma ministerial promovida por Lula. De outro, o terreno político no Congresso Nacional ainda é movediço para a gestão, dada a instabilidade da própria base parlamentar. Apesar disso, deputados ligados ao governo acreditam que há baixa chance de aprovação do relatório de Salles.
No último dia 4, por exemplo, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a coleta de depoimento de dois gestores do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral), ligado ao governo do estado. O magistrado atendeu a um pedido da Assembleia Legislativa de Alagoas, para a qual a convocação dos dois fugia ao objetivo da CPI.
Na sequência, o presidente da CPI soltou nota criticando a liminar e anunciando o cancelamento da sessão de segunda no colegiado. Também comunicou que não haveria mais nenhuma reunião da comissão até a apresentação do relatório, o que acabou por cancelar depoimento de uma liderança do MST na última terça (5).
“Acho que eles estão jogando a toalha, percebendo que não têm mais número nem condição para produzir nenhum fato que eles queiram criar sobre o MST ou sobre o governo. Eles ainda seguem agitando a possibilidade de vencerem o relatório, mas nada se alterou da última sessão até a próxima, ou seja, a composição [da CPI] é a mesma, os membros são os mesmos. E, ao contrário disso, tem uma proximidade maior do PP, por exemplo, com o próprio governo, então, é mais improvável que eles consigam demover um dos votos”, acredita Sâmia Bomfim (PSOL-SP), integrante da CPI.
Apesar das declarações de Zucco, circulam nos bastidores da Câmara rumores de uma suposta incerteza sobre a apresentação do parecer de Salles. O motivo seria uma divergência interna na ala bolsonarista, que estaria dividida entre parlamentares para os quais não valeria mais a pena investir no relatório, dada a desidratação política do grupo ao longo das últimas semanas na CPI. A outra parte seguiria firme na ideia, com o objetivo de mirar lideranças do MST com uma tentativa de criminalização no texto final. Salles estaria no segundo grupo.
Já no outro campo ideológico, a leitura é de que uma eventual não apresentação do parecer traduziria uma derrota maiúscula para a ala bolsonarista, que patrocinou a CPI desde a sua criação. Segundo esse cálculo, o resultado dos trabalhos da comissão seria, então, bastante favorável à esquerda de modo geral.
Apesar disso, parlamentares dizem que estariam se articulando para lidar com os dois cenários. “Como cabe ao Salles a decisão, nós estamos preparados para ir para a [comissão] na semana que vem e tentar garantir os votos necessários”, afirma, por exemplo, Sâmia Bomfim.
Caso o ex-ministro do Meio Ambiente leia de fato o parecer, os parlamentares do segmento consideram também a possibilidade da apresentação de um relatório alternativo por parte do grupo. A ideia seria divergir das tentativas de criminalização impostas por Salles e deixar registrado nos anais da Câmara um documento que concorra com a narrativa a ser evocada pelo relator.
O relatório
A bancada bolsonarista tem dado alguns sinais sobre pontos do possível relatório a ser apresentado ao colegiado. Depois de Barroso suspender os depoimentos previstos para segunda, Zucco disse à imprensa que irá pedir a Salles a sugestão de indiciamento do diretor-presidente do Iteral, Jaime Messias Silva, que foi empossado no cargo em 2015 pelo então governador do estado e atual ministro dos Transportes do governo Lula, Renan Filho. Nos bastidores, o indiciamento seria uma forma de atingir a gestão petista, um dos principais alvos da CPI junto com o MST.
Outro nome que entrou na mira de Salles e correligionários foi o deputado Valmir Assunção (PT-BA), integrante da base do governo e também assentado da reforma agrária. Ligado diretamente ao MST, Assunção está em seu quarto mandato.
“Para mim, não há surpresa nenhuma em relação ao relator porque ele enfrentou muitos embates comigo. Ele foi visitar a Bahia numa região que tem uma disputa política muito forte, que é o Extremo Sul. Ele foi em quatro casas em um universo de quase 60 assentamentos do MST e, a partir disso, diz que vai me colocar no relatório. Eu encaro isso como uma perseguição política, como uma grande criminalização política”, disse o petista ao Brasil de Fato.
O deputado se refere à diligência realizada pela CPI no dia 16 de agosto. “No governo Bolsonaro, a Polícia Federal ficou nos assentamentos do MST no Extremo Sul por mais de 20 dias. O Ministério Público acompanhou, a Polícia Civil [também], houve toda uma estrutura administrativa e não teve nenhum indiciamento ou denúncia contra mim. E agora eles querem fazer isso comigo? Eu encaro com tranquilidade”, emenda Assunção.
Assim como os demais parlamentares da base governista, o deputado segue na linha de reforçar a crítica à concepção da CPI, que foi instalada em meados de maio e desde então é alvo de oposição de parlamentares progressistas e segmentos civis por não ter apresentado à Câmara dos Deputados um objeto definido a ser investigado, conforme exigem as regras.
“Nós sempre falamos que essa CPI tem relatório pronto. Ela não poderia existir por não ter fato determinado e ela quer criminalizar os movimentos populares, quer criminalizar as lideranças desses movimentos e quer ser um palanque bolsonarista. Esse é o objetivo da CPI e sempre falamos isso. E, além disso, quero dizer que, na minha avaliação, Ricardo Salles não tem moral para indiciar ninguém. Ele é réu por crime ambiental”, alfineta.
Dando sequência ao raciocínio, Valmir Assunção afirma que pretende fazer enfrentamento político na comissão na próxima semana, especialmente se a ideia de indiciamento seguir adiante. “Ele não vai tirar o direito que eu tenho de defender os movimentos populares, de dizer que sou militante do MST, assentado de um projeto de reforma agrária, de me orgulhar do que eu sou por causa dessa trajetória. Andarei sempre de cabeça erguida e eu sei que, nessa disputa, nós vamos continuar enfrentando os ‘Ricardos Salles’ e os bolsonaristas em todo lugar. Nós derrotamos Bolsonaro nas urnas e agora vamos derrotar os bolsonaristas nas ruas, nas praças, em todos os lugares", conclui o parlamentar.
Edição: Geisa Marques