A nascente do córrego Taguatinga, um afluente da Bacia do Descoberto que é responsável por abastecer cerca de 60% da população do Distrito Federal, tem sido alvo de esgoto e degradação ambiental.
Localizada no Parque Boca da Mata, a nascente “é vítima de diversos crimes ambientais, como o recém lançamento de esgoto não tratado”, de acordo com o Coletivo Boca da Mata, organização social que fiscaliza e mobiliza ações de conscientização ambiental no local.
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O coletivo disse em nota que comunicou o Instituto Brasília Ambiental (IBRAM) sobre o esgoto, reclamou com a Ouvidoria do DF, fez uma denúncia ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e contactou a Comissão Ambiental de Samambaia e o Gabinete 24, do deputado distrital Fábio Félix (PSOL).
“São diversos os pontos de lançamento de resíduos sólidos”, afirma Breno Vidany, membro do coletivo e técnico em controle ambiental pelo Instituto Federal de Brasília, explicando que no dia 5 de setembro, uma terça-feira, funcionários da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (CAESB) visitaram o parque após a denúncia de crime ambiental junto ao MPDFT.
“Durante a visita de fiscalização, foi identificado que o lançamento de esgoto advém de um emissário (coletor de esgoto) da Caesb, porém os motivos do lançamento são incertos”, explica o coletivo em nota.
Respondendo a um questionamento da reportagem, a Caesb confirmou que enviou técnicos ao local, onde identificaram “extravasamento na rede de esgoto da companhia”.
Segundo a Caesb, “o extravasamento de esgoto aconteceu devido ao mau uso da rede por parte da população”, acrescentando ser necessário que “usuários também façam sua parte e não descartem materiais irregularmente na rede”.
A empresa cita sacos plásticos, fibras de tecido, madeira, óleo e areia como exemplos de materiais “estranhos aos esgotos e os maiores responsáveis pelos problemas de obstrução das redes coletoras”.
Breno segue uma linha parecida, dizendo que pessoas e empresas lançam esgoto na rua, o que faz descer para o córrego. O ativista socioambiental destaca ainda a presença de pessoas em situação de rua que habitam o local, sem salubridade, e que acabam degradando o ambiente com a criação de animais domésticos – o que é proibido em parques urbanos.
“Pessoas que moram lá de forma irregular precisam ser realocadas para locais dignos e com seus direitos humanos respeitados”, pondera Breno.
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O MPDFT afirmou à reportagem que “foram expedidas requisições à ADASA, CAESB e IBRAM para que, no prazo legal, prestem informações sobre as providências adotadas em relação à notícia de despejo irregular de esgotos no córrego”. Em nota, o Ministério Público acrescenta que o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) “encontra-se em fase de licitação para a obra de cercamento do parque” e que a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) realizou um mutirão de limpeza no interior do Parque Distrital Boca da Mata.
Boca da Mata
Devido a importância de sua biodiversidade, com presença de campos de murundus, o Parque Boca da Mata foi criado em 1991 por meio de um decreto (13.244) para a proteção do córrego – que é um afluente da Bacia do Descoberto, responsável por abastecer cerca de 60% da população do Distrito Federal.
Desde 2018 existe o processo de cercamento do parque pela compensação ambiental do DER e o SLU coleta em uma parte do parque, e não nas outras.
Coletar é indispensável, mas o problema da destinação incorreta dos resíduos é frequente e, se não houver medidas de fiscalização ou construção de uma sede do IBRAM no parque, o problema nunca vai acabar.
Se antes o parque era uma Unidade de Conservação de uso sustentável, em 2017, o decreto 38.367 recategoriza o local para Parque Distrital de Poteção Integral – aqui, apenas o uso indireto dos seus recursos naturais é admitido.
“O uso indireto diz respeito ao usufruto dos serviços ecossistêmicos, como manutenção da qualidade da água, do ar e de serviços biológicos, como polinização. A legislação da proteção integral proíbe inclusive a retirada de frutos sem a autorização do órgão ambiental responsável pela gestão da Unidade de Conservação”, explica, acrescentando que, na prática, não é o que ocorre no Boca da Mata.
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Na definição do IBRAM, responsável pela conservação destes parques, o Parque Distrital é um tipo de Unidade de Conservação (UC) de proteção integral para preservar ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando pesquisas científicas e atividades de educação, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. Atualmente existem 8 parques distritais em Brasília.
Criado em 2021, o Plano de Manejo do parque Boca da Mata é um “documento muito importante, mas tem falhas”, aponta Breno. É a partir desta constatação que o coletivo decidiu se organizar para fazer a revisão do texto.
Esse processo ocorre por meio de uma parceria com um projeto de extensão da UnB, coordenado pela professora do departamento de Geografia Potira Hermuche, integrante do Coletivo Boca da Mata.
“Vamos usar metodologias mais adequadas, como a leitura do lençol freático, para ter um dado mais forte que corrobore a necessidade de proteger o parque”, explica o ativista.
O Plano de Manejo é um documento construído a partir dos objetivos definidos no ato de criação de uma Unidade de Conservação, e estabelece as normas para ocupação do solo.
Fiscalização e mobilização
O Parque Boca da Mata possui, segundo levantamento do Coletivo, 193,184 hectares. Já o mapa do parque distrital determina área de 196,34 hectares, com relevo plano e suavemente inclinado. O nome surge de uma ocupação urbana às margens do córrego Taguatinga, antes da criação do parque, chamada Boca da Mata.
Um professor de biologia, morador da região administrativa de Samambaia, caminhava ao lado de um de seus estudantes perto do Parque quando, cansado de ver lixo e esgoto despejados no local, decide criar um coletivo pela preservação da flora e da fauna. É assim que Douglas Ribeiro funda, no início de 2021, o Coletivo Boca da Mata, que atua para conscientizar e mobilizar a comunidade do entorno a respeito da importância do parque.
A organização reúne profissionais da área ambiental, estudantes e egressos do Instituto Federal de Brasília (IFB). Em 2022, o grupo lançou uma petição on-line solicitando “a imediata instalação de cercas ao redor do Parque Distrital Boca da Mata a fim de evitar a entrada de poluidores em uma área extremamente importante para a manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado”.
A então coordenadora do projeto de extensão Interação do Coletivo Boca da Mata e o Instituto Federal de Brasília (IFB), Andréia França, chegou a declarar ao Brasil de Fato naquele momento que o parque se encontrava “em situação de vulnerabilidade, que tem se acentuado com o passar dos anos”.
“O mesmo local que já foi frequentado por moradores da região como um atrativo natural, tem sua vegetação, corpos hídricos e fauna postos em risco por práticas irregulares dentro de seus limites”, disse Andreia.
Até hoje a demanda não foi atendida e o parque segue desprotegido.
Em dossiê, o coletivo frisa que, conforme o decreto distrital nº 38.367, de 26 de julho de 2017, e a lei complementar nº 827, de 22 de julho de 2010, não pode haver propriedades privadas na área do Parque Distrital Boca da Mata, “pois trata-se de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, isto é, apenas o uso indireto é permitido”.
O documento aponta que as moradias com o tempo promovem o aterramento de Áreas de Preservação Permanente (APP) e a descaracterização de matas de galeria, com a introdução de espécies vegetais exóticas, a fragmentação de corredores ecológicos e a mudança no microclima, tendo um aumento da temperatura local.
“O setor de oficinas foi construído em cima de nascentes, no período chuvoso diversos produtos poluentes escoam pelas águas pluviais e deságuam dentro do parque”, aponta o texto do Coletivo.
Leia o posicionamento completo da Caesb:
“A Caesb informa que técnicos foram enviados ao local informado e identificaram extravasamento na rede de esgoto da companhia. O extravasamento de esgoto aconteceu devido ao mau uso da rede por parte da população. É necessário que os usuários também façam sua parte e não descartem materiais irregularmente na rede tais como sólidos - lixo, sacos plásticos, fibras de tecido, madeira, óleo e areia pois esses itens são considerados estranhos aos esgotos e os maiores responsáveis pelos problemas de obstrução das redes coletoras. A cada vez que um material desses é descartado na tubulação de esgoto, podem ocorrer entupimentos e o consequente extravasamento para a rua.
Lembramos que, por termos uma rede de tubulação de água (9.760 km) e de esgotos (7.661 km) bastante extensa, precisamos do apoio da população em nos informar pelos canais oficiais de atendimento os pontos que necessitam de manutenção. É fundamental que o usuário faça o registro da solicitação.
Gostaríamos de solicitar a gentileza de reforçar junto aos clientes que registrem os pedidos de manutenção pelo aplicativo, site ou Central de Atendimento (115), uma vez que a demora em nos informar o vazamento ocasiona um prazo mais dilatado para o conserto.”
Defesa do meio ambiente
Outro local de importância ambiental para o DF, responsável por abastecer o Lago Paranoá e que tem sido alvo de pressão da especulação imobiliária é a Serrinha do Paranoá.
A Serrinha do Paranoá é constituída pelos núcleos rurais Boa Esperança, Olhos D´Água, Urubu, Jerivá, Torto, Bananal, Palha, Taquari, Tamanduá e Capoeira do Bálsamo.
Na região, existem importantes cursos de água que fazem parte da Área de Proteção Ambiental (APA) do Planalto Central.
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No início de agosto, dia 4, a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) sediou o lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Serrinha do Paranoá, com a presença de diversos representantes e defensores da região, incluindo o também presidente da Comissão de Direitos Humanos, Fábio Félix.
A iniciativa marca “o início de um esforço conjunto para proteger o meio ambiente da área”, destacou o deputado.
Lúcia Mendes, presidente da Associação Preserva Serrinha, aponta que, com o aumento da ocupação imobiliária, a área tem risco de perda de Cerrado nativo, de contaminação do solo e das águas.
“Com esses empreendimentos, pontes e setores habitacionais, isso vai comprometer a possibilidade da manutenção dessa captação e a sustentação desse abastecimento de água potável para a população”, declara, acrescentando que “não é mais só uma questão de garantir o direito dos moradores tradicionais que moram aqui. Pessoas que vieram pra cá há mais de trinta, quarenta anos. É uma questão de equilíbrio hídrico e de sustentação do abastecimento de água para população de Brasília”.
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Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Márcia Silva