Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na Amazônia diminuiu 42,5% entre janeiro e julho deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. Os números foram positivos mesmo durante a estação seca. Em julho, a queda foi de 66%, índice que se repetiu em agosto.
Em contraste com o governo anterior, que desmontou a estrutura de fiscalização ambiental e deu sinal verde aos desmatadores, as estatísticas permitem dizer que a Amazônia retornou a patamares pré-Bolsonaro de devastação. Mesmo assim, cientistas alertam para a possibilidade concreta de que o agronegócio leve o bioma ao chamado ponto de não retorno, quando a degradação ambiental será tão profunda, que será impossível revertê-la.
“A gente tem um Congresso onde o agronegócio é o maior poder. Ou a gente convence os parlamentares de que é preciso ter um plano para o futuro ou todos nós vamos para o colapso”, afirma Luciana Gatti, cientista de mudanças climáticas e coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Segundo ela, é difícil prever quando haverá o temido ponto de não retorno, mas ela diz que “estamos próximos”. Luciana afirma que a desertificação da floresta não se dará em todo o bioma de uma vez, mas ocorrerá primeiro nos pontos onde o desmatamento é mais crítico e atualmente já provoca alterações de temperatura e no regime de chuvas.
“Nossa prioridade número um tem que ser a porção sudeste da Amazônia. Já tinha que se decretar estado de emergência nessa região: proibir qualquer tipo de desmatamento e queimadas. E fazer grandes projetos de restauração florestal, com produção de mudas e plantios”, alertou Gatti.
Os prefeitos do ponto de não retorno
A região sudeste da Amazônia corresponde ao norte de Mato Grosso e ao sul do Pará. Nessas áreas, o cultivo de grãos e a pecuária são o principal motor do desmatamento. As atividades põem com frequência os municípios da região no topo do ranking nacional do desmatamento. Recentemente, o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, deputado José Priante (MDB-PA), levou prefeitos das cidades paraenses que mais desmatam para um conversa com representantes do Ministério do Meio Ambiente.
“Eles [prefeitos] querem estar mais bem informados sobre onde tem ou não tem desmatamento. E querem regularização ambiental e fundiária”, relatou ao Brasil de Fato o secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente (MMA), André Lima.
“Estamos fazendo uma grande concertação política, que envolve, inclusive, repasse de recursos para os municípios que aderirem a esse pacto, a partir do Fundo Amazônia. Estamos tentando reverter a conversa: ao invés do parlamento ficar reativo às medidas de controle, nós estamos chamando o parlamento para ele ser protagonista de uma agenda positiva condicionada à redução do desmatamento”, explicou.
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André Lima reconhece que a atuação firme contra os crimes ambientais gera pressão de alguns parlamentares ligados ao agronegócio. Enquanto isso, o governo tenta envolver os municípios amazônicos na meta de "desmatamento zero". O Fundo Amazônia, que até então só financiava projetos apresentados por estados ou pela União, passará a bancar iniciativas municipais. A prioridade, segundo ele, será a restauração florestal e atividades econômicas com povos e comunidades tradicionais.
“Existem, obviamente, reações pontuais de parlamentares em relação a algumas medidas mais duras, como, por exemplo, a apreensão de gado, a destruição de bens e maquinários apreendidos em fiscalização. Isso sempre gera algum tipo de reação porque existe um acionamento aos parlamentares para tentar algum tipo de flexibilização. E a gente tem atendido. O presidente do Ibama é ex-deputado federal. Ele tem sido bastante firme, mas na medida do possível tem atendido aos pedidos”, afirmou Lima.
Governo promete queda contínua no desmatamento
Em 2023, o total de áreas embargadas na Amazônia foi de 280 mil hectares, 213 mil em propriedades privadas e 67 mil em terras públicas. O valor das multas ambientais aplicadas no bioma já se aproxima de R$ 1 bilhão.
André Lima, secretário nacional de combate ao desmatamento, classifica os números como satisfatórios, mas diz que eles tendem a cair ainda mais. Até agora, o governo atuou para aumentar a eficácia das operações de fiscalização, mas os planos de impulsionar o desenvolvimento econômico sustentável, que dependem de mais tempo para implementação, ainda não saíram do papel.
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“Uma grande novidade que a gente implementou nessa linha da fiscalização são os embargos remotos, ou seja, nós estamos potencializando a utilização de tecnologia, não apenas para detecção do desmatamento e para mobilização da fiscalização de campo, mas também para aplicar as sanções remotamente. E isso começa a gerar resultado, porque a gente multiplica por 10 a capacidade de fiscalização”, explicou André Lima ao Brasil de Fato.
Segundo Lima, novas medidas ainda devem surtir efeito nas estatísticas do desmatamento. O Banco Central publicou uma resolução que impede o acesso à crédito rural para proprietários de imóveis embargados ou com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) cancelado ou suspenso. A mudança atinge donos de fazendas que foram alvo de embargos por órgãos federais e estaduais ou estão sobrepostas a terras indígenas e unidades de conservação. As novas normas começam a valer entre agosto de ano e janeiro de 2024.
Catástrofe iminente
Uma análise do projeto Mapbiomas divulgada no fim de agosto mostrou que, entre 1985 e 2022, a área ocupada pelo agronegócio na Amazônia saltou de 3% para 16%. No mesmo período, a floresta perdeu 52 milhões de hectares, o equivalente à área da França. “Se a gente não frear esse ritmo, em breve a gente pode atingir o ponto de não retorno. Então é urgente que a gente fiscalize, monitore e combata o desmatamento ilegal”, reforça Luiz Oliveira, pesquisador do Mapbiomas.
Publicando as pesquisas científicas sobre a Amazônia na revista Nature, Luciana Gatti, descobriu em 2021 que a Amazônia havia se transformado em fonte de carbono para a atmosfera. Em 2023, outro artigo dela e de colegas concluiu que as emissões haviam dobrado nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro. Ela reconhece que o governo Lula representou uma guinada ambiental para o país, mas diz que isso não basta.
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“A gente precisa mudar esse modelo de produção agrícola, e rápido, porque isso vai levar o Brasil a um colapso climático. Em breve, vai causar consequências, um grande problema socioambiental e ecológico. Estamos caminhando para um futuro catastrófico. Vamos ter que mudar, então vamos sentar junto e traçar um plano para essa mudança”, convocou a cientista.
Edição: Vivian Virissimo