A ideia é dar visibilidade a territórios tradicionais que convivem entre práticas rurais e urbanas
"Olá, pessoal! Tudo bem com vocês? Meu nome é Zinquê, sou aqui de Santarém do Pará, moro com a minha família lá no bairro de Mapiri. Tenho muito orgulho do lugar onde eu nasci. Eu faço parte da Turma da Beira, que é um grupo de jovens que defendem seus territórios na Amazônia. Hoje eu vou trazer para vocês uma história de Alter do Chão da Dona Jacira, que é uma grande anciã que faz parte do povo indígena Borari".
Essa é uma das histórias que estão na coleção de seis livros produzidos pela Turma da Beira. É por meio dessas narrativas que a pesquisa científica rompeu os muros da universidade e devolveu às comunidades o resultado dos estudos feitos na academia sobre esses territórios.
Entre os temas abordados na coleção, estão os territórios do Pará, como a Ilha do Maracujá, os assentamentos de reforma agrária de Mosqueiro, as vozes dos estudantes quilombolas e indígenas da Universidade Federal do Pará (UFPA) e de Alter do Chão e dos indígenas que vivem na cidade.
O personagem Zinquê, que conta a história do território Borari, é Yuri Santana Rodrigues. Ele é morador de Santarém, formado em Gestão Pública pela UFPA, onde foi bolsista, e hoje pesquisa os processos urbanos e luta de movimentos sociais da região.
"O projeto surgiu com a finalidade de dar visibilidade para territórios tradicionais que convivem entre práticas rurais e urbanas. Ele teve a orientação metodológica de ter o protagonismo e representação daqueles e daquelas que vivem nestes territórios, pois são eles que podem falar sobre esse lugar. Dando visibilidade para as suas cosmologias, para as suas ancestralidades, resistências e modos de vida e também a importância de preservação desses territórios que estão sob constante ameaça."
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A palavra “beira" está associada a estar à margem ou na borda. A Turma da Beira surge como uma forma de descentralizar as formas de viver e ocupar o espaço. Ana Claudia Cardoso é uma das coordenadoras do projeto e que representa a UFPA no Projeto Contracartografias.
"Na pandemia vimos que não ia dar para fazer trabalho de campo como era imaginava inicialmente. A minha estratégia foi contratar estudantes da Universidade Federal do Pará inseridos nestes contextos. Então a pessoa precisa ser morador, como é o caso do Edgar da Ilha do Maracujá, aluno de Nutrição, ou Noel, que é morador de um município da borda metropolitana, mas que é líder de um grupo de consumo agroecológico, responsável pela história dos assentamentos de reforma agrária do Mosqueiro, em Belém, aluno da geografia da UFPA", explica.
A pesquisadora diz que o trabalho realizado ajuda a romper preconceitos e a brutalidade contra os povos retratados nos livros.
"Vemos todos os dias as notícias de violência, sabemos que os indígenas têm sido aguerridos há 522 anos e eles resistem nesses territórios. No entanto, nós sabíamos que era possível mostrar uma face bela e que encanta nessas culturas. Se observamos de que forma a comunidade quilombola cuida dos rios, dos quintais, de que forma os indígenas têm conexão com esses locais, especialmente os espaços sagrados e os elementos da natureza".
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Os livros foram desenvolvidos por meio do projeto Contracartografias da Universidade Federal do Pará em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais que se debruça sobre as diversas mudanças no espaço urbano com avanço do agronegócio, da mineração e de outros empreendimentos.
Noel Gonzaga Bastos, é um dos bolsistas, responsável pelas histórias dos territórios de reforma agrária. "São nestes territórios que centenas de famílias que saíram das periferias da região metropolitana de Belém se engajaram na luta pela terra e agora se dedicam a produção de alimentos para autoconsumo, mas também para alimentar famílias da cidade. Falar dos assentamentos de Mosqueiro é falar de resiliência camponesa, ou seja, superação de dificuldades pela vontade de permanecer na terra. É por essa vontade que as famílias aliam produção agroecológica que garantem preservação das florestas e das águas", ressalta.
Os resultados da pesquisa foram adaptados. Dos relatórios, passaram a ser elaborados materiais didáticos, jogos, animações e materiais audiovisuais como forma de serem acessíveis também às pessoas que moram nestes territórios.
Serviço: Coleção Turma da Beira. Seis livretos de 38 páginas cada. Disponível para acesso gratuito em: www.contracartografias.com
Edição: Douglas Matos