Diversas mensagens encontradas no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), apontam que membros do governo sabiam que as tentativas de entrar com joias milionárias no Brasil sem declarar os objetos estavam fora da lei.
O material foi obtido pelo site de notícias UOL e vem sendo divulgado desde sábado (2) pela colunista Juliana Dal Piva. Nesta segunda-feira (4), ela revelou que, em um dos diálogos, Cid lamentou que as peças tenham sido embarcadas nas mochilas pessoais de funcionários do antigo governo.
“Foi o grande problema”, afirmou ele ao comentar o fato em conversa com o ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro, Fabio Wajngarten. Na mensagem ele se referia a uma publicação das redes sociais que falava sobre o processo ilegal para entrada das joias no país.
Um conjunto de objetos contendo relógio, abotoaduras, caneta e um masbaha – colar litúrgico muçulmano semelhante a um terço - chegou a ser trazido para o país. O mesmo kit foi anunciado em um site de leilões nos Estados Unidos por US$120 mil (quase R$ 600 mil).
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Tentativa semelhante foi realizada com outro conjunto, com colar, anéis e brincos de diamantes, mas a Receita Federal flagrou e apreendeu a joia. As peças teriam sido presenteadas pelo governo da Arábia Saudita.
A postagem sobre a qual Mauro Cid falava foi feita por um perfil de humor e afirmava que os objetos teriam que ser colocados em uma mala diplomática para ingressar em solo nacional como um presente de estado.
Em outras mensagens reveladas pelo UOL, Mauro Cid admitiu que sabia que os itens eram de interesse público. A afirmação vai contra a estratégia adotada pela defesa de Jair Bolsonaro, que alega que as joias seriam presentes pessoais.
Mauro Cid chegou a mandar trechos da legislação sobre o tema para Fabio Wajngarten. Na conversa ele citou a Lei 8.394, de 30 de dezembro de 1991, dispõe sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados da presidência.
De acordo com o terceiro artigo da norma, “os acervos documentais privados dos presidentes da República integram o patrimônio cultural brasileiro” e são sujeitos a restrições.
O inciso destacado pelo ex-ajudante de ordens no diálogo obtido pelo UOL diz que, “em caso de venda, a União terá direito de preferência". A mesma lei determina que o acervo não pode ser levado para o exterior sem “expressa manifestação da União.”
Está tudo documentado
No sábado (2) o UOL já havia revelado que, nas trocas de mensagens, Mauro Cid demonstrou saber da existência de provas sobre a apropriação ilegal de joias.
"O pior é que está tudo documentado", disse ele para Wajngarten, logo após as primeiras denúncias sobre o conjunto de colar, anel, relógio e brincos de diamante recebidos da Arábia Saudita, publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo.
A matéria mostrava que as peças foram encontradas pela Receita Federal na mochila de Marcos André dos Santos Soeiro, então assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque. Para trazer os itens ao país sem pagar imposto, a gestão de Bolsonaro precisaria declarar o conjunto como presente oficial de Estado, o que não foi feito.
"Eu nunca vi tanta gente ignorante na minha vida", escreveu Wajngarten em resposta a Cid, mas sem especificar de quem está falando. Após ser informado que o caso estava documentado, ele pediu mais explicações, mas os textos enviados foram apagados.
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Entre as mensagens que não foram deletadas, Mauro Cid afirmou não saber em que data exata o ex-presidente tomou conhecimento da existência do conjunto, mas citou o período do fim do ano passado.
“Não sei dizer a data. Tanto que, em 2022, ninguém tocou nisso aí. Por isso, que entrou para leilão porque ficou mais de um ano", disse ele ao se referir a um leilão da Receita para itens confiscados por sonegação de impostos.
O ex-ajudante de ordens também recebeu perguntas de Wajngarten sobre a localização de kit que entrou ilegalmente no Brasil. Cid deu respostas inconclusivas: "deve estar em algum depósito”, disse ele.
Dias depois, o ex-secretário instruiu Mauro Cid a disponibilizar as peças para o Tribunal de Contas da União. Segundo a reportagem do UOL, em nenhum momento o então ajudante de ordens mencionou que as peças foram levadas para os Estados Unidos em uma viagem de Jair Bolsonaro e que o próprio Mauro Cid tentou vender as joias. A tentativa de transação ilegal foi descoberta pela PF.
Ainda de acordo com o UOL, Cid e Wajngarten foram procurados, mas não comentaram o assunto.
Edição: Rodrigo Durão Coelho