Bolsonaro e aliados

Venda ilegal de joias: PF colhe depoimentos simultâneos de Bolsonaro e aliados com objetivo de identificar contradições

Há indícios de que o esquema foi realizado por "determinação" do então presidente Jair Bolsonaro (PL)

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Suspeita é que teria sido montada uma ofensiva por ex-integrantes do Palácio do Planalto para driblar o registro dos presentes de delegações estrangeiras - Tânia Rêgo/Agência Brasil

A Polícia Federal (PF) vai colher depoimentos simultâneos, nesta quinta-feira (31), no caso da obtenção e venda ilegal de joias durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL).  

Além de Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, serão ouvidos outros seis investigados: Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Lourena Cid, pai de Cid, Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, ex-chefe da comunicação do governo Bolsonaro, Marcelo Câmara, assessor especial de Bolsonaro, e Osmar Crivellati, assessor de Bolsonaro. 

O objetivo dos depoimentos simultâneos é identificar possíveis contradições entre as versões apresentadas pelos depoentes. De acordo com a PF, teria sido montada uma ofensiva no Palácio do Planalto para driblar o registro dos presentes de delegações estrangeiras, como as joias sauditas, no setor responsável por catalogar os objetos.  

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Nas palavras de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) responsável pela relatoria do caso, há indícios de que o esquema foi realizado por "determinação" de Bolsonaro. Na mesma linha, a PF informou em nota que "há fortes indícios de que os investigados usaram a estrutura do Estado brasileiro para desviar de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao Presidente da República (...) com o intuito de gerar o enriquecimento ilícito do ex-presidente Jair Bolsonaro".   

Os valores obtidos com as vendas teriam sido "convertidos em dinheiro em espécie e ingressaram no patrimônio pessoal dos investigados, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores". O montante total arrecadado com a venda dos presentes estrangeiros pode ter ultrapassado R$ 1 milhão.  

Em 11 de agosto, Mauro Cid, seu pai, Osmar Crivelatti e o Frederick Wassef foram alvos da Operação Lucas 12:2 da PF – em referência ao versículo da Bíblia que diz "não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido" – com mandados de busca autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes. Seis dias depois, em 17 de agosto, o magistrado autorizou a quebra de sigilo de contas bancárias no exterior em nome do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), do tenente-coronel Mauro Cid e do general da reserva Mauro César Lourena Cid. 

Pai de Mauro Cid  

Em uma das tentativas de venda dos presentes, o rosto do general do Exército Mauro César Lourena foi identificado em uma foto utilizada para solicitar uma avaliação do objeto em lojas especializadas nos Estados Unidos, segundo relatório da PF. Ao fotografar uma caixa com portas de vidro, o general fotografou o reflexo de seu rosto. De acordo com o documento da PF, foi o próprio Mauro Cid que pediu ao pai o envio dos objetos para lojas especializadas.   

O general também tentou vender esculturas douradas em formato de palmeira e de barco, mas não conseguiu, porque descobriu que não eram feitas de ouro maciço, mas apenas folheadas com o metal. O assunto foi tratado entre Mauro Cid e o então assessor de Bolsonaro Marcelo Câmara. 

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"Aquelas duas peças que eu trouxe do Brasil: aquele navio e aquela árvore; elas não são de ouro. Elas têm partes de ouro, mas não são todas de ouro. Então eu não estou conseguindo vender. Tem um cara aqui que pediu para dar uma olhada mais detalhada para ver o quanto pode ofertar. Eu preciso deixar a peça lá (...) pra ele poder dar o orçamento. Então eu vou fazer isso, vou deixar a peça com ele hoje." As esculturas foram presentes do governo de Bahrein, em 2019.   

O general da reserva Mauro César Lourena foi diretor da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) nos Estados Unidos durante toda a gestão de Bolsonaro. No cargo, ele recebia salário de aproximadamente R$ 63 mil por mês.  

Joias sauditas  

Em outro áudio para Marcelo Câmara, Mauro Cid cita um leilão de joias que ocorreria em 8 de fevereiro de 2023, para o qual enviaria um conjunto de joias contendo um relógio. Segundo a PF, trata-se de um dos conjuntos de joias presentados a Bolsonaro pela Arábia Saudita. O kit de joias masculinas, composto por uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe (masbaha) e um relógio, foi levado por Mauro Cid aos Estados Unidos no mesmo avião que levou Jair Bolsonaro a Orlando, em 30 de dezembro do ano passado, na véspera do fim de seu mandato.  

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Conforme indicado no site onde o item foi divulgado, o preço de partida era de US$50 mil, correspondendo aproximadamente a R$245 mil considerando a taxa de câmbio atual. A estimativa de valor situava-se na faixa entre US$ 120 mil e US$ 140 mil, equivalendo a cerca de R$588 mil a R$686 mil, aproximadamente.  

Esquema para recuperar as joias 

Segundo a PF, depois que o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou a existência das joias sauditas e determinou a entrega dos objetos à União, foi realizado um esquema para recuperar as joias vendidas nos Estados Unidos por Mauro Cid, em março deste ano.  

"Após ser desviado, de forma ilegal, do acervo privado do ex-presidente da República Jair Bolsonaro, em novembro de 2022, foi evadido do país, possivelmente, por meio do avião presidencial, no final do mês de dezembro de 2022, para os Estados Unidos da América. Em seguida, Mauro Cesar Cid e outras pessoas ainda não identificadas, encaminharam o material para a empresa Fortuna Auction em Nova York. No dia 8 de fevereiro de 2023, o kit foi submetido a leilão, mas não foi arrematado, não sendo vendido por circunstâncias alheias à vontade dos investigados", afirmou a PF.  

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"Posteriormente, após a tentativa frustrada de venda, e com a divulgação na imprensa da existência das referidas joias, Mauro Cid, Marcelo Camara e Osmar Crivelatti organizaram uma 'operação de resgate' dos bens, que foram encaminhados para a cidade de Orlando/FL, local onde residia o ex-presidente da República Jair Bolsonaro. Após decisão do TCU para que o kit fosse devolvido ao Estado brasileiro, os investigados internalizaram os bens, devolvendo-os na data de 24 de março de 2023 na agência da Caixa Econômica Federal, na cidade de Brasília/DF", diz trecho da investigação.  

Relógios  

Mauro Cid também vendeu um relógio Patek Philippe, em 13 de junho de 2022, que teria sido presentado por autoridades do Bahrein em 2021 e vendido a uma loja dos Estados Unidos no ano seguinte. "O relógio aquele outro kit lá vai, vai, vai pro dia sete de fevereiro, vai pra leilão. Aí vamos ver quanto que vão dar", disse Mauro Cid em mensagem enviada também a Marcelo Câmara. O objeto teria sido levado aos EUA em uma viagem em junho do ano passado, quando Bolsonaro participou da Cúpula das Américas.   

O relógio não aparece nos registros oficiais do Palácio do Planalto, conforme o relatório da PF. "Não foi identificado nenhum registro do relógio Patek Philippe (no acervo presidencial), fato que indica a possibilidade de o referido bem sequer ter passado pelo então Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, sendo desviado diretamente para a posse do ex-presidente Jair Bolsonaro", diz o relatório.  

No certificado de autenticidade do modelo, que foi recebido por Bolsonaro pelas mãos de Mauro Cid, o relógio é avaliado em aproximadamente US$ 51 mil (cerca de R$ 250 mil). A peça e outro relógio, da marca Rolex, um presente saudita, foram vendidos por Mauro Cid, em 13 de junho de 2022, em uma loja da Pensilvânia, nos Estados Unidos, por US$ 68 mil. A investigação da PF comprovou que Mauro Cid esteve na loja de relógios por meio de uma investigação no aplicativo Waze e pela conexão com o wi-fi do estabelecimento.  

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O valor de US$ 68 mil foi depositado na conta do general Mauro Cesar Lourena, cujos dados bancários foram enviados a Mauro Cid no dia anterior. "Os elementos de prova colhidos apontam que Mauro Cid, após se desligar da comitiva presidencial no dia 13 de junho de 2022, viajou de Miami até a cidade de Willow Grove, no estado Pensilvânia/EUA. Na cidade se dirigiu até a sede da loja Precision Watches e efetivou a venda do relógio Rolex Day-Date, que integrava o denominado 'kit Ouro Branco'". Esses itens foram presenteados ao Brasil pela Arábia Saudita.  

"Após efetivar a venda do referido relógio, juntamente com o relógio da marca Patek Philippe, o montante de US$ 68.000,00 foi depositado, no mesmo dia, na conta bancária de Mauro Cesar Lourena Cid, pai de Mauro Cesar Barbosa Cid", aponta a investigação.  

A recuperação do relógio Patek Philippe, após a determinação de devolução do TCU, contou com a participação de Frederick Wassef, que viajou a Pensilvânia (EUA) em março e recomprou o objeto.

Edição: Vivian Virissimo