“Estamos em um momento de mudanças profundas. Em que nossa região latino-americana e caribenha, de novo, enfrenta o grande dilema de dois projetos políticos”. Assim a cientista política peruana Mónica Bruckmann começou o painel que deu início, neste sábado (2), à Conferência Regional Dilemas da Humanidade, na comuna de Recoleta, região metropolitana de Santiago, no Chile.
“O da soberania, da possibilidade de pensar o futuro a partir das nossas próprias visões e projetos de desenvolvimento. E o da ameaça de movimentos de extrema-direita, profundamente violentos, retrógrados e reacionários”, introduziu Bruckmann.
Em sua visão, o planeta passa pelo maior reordenamento econômico desde a Segunda Guerra Mundial. “Nunca houve uma presença tão forte dos países do Sul na economia mundial. E neste momento estão em condições de não se submeter à dinâmica da acumulação do capital organizada pelo Norte”, afirmou Mónica Bruckmann, mencionando o aumento dos países que passarão a integrar o Brics.
Dilemas da Humanidade
Organizada pela Alba Movimentos e pela Assembleia Internacional dos Povos (AIP), essa é a etapa latino-americana e caribenha que, somada a outras conferências na África, Ásia, Europa e América do Norte, faz parte do processo preparatório para a III Conferência Internacional Dilemas da Humanidade. O evento mundial será em outubro em Joanesburgo, na África do Sul.
A conferência regional em Santiago segue até a próxima segunda-feira (4) e reúne cerca de 170 pessoas de movimentos populares, sindicatos e partidos políticos de 23 países. Entre eles, Brasil, Argentina, Colômbia, Trinidade e Tobago, São Vicente e Granadinas, Jamaica, Chile, Costa Rica, México, Panamá, Peru, Bolívia, El Salvador, Guatemala, Honduras, Cuba e Venezuela.
Por meio de atividades como debates, grupos de discussão e lançamento de livros, o evento tem como objetivo discutir os atuais desafios para a organização e as lutas emancipatórias dos povos e trocar sobre experiências socialistas concretas.
“Talvez tenhamos dado muito espaço a discursos conciliadores, de centro e que não tensionam, acreditando que isso pode permitir um acúmulo de forças. Mas a história mostra o contrário”, avalia Laura Capote, da secretaria da Alba Movimentos e da Marcha Patriótica da Colômbia.
“Estamos vivendo um momento em que neofascismos e novas direitas estão radicalizando. E nós, então, temos que estar à disposição da radicalização do nosso projeto, um projeto humanista, transformador, que supere a crise civilizatória em que estamos”, afirma Capote.
“Nossa América hoje”
“Recordemos Allende”, introduziu o escritor e sociólogo Héctor Béjar, também do Peru, no painel sobre a conjuntura política no continente. “Recordemos o estádio”, disse, já que a conferência acontece no marco dos 50 anos do golpe militar chileno. Foi ali, no Estádio Nacional do Chile, que a ditadura de Pinochet prendeu cerca de 40 mil pessoas e executou aproximadamente 400.
“Por volta dos anos 1970, o governo dos EUA e as oligarquias latino-americanas tentaram nos exterminar. E estamos aqui. Estão aqui os filhos, os netos. As novas gerações. E isso mostra que a política de extermínio fracassou. Nesse 11 de setembro celebraremos o fracasso da política de extermínio”, afirmou Béjar.
“Mas isso não significa que isso tenha terminado. Temos ainda algumas tarefas”, completou. O pensador peruano defendeu que não apenas sejam denunciadas as violências e torturas praticadas sistematicamente por forças de segurança estatais em todos os países da região, como sejam investigados os protocolos e os mandantes desta técnica. “É uma tarefa nossa descobrir e desarmar esse mundo”, argumentou.
Citando principalmente os governos progressistas e revolucionários do continente, Héctor Béjar listou o que considera agendas pendentes: o enfrentamento do racismo, as reformas agrária e urbana e a soberania alimentar.
“Temos que ter em conta as grandes mudanças sociais. A grande classe trabalhadora do século 19 foi substituída. Agora o proletariado mundial é composto por migrantes, exilados, refugiados, despejados e precarizados”, avaliou, citando entregadores que trabalham com delivery 12h por dia em cima de uma moto. “Temos que conversar e nos articular com esse gigantesco precariado. É um dos nossos grandes desafios”, constatou.
Edição: Raquel Setz