A Assembleia Internacional dos Povos (AIP), comitê que coordena organizações políticas e movimentos sociais nos cinco continentes do mundo, condenou o que chamou de "ofensiva imperialista" contra o Níger, país africano cujo presidente, Mohamed Bazoum, foi destituído em 26 de julho por um golpe de Estado capitaneado por uma junta militar.
Em nota na última terça-feira (8), a AIP criticou o ultimato imposto ao Níger pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao) e pelo governo francês. A Cedeao havia afirmado que, se o governo deposto não fosse restituído até o último domingo (6), "tomaria todas as medidas necessárias", que poderiam "incluir o uso da força".
"Há dois dias expirou o ultimato dado pelos líderes da Cedeao para lançar uma guerra contra o Níger. Na ausência de uma declaração oficial renunciando a essa opção, o povo do Níger é obrigado a se defender contra essa ofensiva imperialista", afirma a nota da AIP.
"O Níger e vários países da África vêm enfrentando há anos os efeitos da intervenção liderada pela Otan [Organização do Tratado dos Atlântico Norte — a aliança militar que reúne as potências ocidentais, da qual a França faz parte] na Líbia em 2011, que criou instabilidade regional e a disseminação de organizações terroristas em toda a África Ocidental. As intervenções militares organizadas com o suposto objetivo de garantir a paz e a democracia resultaram apenas em conflitos militares prolongados e perdas significativas de vidas", argumenta a Assembleia.
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Pró-Rússia, anti-Ocidente
Nos dias após o golpe de Estado, apoiadores do movimento golpista foram às ruas, transformando o país da África subsariana em palco de um disputa geopolítica entre Rússia e Ocidente. Durante os protestos de apoio, foi registrada a presença de bandeiras russas e de palavras de apoio a Moscou e ao presidente russo, Vladimir Putin. A crise também é marcada por um rechaço à França, que colonizou o país africano, e por uma narrativa anti-Ocidente em geral.
Antes do golpe, a União Europeia havia firmado acordo de suporte financeiro ao país para ações de segurança, que foi retirado após a tomada do poder. O interesse dos europeus na região é em parte explicado pela rota de emigração dos africanos para a Europa, que usam a maior cidade de Níger, Agadèz, com porta de entrada para o deserto, com o objetivo de chegar à Líbia e atravessar o Mediterrâneo rumo à Itália.
Segundo a ONG Oxfam, estimativas dão conta que entre 80 mil e 150 mil pessoas cruzaram a zona desértica do nordeste do Níger à caminho da Europa em 2015. A maior parte do emigrantes são homens jovens de Camarão, Senegal, Gâmbia e Guiné.
Para complicar o cenário, a Cedeao impôs sanções ao país, suspendendo "todas as transações comerciais e financeiras" entre os seus 15 Estados-membros e o Níger. Além disso, em comunicado, a Cedeao exigiu a "libertação imediata" do presidente deposto.
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Leia a íntegra da manifestação da Assembleia Internacional dos Povos:
"8 de agosto de 2023
A Assembleia Internacional dos Povos manifesta sua solidariedade com o povo do Níger na luta em defesa de sua soberania nacional e resistência à intervenção militar da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental - CEDEAO (em inglês: Economic Community of West African States, ECOWAS), da OTAN, da França e dos Estados Unidos da América.
Há dois dias expirou o ultimato dado pelos líderes da CEDEAO para lançar uma guerra contra o Níger. Na ausência de uma declaração oficial renunciando a essa opção, o povo do Níger é obrigado a se defender contra essa ofensiva imperialista.
O orgulhoso povo do Níger se reuniu aos milhares no estádio Seyni Kountché, em Niamey, para dizer não a essa agressão e defender com seus corpos a soberania e a dignidade de seu país. Os governos de Mali, Burkina Faso e Guiné disseram não a essa operação colonial orquestrada pela OTAN, com a conivência dos líderes da CEDEAO como seus instrumentos. Nós nos unimos a eles e aos movimentos populares da África Ocidental para afirmar que a intervenção militar só fomentaria o caos e a violência na região.
O Níger e vários países da África vêm enfrentando há anos os efeitos da intervenção liderada pela OTAN na Líbia em 2011, que criou instabilidade regional e a disseminação de organizações terroristas em toda a África Ocidental. As intervenções militares organizadas com o suposto objetivo de garantir a paz e a democracia resultaram apenas em conflitos militares prolongados e perdas significativas de vidas.
A derrubada do presidente Mohamed Bazoum no Níger segue-se às derrubadas dos governos da Guiné, Mali e Burkina Faso apoiadas pelo povo. Em todos esses casos, a população manifestou sua indignação contra as condições que são o resultado direto do domínio contínuo do neocolonialismo francês e da presença militar da França na região.
A CEDEAO tinha o objetivo de fortalecer a integração econômica, social e cultural regional dentro da estrutura de um pan-africanismo mais amplo. Nos últimos anos, os líderes da África Ocidental traíram seu povo e abandonaram essa causa histórica. O uso de organizações como a CEDEAO e a OTAN para defender os interesses das potências imperialistas e apoiar governos que são amplamente rejeitados pelo povo vai contra todos os princípios de democracia, paz e prosperidade. O nível de mobilização política contra o domínio neocolonial deve ser entendido como consequência da declaração de guerra da CEDEAO contra o Níger.
O povo do Níger tem o direito de buscar a paz e o desenvolvimento econômico para satisfazer suas necessidades materiais e sociais. As sanções e a intervenção militar apenas sabotarão a chance de desenvolvimento e levarão o país a mais perdas de vidas humanas.
Dessa forma, a Assembleia Internacional dos Povos está unida ao povo do Níger em suas reivindicações:
1. A cessação de todas as tentativas de intervenção militar por parte da CEDEAO, da OTAN ou da França.
2. O fim de todas as sanções contra o Níger.
3. A remoção imediata das bases militares estrangeiras do Níger e de outros países africanos.
Somos todos nigerianos!
#Francedégage
#NATOdégage"
Edição: Thalita Pires