O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), o coronel Mauro Cid, ficou em silêncio durante depoimento à CPI que investiga os atos de 8 de janeiro nesta terça-feira (11) por orientação de seus advogados. Ele foi convocado na condição de investigado e de testemunha, em casos diferentes.
A decisão se embasou na autorização dada pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao coronel para ficar silêncio diante de perguntas que possam incriminá-lo. A magistrada garantiu o “direito de não ser obrigado a produzir prova contra si, podendo manter-se em silêncio e não ser obrigado a responder a perguntas que possam incriminá-lo, sendo-lhe vedado faltar com a verdade quanto aos demais questionamentos não inseridos nem contidos nesta cláusula”.
Mauro Cid, no entanto, foi obrigado a comparecer à comissão, segundo o habeas corpus do STF. “Concedo parcialmente a ordem, apenas para assegurar ao paciente [Cid], que tem o dever de comparecimento perante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para a qual foi convocado, que, ao ser inquirido pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito ‘CPMI — 8 de janeiro’, seja respeitado a) o direito de ser assistido por seu advogado e com ele se comunicar pessoal e reservadamente”, disse a ministra na decisão.
Os integrantes da comissão esperavam explicações sobre as trocas de mensagens descobertas em seu celular, as quais sugerem a possibilidade de um golpe de Estado após as eleições presidenciais do ano passado, que resultaram na vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Além das conversas entre oficiais do Exército e reservistas sobre o envolvimento das Forças Armadas diante do resultado eleitoral, a Polícia Federal (PF) também encontrou a minuta de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que poderia servir de base para um golpe.
O celular de Mauro Cid foi apreendido durante a Operação Venire, que investiga a inserção fraudulenta de doses de vacina contra a covid-19 em carteiras de vacinação nos sistemas do Ministério da Saúde, incluindo os registros de imunização de Bolsonaro e seus familiares. Mauro Cid encontra-se preso sob acusação de supostamente articular esse esquema.
Entre as mensagens encontradas, um dos interlocutores de Mauro Cid foi identificado como coronel do Exército, Jean Lawand Junior. “Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele [Bolsonaro] dê a ordem que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprir, (sic) o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses caras não cumprir a ordem do, do Comandante Supremo. Como é que eu vou aceitar uma ordem de um General, que não recebeu, que não aceitou a ordem do Comandante. Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer", disse Lawand em um dos áudios enviados a Mauro Cid, em 30 de novembro de 2022, segundo transcrição da PF.
CPMI do 8 de janeiro: Lawand escorrega e não consegue se desvencilhar de incitação ao golpe
Em outro momento, Lawand afirma: “Meu amigo, na saída do QG encontro bom o ROSTY, SCmt COTER. Foi uma conversa longa, mas para resumir, se o EB [Exército Brasileiro] receber a ordem, cumpre prontamente. De moto próprio o EB nada vai fazer porque será visto como golpe. Então, está nas mãos do PR [presidente]”.
De acordo com apuração da PF, o nome ROSTY pode estar relacionado ao General de Divisão, Subcomandante de Operações Terrestres do Comando de Operações Terrestres do Exército Brasileiro, Edson Skora Rosty.
Algumas semanas antes, em 13 de novembro de 2022, o sargento do Exército Luis Marcos Dos Reis, que esteve nos atos golpistas em 8 de janeiro, afirmou que “é mais fácil” ele ajudar as manifestações de bolsonaristas que estavam ocorrendo em frente ao quartel-general do Exército de Goiânia “do que tirar [os caras] de lá”.
Dos Reis também compartilhou, no dia dos atos golpistas, “diversas filmagens das manifestações na esplanada dos ministérios juntamente com sua esposa e um de seus filhos. Além de realizar as filmagens, ele realizou o compartilhamento com alguns contatos de seu telefone. A seguir serão expostas algumas imagens extraídas dos vídeos gravados e as conversas em que esse conteúdo foi compartilhado”, afirma a PF em laudo.
As conversas se somam a um grupo no aplicativo WhatsApp formado por militares da ativa, onde se fala em ruptura institucional, necessidade de ação por parte das Forças Armadas, “globalismo socialista” e guerra.
Também foi encontrada uma tese sobre a utilização do artigo 142 da Constituição, que permitiria uma intervenção das Forças Armadas em caso de conflito entre os Três Poderes, escrita pelo advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie Ives Gandra Martins.
A PF incluiu também uma espécie de backup no qual Cid reuniu as possibilidades legais para realizar um golpe supostamente dentro da constitucionalidade. Entre os documentos, um deles diz que um juiz "não pode aplicar a lei de forma injusta, ou seja, contra a Constituição, em especial de modo contrário ao Princípio da Moralidade Institucional [...] Do contrário, teremos uma atuação ilegítima".
Outras investigações
Além da investigação relacionada às mensagens e ao esquema de fraude em cartões de vacinação, Mauro Cid também está sendo investigado em um inquérito que apura o caso das joias da Arábia Saudita que foram presenteadas à presidência da República, mas que foram trazidas ilegalmente para o Brasil e incorporadas ao acervo pessoal de Bolsonaro durante o seu mandato. De acordo com a Polícia Federal, Cid teria tentado recuperar as joias que foram apreendidas pela Receita Federal no Aeroporto Internacional de Brasília.
Edição: Leandro Melito