Depois da tempestade, a reconstrução. Esse é o mote da edição de inverno da Feria de Biodiversidade e Economia Solidária que está prevista para o dia 9 de setembro próximo em Maquiné, pequeno município localizado no Litoral Norte gaúcho e que esteve entre os mais prejudicados pelo ciclone extratropical que atingiu o RS em junho passado. Retomar, fortalecer e fazer crescer o evento é o desafio que o coletivo de feirantes que está a frente da atividade se propõe. “Rebrotar!”
:: Escola Popular de Agroecologia comemora dez anos e inaugura novas estruturas ::
A feira, realizada a cada estação, se constrói em sistema de autogestão, “sem chefe”, como explica Sarita Klassmann Moraes, feirante e representante da comissão de infraestrutura, que falou para a reportagem do Brasil de Fato. “Teremos alimentos agroecológicos, mudas, sementes, bioconstrução, cerveja artesanal, biocosméticos, artesanatos, atividades culturais e muito mais”, aponta, com voz empolgada e sorriso aberto, característica que os visitantes encontrarão em cada participante do evento.
Fazem parte da feira iniciativas de pequenos produtores agroecológicos, artistas populares e artesãos, movimentos sociais, organizações populares, coletivos culturais bem como segmentos representativos da diversidade étnica que compõe a localidade e região, como povos originários e comunidades tradicionais. Sarita cita como destaque os povos Guarani Mbya que estão em três territórios em Maquiné com cerca de 500 indivíduos e também tem participação garantida no espaço.
Organização coletiva e busca de autonomia
A autogestão é um aspecto que fica em evidência quando se conhece a experiência da Feira de Biodiversidade e Economia Solidária. Tudo o que é discutido e pautado internamente nas comissões é levado pelos representantes aos grupos setoriais, multiplicando dentro das demais comissões, circulando as informações e construindo uma decisão conjunta através do grande grupo.
“As bancas são formadas por grupos e não por indivíduos, em todas as edições buscamos fazer uma arrecadação, em que os feirantes destinam espontaneamente uma doação de 5%. Com esse recurso vamos montando um caixinha, o volume de vendas não é muito grande, mas vai dando para construir alguma autonomia para despesas pontuais da feira”, explica Sarita, que faz parte do grupo Balaio Agroecológico Maquiné e produz pizzas agroecológicas.
Histórico de resistência
A feira teve início em 2009, voltada à biodiversidade, quando era organizada pela ANAMA (Ação Nascente Maquiné) e tendo entre os parceiros o CONEMA (Conselho Municipal do Meio Ambiente) e a Prefeitura Municipal, tendo periodicidade anual. O evento – assim como aconteceu com outros assemelhados Brasil afora – foi fragilizado no período em que o país foi governado pela extrema direita e acabou tendo suas atividades totalmente suspensas no período da pandemia. O retorno se deu a partir de 2021, já sendo realizado em formato autogestionário, com o protagonismo dos próprios feirantes na organização, incluindo também os princípios e as atividades da Economia Solidária e propondo periodicidade trimestral, em consonância com as estações do ano.
Um novo revés aconteceu em junho passado, quando um ciclone extratropical de forte intensidade atingiu o RS e de forma muito severa o município de Maquiné, induzindo a alagamentos e destelhamentos, danos à infraestrutura, destruindo a produção da agricultura e deixando centenas de pessoas desabrigadas. No melhor espírito do “ninguém solta a mão de ninguém” a solidariedade ativa foi colocada em movimento e assim como o município está iniciando sua reconstrução, a feira também se desafiou reconstruir, ou melhor, “brotar novamente a partir das suas próprias raízes”.
As marcas do ciclone ainda são sentidas
A destruição deixada pelo ciclone ainda é sentida pelos habitantes de Maquiné. Sarita explica que embora o espaço urbano seja pequeno, o território rural é imenso, contando com muitos braços de rio entre os vales. “Há muitas áreas de preservação, Mata Atlântica, estamos à margem da reserva da Serra Geral, espalhados neste espaço.” Como as estradas, pontes e pontilhões ainda não estão recuperadas, está sendo um desafio de resistência realizar a mobilização para a feira.
:: Por que agricultores e pesquisadores defendem que agroecologia pode sanar a fome no Brasil ::
Chegou a ser discutida a possibilidade de cancelamento da edição de inverno, o que logo foi descartado. A escolha por manter a data – que estava posta antes da ocorrência do ciclone – foi debatida, mas prevaleceu a posição de resistir. “A gente até pegou esse tema, porque é época de rebrotar a natureza e o povo também está rebrotando nessa edição de final de inverno”, conta.
Uma feira de muitas caras e muitas cores
Que motivação as pessoas de fora do município e da região têm para se deslocar e participar do evento? “A feira é um momento de troca, de convivência e de partilha muito agradável, se torna uma atmosfera diferente, como se a gente pudesse vislumbrar um novo mundo, um outro tipo de relações, não só comerciais mas relações humanas como um todo”, aponta Sarita.
Para ela, quem decidir se deslocar até Maquiné terá “uma oportunidade de vivência", pois o município tem "uma preservação ímpar, muito representativa visto o pouco que se tem de mata Atlântica ainda no país”. Sarita destaca ainda a oportunidade de visitação a inúmeros espaços de natureza farta, cachoeiras e pousadas bastante características para a acolhida dos visitantes.
“A feira não é só uma experiência de comercialização e consumo, as bancas são diversas, cada uma tem uma particularidade, é muito mais do que ter acesso a produtos, a questão da arte e da cultura é muito fomentada, temos um palco com apresentações e intervenções artísticas durante todo o dia”, conta. Embora, segundo ela, a feira em si não seja muito grande e o visitante passe por todas as bancas rapidamente, as pessoas ficam no espaço durante todo o dia aproveitando as apresentações e a convivência.
Motivação para a feira de inverno
Como o evento não tem fins lucrativos , os organizadores estão pedindo uma contribuição pessoal não-obrigatória para ajudar a custear as despesas dos artistas que virão de outras cidades para se apresentar ali, bem como o deslocamento das comunidades indígenas que vão participar. “Qualquer valor é bem vindo e ajuda a garantir mais um dia especial de partilhas, apresentações e música boa pra aquecer nossos corações!”, expressa a mensagem que está sendo compartilhada nas redes sociais. O pix para enviar a doação é 098.090.099-92 (chave em nome de Natália Carolina Otto Tszesnioski).
A organização acontece de forma autônoma e coletiva e conta com o apoio da Prefeitura Municipal, Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento e Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Comunicação. “Venha celebrar conosco este encontro, com muita arte, boa comida, diversidade de culturas e todo o fortalecimento comum que a economia solidária nos traz”, motiva Sarita em sua mensagem final. Ou inicial, para aqueles e aquelas que depois de ler essa matéria vão colocar uma visita a Maquiné no seu roteiro de setembro.
Serviço para participantes e feirantes:
Para quem quiser visitar a feira e participar das atividades não é preciso inscrição prévia nem há qualquer tipo de cobrança pelo acesso.
O ponto de encontro para a celebração popular é a praça Atílio Mansan, no centro da cidade, iniciando as 8h da manha e se estendendo até o fim da tarde, as 17h.
Já para quem se interessar em colocar uma banca, aí é preciso preencher um formulário até o dia 28/08, no link https://forms.gle/vW9SfwewtXAjdC7C9 . Vale lembrar que as bancas não devem ser propostas por iniciativas individuais e sim coletivas.
Para conhecer mais sobre a feira e ver imagens das edições anteriores, basta acessar o Instagram: www.instagram.com/feiradabiodiversidade_maquine
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira