O mês de agosto é marcado por uma importante campanha de conscientização: o Agosto Lilás, ação voltada para a promoção dos direitos das mulheres. A iniciativa busca combater a violência de gênero e ressaltar políticas de promoção da igualdade. Por meio de ações educativas, eventos e mobilizações, o Agosto Lilás busca chamar a atenção para os desafios enfrentados pelas mulheres no combate à violência.
Durante todo o mês, diversas instituições e organizações se unem para reforçar a luta pelos direitos das mulheres e para amplificar suas vozes contra qualquer forma de violência e discriminação. Por isso, o Brasil de Fato Pernambuco conversou com Carmem Silva, do SOS Corpo – Instituto Feminista para Democracia, sobre os desafios do fortalecimento da rede de assistência às mulheres vítimas de violência em Pernambuco. Confira:
Brasil de Fato Pernambuco: Carmem, recentemente o STF considerou por unanimidade que a tese de legítima defesa da honra é inconstitucional. Qual é a importância e o impacto dessa decisão?
Carmem Silva: A importância é muito grande. Essa é uma luta antiga dos movimentos feministas no final da década de 70 e 80, quando estavam acontecendo muitos assassinatos de mulheres o movimento feminista se organizou. Uma das críticas fundamentais aos julgamentos que aconteceram nesses casos era exatamente o uso da legítima defesa da honra, como tese que inocentou os assassinos.
Desde esse tempo, o movimento protesta exige do sistema judiciário brasileiro uma posição que revogue a possibilidade de uso dessa tese. Então a gente vê com muitos bons olhos essa decisão do STF e já chegou tarde.
Em 2022 o Agosto Lilás, que foi criado em referência à Lei Maria da Penha virou uma lei federal e determinou que estados e municípios devem promover ações de conscientização. Quais os avanços trazidos pela lei Maria da Penha para a vida das mulheres?
O Agosto Lilás é uma campanha governamental. Os governos gostam dessa ideia de escolher meses para explicar para a sociedade um determinado elemento de uma política pública. Infelizmente isso não significa que executem e implementem esta política pública. Esse é um problema que ocorre durante o ano inteiro.
A Lei Maria da Penha foi muito importante e continua sendo para que os crimes contra as mulheres no ambiente doméstico, praticado majoritariamente por parceiros íntimos ou familiares sejam tomados como crimes verdadeiramente, e não como algo que tem um menor teor ofensivo. Ela foi importante, todavia os dados demonstram que ela é insuficiente.
Ela não conseguiu, ainda, reduzir significativamente para todas as mulheres os índices de violência, isso porque os recursos são gastos com campanhas, feito essa, o Agosto Lilás, mas não é gasto com implementação de delegacias especializadas aberta 24 horas, com casas abrigo, com políticas de geração de renda e de trabalho para as mulheres para que elas possam sair do ciclo de violência, com atendimento de saúde, com serviços de atendimento psicológico, como são os Centros de Referência e de Atendimento Legal. Então, é em função desse tipo de prática governamental que a lei é importante, mas ainda é insuficiente mesmo sem ser implementada.
Mesmo com a Lei Maria da Penha, o Brasil é o quinto país do mundo mais violento para as mulheres viverem. A gente gostaria de entender por quê essa violência ainda é tão urgente?
Não é impressionante? A gente é um país que tem uma legislação específica de proteção aos crimes contra as mulheres, que é a Lei Maria da Penha, e seguimos sendo um dos países mais violentos. E aí vale registrar que segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no que diz respeito às mulheres brancas, reduziu-se o índice de feminicídio, mas no que diz respeito às mulheres negras aumentou.
O que ocorre é que a gente vive uma estrutura de desigualdade de gênero e de raça muito grande no nosso país e poucas políticas afirmativas para superação. Mesmo no caso onde existem essas políticas, por exemplo, no caso da violência e a existência da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher essa estrutura de desigualdade é tão forte que há um tratamento desigual. As mulheres negras são muitas vezes levadas a não registrar ocorrência, a não exigir que a intervenção policial quando elas estão sofrendo violência por parceiros íntimos.
Além de que, nós, mulheres em geral, e as mulheres negras em particular, somos o grupo social que tem a menor chance de entrar no mercado de trabalho e quando entramos são nas piores colocações, moramos nos piores lugares. Então tudo isso faz com que a possibilidade de resistência à violência e de denúncia sejam reduzidas e hoje o Brasil segue com esses índices alarmantes de violência contra as mulheres em geral e também de feminicídio, lesbocídio e transfeminicídio. Pernambuco tá sendo notabilizando pelo crescimento de transfeminicídio, de assassinato de mulheres trans pelo simples fato delas serem mulheres se colocarem no mundo com mulheres, isso é alarmante.
Para além do Agosto Lilás, que outras ações precisam ser feitas no enfrentamento as várias violências sofridas pelas mulheres?
O governo tá com uma política de implantação da Casa da Mulher Brasileira, é uma política que unifica todos os serviços, não só espaço físico. A gente do movimento acha que ótimo que exista, mas isso precisa ser implementado com força em pelo menos todas as cidades polos de cada região dos estados, e não apenas nas capitais.
A nossa defesa é fundamentalmente por uma rede de assistência às mulheres vítimas de violência para que a gente possa denunciar, ser acolhida nessa denúncia com serviço de assistência social, psicológica, mas também com atenção jurídica para que as mulheres possam levar as questões adiante.
Além dos centros de centro de referência, ter casas abrigo para que se você precise sair da situação, você tem abrigamento com programas de proteção à vida, de acolhimento das crianças, de geração de trabalho e renda porque é muito difícil sair do ciclo de violência se você não tem apoio psicológico, mas também não tem recurso financeiro para se sustentar.
Então essas políticas precisam ser implementadas não apenas nas capitais, elas precisam ir para todos os municípios ou no mínimo ter um grau de centralidade nas regiões dos estados, nas principais cidades. Para onde seja mais fácil as mulheres do interior recorrerem sem ter que vir à capital e não ser atendida, porque os serviços municipais não atendem as demandas de outros municípios, então é uma responsabilidade do Governo do Estado a gente aqui em Pernambuco está com o movimento forte cobrando do governo Raquel Lira e achamos que também é responsabilidade governo federal e dos governos municipais.
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Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga