O sargento Luís Marcos dos Reis, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), assumiu que participou dos atos golpistas em 8 de janeiro deste ano, que culminaram na invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes em Brasília. O militar também confirmou que foi até o acampamento bolsonarista em frente quartel-general do Exército cerca de dois meses antes da manifestação criminosa.
Reis, no entanto, negou um alinhamento ao golpismo defendido por bolsonaristas, a despeito das ocorrências citadas e de mensagens de cunho golpista enviadas ao também ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid. “Fui lá depois de um almoço um dia. Não sabia que era proibido ir. Fui para ver qual que era”, disse Reis sobre a sua presença no acampamento, em depoimento aos parlamentares da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que investiga os atos referentes a 8 de janeiro, nesta quinta-feira (24).
Reis, entretanto, demonstrou apoio aos bolsonaristas que estavam acampados em mensagens enviadas a Mauro Cid. Em 13 de novembro de 2022, o sargento do Exército Luis Marcos Dos Reis afirmou que seria "mais fácil” ele ajudar as manifestações de bolsonaristas que estavam ocorrendo em frente ao quartel-general do Exército “do que tirar [os caras] de lá”.
Sobre o 8 de janeiro, Reis afirmou que chegou no local por volta das 17h horas, desceu a Esplanada dos Ministérios, fez algumas fotos e gravações e voltou para casa. O sargento também compartilhou “diversas filmagens das manifestações na Esplanada dos Ministérios juntamente com sua esposa e um de seus filhos”, segundo o relatório da PF acerca da perícia realizada no celular de Mauro Cid.
:: PF encontra documentos golpistas em celular de Mauro Cid, ex-ajudante de Bolsonaro ::
A Polícia Federal também encontrou nas mensagens trocadas entre ambos a minuta de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que poderia embasar um golpe de Estado. A GLO é um instrumento jurídico que permite ao presidente da República convocar as Forças Armadas em momentos de perturbação da ordem pública.
No despacho que autorizou o depoimento de Cid à PF com relação a este caso, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes declara que o material aborda "a possibilidade de empregar as Forças Armadas excepcionalmente, com o objetivo de assegurar o funcionamento autônomo e harmônico dos poderes da União". Em outras mensagens, Mauro Cid e Reis conversam sobre persuadir autoridades do Exército e a colaborarem com a GLO.
Ambos foram presos durante a operação que apura fraudes em cartões de vacinação, como o do ex-presidente Jair Bolsonaro. Foi a partir desta operação que a PF passou a investigar a suposta participação dos envolvidos em uma preparação para um golpe de Estado. Sobre o suposto esquema de fraude em cartões de vacinação, Reis ficou em silêncio quando questionado pelos parlamentares. Ele estava munido de um habeas corpus que lhe permitiu não responder às perguntas que possam incriminá-lo.
Movimentações financeiras atípicas
Reis também é suspeito de pagar contas da ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, com dinheiro vivo proveniente da empresa de materiais de construção, a Cedro Líbano Comércio de Madeira e Materiais de Construção, que mantinha contratos com o governo Bolsonaro.
De acordo com a CPMI, Reis recebeu pelo menos R$ 18 mil da empresa. O sargento confirmou que solicitou o dinheiro ao proprietário da companhia, Vanderlei Barros, a quem se refere como “amigo”. Ele não soube explicar, no entanto, o motivo das transferências.
Além dos valores recebidos pela Cedro do Líbano, o sargento movimentou cerca de R$ 3,34 milhões em suas contas, entre 1º fevereiro do ano passado e 8 de maio deste ano. Para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), trata-se de movimentações atípicas, já que seu salário mensal beira os R$ 13 mil, contando os penduricalhos. Reis argumentou que os valores altos se referem a um suposto “consórcio” feito frequentemente entre amigos nos quartéis em que esteve presente.
Parte deste montante, R$ 70 mil e de R$ 11,7 mil, foram enviados para Mauro Cid decorrentes da venda de um veículo Toyota Yaris e, posteriormente, para o conserto do veículo, respectivamente.
:: O que se sabe até aqui sobre a operação da PF contra Bolsonaro e aliados? ::
“Chama atenção a aparente incompatibilidade entre o porte/estrutura vis a vis e o volume transacionado a crédito no período analisado, o que supostamente pode demonstrar que o cliente esteja utilizando a conta para transacionar recursos provenientes de atividades não declaradas”, diz um trecho do relatório do Coaf utilizado pela CPMI.
Um relatório da PF vai no mesmo sentido. “Identificou-se algumas transações entre as contas da empresa Cedro do Líbano, ou pessoas vinculadas a ela direta ou indiretamente com Luis Marcos do Reis, lotado à época dos fatos na Ajudância de Ordens da Presidência da República.”
A empresa Cedro Líbano, fundada em 2008 e com sede em Goiânia, foi beneficiária de pagamentos no montante de R$ 299 mil provenientes do governo federal entre 2020 e 2022. Dessa quantia total, um valor de R$ 188 mil foi destinado pela estatal Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf).
Segundo a empresa pública, os bens adquiridos pela foram entregues de acordo com especificações estabelecidas em edital de pregão eletrônico, do tipo menor preço. A companhia destaca ainda que desconhece relações eventualmente existentes entre sócios ou familiares de sócios de empresas fornecedoras e terceiros.
A reportagem entrou em contato por telefone com a madeireira Cedro do Líbano, mas a empresa não se posicionou.
Edição: Geisa Marques