A poetisa e vereadora do Recife pelo PCdoB, Cida Pedrosa alcançou um marco ao se tornar a primeira autora pernambucana a conquistar o Prêmio APCA - concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. A premiação existe desde 1956 e é reconhecida como uma das mais influentes no cenário cultural brasileiro.
Cida recebeu a honraria por sua obra intitulada "Araras Vermelhas" (Publicado pela Companhia das Letras em 2022). O livro, eleito e selecionado como o destaque na categoria Melhor Livro de Poesia de 2022, é um poema que relata a narrativa da Guerrilha do Araguaia, movimento de resistência à Ditadura Militar, organizado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) ao longo das décadas de 1960 e 70. Cida conversou com Brasil de Fato Pernambuco sobre a premiação e a potência da literatura feita por mulheres nordestinas. Confira:
Brasil de Fato: Cida, você é poetisa, mas você também tem uma forte atuação política. Como a literatura e a poesia se misturam na sua vida?
Cida Pedrosa: Eu sou militante da cultura desde muito jovenzinha, desde os 14 anos. Eu fiz parte do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco, que era o movimento que tirava a literatura de dentro dos escritórios, daquilo que a gente chama de Castelo de Marfim, e lutava para literatura ir para a rua, ou seja, para que a literatura se popularizasse, chegasse junto ao povo.
Então, a gente recitava por exemplo, todos os sábados a partir das 10h da manhã em plena Rua Sete de Setembro, em um momento histórico ali em 1979 que tinha acabado de acontecer a Anistia, os presos políticos estavam saindo do cárcere, tinha toda uma luta pela redemocratização e a gente linkava esse exercício literário ao exercício política. A minha militância literária e a minha militância política já nasceram juntas e eu costumo dizer que minha literatura tem função social.
Eu não consigo escrever por puro diletantismo, se for para escrever só porque eu acho bacana, por conta de ego, porque é bonito, eu desisto, porque escrever é difícil. Escrever é complicado, é um trabalho danado, escrever lhe exaure emocionalmente. Então, eu faço porque eu tenho o dom, porque eu acredito na palavra. Mas eu acredito na palavra como instrumento de luta, de exercício de estar no mundo. Essas coisas andam juntas para mim, não tem mais uma separação.
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No dia 17 de julho você recebeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, o APCA, que é considerado um dos mais importantes prêmios para a cultura no país. A premiação veio pelo seu mais recente livro, Araras Vermelhas e você também é a primeira escritora pernambucana a receber esse prêmio. Como tem sido a repercussão dessa premiação?
Eu tenho sempre pensado na premiação com o espaço de representação. E ser uma mulher pernambucana, nordestina e ser a primeira escritora mulher a ganhar isso para mim carrega o intuito de representação muito grande, porque a gente sabe que a gente no nordeste fica fazendo uma luta cultural contra hegemônica, porque tem um hegemonia ali do eixo Rio-São Paulo no máximo, Rio Grande do Sul e Paraná que se junta ali Sudeste-Sul como se fosse a representação da cultura nacional e não é isso.
Então quando você vai uma a uma premiação de uma associação de críticos de São Paulo e você leva o prêmio de literatura de poesia, na minha cabeça, eu tô ocupando um espaço de representação. Claro que isso para mim, para minha literatura. Faz muito bem para minha carreira literária, mas para além do reconhecimento pessoal que é muito importante para o artista, essa coisa de reconhecer que está representando uma região, que representa mulheres, de que se pode furar essa bolha, isso pra mim é muito importante.
A gente falou sobre política e literatura e o seu novo livro, Araras Vermelhas, é justamente sobre essa aliança, não é? Conta pra gente sobre o livro.
Escrevo no Araras um longo poema sobre a Guerrilha do Araguaia, um movimento armado de confronto, de enfrentamento à ditadura militar de 1964 que se deu ali em Belém, no que é hoje o estado de Tocantins e do Maranhão, na região do Rio Araguaia. O que é que acontece, nós tínhamos uma perseguição violenta das forças ditatoriais que estavam no poder em 1964 que jogou para clandestinidade os comunistas. E aí muitos comunistas que estavam na clandestinidade resolveram, sob o comando do PCdoB, irem para o Araguaia, para iniciar uma revolução armada, só que a guerrilha foi descoberta antes de iniciar e o que se deu foi um verdadeiro massacre pelas forças militares.
E não só torturaram, mataram, exterminaram, como desapareceram com 65 militantes do PCdoB. Mais de 100 pessoas que estavam na guerrilha, fora o número de camponeses e indígenas que participaram, que foram presos, mais de mil camponeses foram presos e torturados e a gente não tem registro dessa história. O meu livro é sobre isso.
Em um longo poema eu narro essa jornada que acontece lá em cinco cantos. Eu sempre abro os cantos contando um pouco do que acontecia naquele ano no mundo, eu situo a guerrilha no mundo, pego alguns guerrilheiros e guerreiras emblemáticos, e faço não uma homenagem, mas uma reflexão política poética sobre isso que a gente não pode esquecer.
Para encerrar, como você vê a questão da valorização da literatura produzida no Nordeste diante dessas premiações de âmbito nacional?
Primeiro eu queria que independente de prêmios, nós temos uma literatura potente demais. Eu vou pegar Pernambuco, vamos pegar as mulheres negras que escrevem em Pernambuco, nós temos Odailta Alves, Bell Puã, que por exemplo, quando eu fui Prêmio Jabuti, nós ficamos juntas na finalíssima. Eu dizia, inclusive, "a que ganhar está valendo, porque Pernambuco vai estar lá". Nós temos Bione fazendo rap, que é uma coisa completamente inovadora, nós temos Fabiana Leite que é uma mulher negra que escreve literatura negra para crianças, nós temos uma literatura de uma potência... Tô falando de Pernambuco, tá? [risos] desculpa eu estar sendo bairrista
Se pegar em nível de Nordeste, nós temos a Cidinha na Bahia, nós temos a Jarid Arraes em Fortaleza, nós temos uma mulher que eu amo a escrita dela, que é a Calila das Mercês, anotem esse nome. Essa moça é baiana e acaba este ano de assumir a cátedra Maria Firmina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela e a nossa Conceição Evaristo que assumiram a Cátedra. Ela estuda mulheres negras na literatura e ela tem um livro novo lindo, então assim, nós temos muitas mulheres. Se a gente pensar aqui no cordel de Susana Moraes, no cordel de Mariane Bigio, então assim, nós somos uma potência.
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Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga