Discurso de ódio

O dia em que o Conselho de Ética legitimou o crime de transfobia na Câmara dos Deputados

Transfobia é uma violência política de gênero que precisa ser urgentemente combatida na Câmara

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Processo contra parlamentar por fala transfóbica foi arquivado no Conselho de Ética - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

No dia 9 de agosto, acompanhamos a sessão de apreciação dos pareceres preliminares dos deputados e deputadas acusados por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Câmara Federal. Nesta fase, o que está em jogo é o Conselho aceitar ou não os processos em pauta com base na votação sobre o parecer do relator ou relatora de cada caso. A ocasião acabou legitimando o show de transfobia de Nikolas Ferreira (PL/MG) no 8 de março, ao rejeitar a admissibilidade de seu caso.

A argumentação do relator Alexandre Leite (União/SP) foi desfavorável ao deputado, reconhecendo a transfobia e o desrespeito à população LGBTQIA+. Entretanto, ao final, em surpresa dos que estavam ali presentes, votou pela rejeição do processo, jogando toda sua argumentação no lixo, como pontuou o deputado Chico Alencar (PSOL/RJ). A grande maioria dos membros do Conselho presentes foram favoráveis ao parecer do relator, 12 votos contra cinco. O processo será arquivado. Os deputados bolsonaristas aplaudiam e havia até gritos de “Glória a Deus”.

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O caso de Carla Zambelli (PL/SP) também seguiu o mesmo fluxo, foi rejeitado pelo Conselho em sua maioria, 15 votos contra 4. Chico Alencar destacou que pelo menos a deputada reiteradamente pediu desculpas, totalmente diferente do caso do Nikolas que a todo tempo se defendeu com base na "liberdade de expressão" e nem ao menos mencionou as deputadas ofendidas.

A transfobia é uma violência política de gênero que precisa ser urgentemente combatida na Câmara, em defesa de toda a comunidade trans que sofre sistematicamente violências por razões de gênero e raça, como também das deputadas Erika Hilton (PSOL/SP), e Duda Salabert (PDT/MG), representantes trans que pela primeira vez na história da Casa Legislativa foram eleitas.

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Apesar da decisão no Parlamento, houve vitória na justiça por meio da ação movida pela Aliança Nacional LGBTI e Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas contra o Nikolas na ocasião. No dia 8 de agosto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal determinou, em decisão liminar, a remoção de postagens das redes sociais do parlamentar com conteúdo discriminatório à população LGTBQIA+. "Na decisão, a magistrada explica que os direitos à livre manifestação do pensamento e de liberdade expressão não são absolutos e que sua finalidade é permitir a construção da democracia, por meio do debate de ideias diferentes. Contudo, é possível restringi-los, quando são utilizados para praticar ou incitar conduta criminosa ou para difundir o ódio", diz a nota do TJDFT.

O combate a esse tipo de discurso também deve ser um compromisso dos feminismos. Sabemos que o tema ainda pode ser um desafio para algumas pessoas engajadas nas lutas em defesa das mulheres, como certos tipos de feminismo ditos radicais, por todo o giro que a questão proporciona no entendimento das questões de gênero. Entretanto, essa mudança no vocabulário, nos conceitos e nas formas de existência vai na direção da inclusão de mais lutas por reconhecimento e de sujeitos políticos que não devem ser vistos como uma ameaça à causa, e, sim, como pessoas aliadas no combate ao patriarcado cis-heteronormativo, ao racismo, à exploração capitalista e demais opressões.

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Os resultados das votações tão discrepantes no Conselho de Ética mostram a presença fortalecida do campo da extrema direita, que tem se articulado em uma espécie de acordo para livrar seus parlamentares.

Precisamos seguir atentas nas articulações dentro desse órgão que deveria agir em prol do respeito da diversidade humana existente dentro e fora do Congresso e não na legitimação de discursos nefastos com base numa “liberdade” localizada no privilégio social.

#ElasFicam

Nesta sessão estavam previstas também as apreciações dos processos de Carla Zambelli, Marcio Jerry (PCdoB-MA), Nikolas Ferreira, José Medeiros (PL/MT), Eduardo Bolsonaro (PL/SP), Juliana Cardoso (PT/SP), Talíria Petrone (PSOL/RJ), Célia Xakriabá (PSOL/MG), Fernanda Melchionna (PSOL/RS). Dado o tempo de apreciação dos primeiros processos na pauta, os processos contra as deputadas feministas não foram avaliados. Os processos de Sâmia Bonfim (PSOL/SP) e Erika Kokay (PT/DF) não entraram em pauta.

Tratando-se dos relatores de cada um dos casos das deputadas, o cenário não é promissor.

O relator do processo de Juliana Cardoso é o deputado Gabriel Mota (Republicanos-RR); o de Talíria Petrone é Rafael Simões (União-MG); o de Célia Xakriabá é Paulo Magalhães (PSD-BA); e o de Fernanda Melchionna é o deputado Alex Manente (Cidadania-SP). Com exceção de Manente, que esteve ausente no dia de votação do Marco Temporal, todos votaram a favor do projeto, logo a carapuça de “assassinos” proferida pelas deputadas nessa ocasião – e que, inclusive, foi motivo pelo qual o PL entrou com representação no Conselho de Ética contra elas – pode servir justamente àqueles que estão analisando seus casos.


 Campanha #ElasFicam segue fortalecida em combate à violência política por razões de gênero e raça. / Matheus Carvalho/PSOL

As parlamentares que estão sendo atacadas têm mandatos populares, construídos na luta contra o patriarcado, o brancocentrismo, a LGBTQIA+fobia e a exploração capitalista. Os relatores dos processos, muito pelo contrário, convenientemente se omitem frente às desigualdades de gênero. Um deles, Gabriel Mota, relator do processo contra a deputada Juliana Cardoso, entrou como suplente no lugar de Jhonatan de Jesus, que fez sua campanha atacando as pautas das mulheres, das populações LGBTQIA+ e defendendo o armamento individual.

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Em resistência, a Campanha #ElasFicam segue fortalecida em combate à violência política por razões de gênero e raça. E vem transbordando os limites do Congresso, abarcando também mulheres que estão nos governos e câmaras estaduais, assembleias, prefeituras e para além dos limites institucionais, como lideranças locais. Caso saiba de algum caso, registre aqui na Plataforma para Denúncia de Violência Política de Gênero e Raça.

Que elas não apenas fiquem, mas sejam respeitadas em seu tempo de fala, decisões políticas, posicionamentos e lutas pelos direitos das mulheres.

*Clara Wardi é assessora técnica do CFEMEA - Centro Feminista de Estudos e Assessoria.

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino