Organizações não governamentais que atuam na área do clima manifestaram decepção com o texto final da Declaração de Belém, documento assinado pelos chefes de estado que participaram da Cúpula da Amazônia. A falta de medidas concretas foi lamentada por diferentes organizações.
Uma das críticas mais contundentes foi assinada pelo Observatório do Clima, rede que reúne mais de 90 organizações. Para o Observatório, o documento "repete a sina de outras declarações multilaterais e nivela compromissos por baixo. Ao fazê-lo, num contexto de emergência climática, ela falha com a floresta e o planeta".
Em nota publicada em seu site oficial, a rede classifica a declaração como "uma bonita carta de intenções" que tem méritos, por exemplo, ao reconhecer que a Amazônia está sob ameaça de atingir um ponto de não-retorno [momento em que o bioma não terá condições de recuperação]. Porém, reforça o tom crítico ao apontar que o texto "não oferece soluções práticas e um calendário de ações para evitá-lo".
A necessidade de zerar o desmatamento foi ignorada no documento assinado pelos chefes de estado participantes do encontro. O ponto é especialmente lamentado devido ao fato de a maior parte dos países da região já ter se comprometido com o desmatamento zero até 2030, em termo assinado durante a COP26, em Glasgow, no Reino Unido, em 2021.
O Observatório do Clima afirmou, ainda, que o presidente colombiano, Gustavo Petro "ficou isolado" ao fazer um discurso que reflete a realidade climática e necessidade de agir. A fala de Petro não ressoou entre os demais líderes presentes ao encontro.
"Ao falhar em incorporar no documento a proposta colombiana de suspender a exploração de petróleo, gás e carvão mineral, os países amazônicos se juntam a vilões climáticos tradicionais, como Arábia Saudita, Rússia e EUA, e novos, como Reino Unido, e permitem a continuidade da farra do petróleo até que o mundo queime", pontuou a rede.
O tema do petróleo, aliás, foi um dos mais abordados pelo Greenpeace em manifestação oficial sobre o posicionamento conjunto dos países participantes da Cúpula da Amazônia. A organização internacional lembrou que os últimos dias foram de debates e protestos na capital paraense, no contexto da Cúpula e dos Diálogos Amazônicos.
"A Declaração de Belém, uma carta de intenções para cooperação regional assinada pelos chefes de Estado, sequer citou o termo combustíveis fósseis, ignorando a intensa mobilização dos dias anteriores. É, no mínimo, uma grande contradição que os governantes da Pan-Amazônia não tenham ouvido as vozes que ecoaram em diversos fóruns e protestos na capital do Pará", destacou a entidade.
Em um recado ao Brasil, o porta-voz da frente de Oceanos do Greenpeace no país, Marcelo Laterman, afirmou que o objetivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de consolidar o país como uma liderança nas discussões climáticas não será atingido se a exploração de petróleo não for interrompida.
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"É urgente investir em um modelo socioeconômico que respeite os limites da natureza e potencialize atividades econômicas que assegurem o bem-estar da população amazônica. Para isso, é fundamental que os saberes dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, que promovem o cuidado e uso responsável do território, sejam valorizados", disse Laterman.
O Instituto Socioambiental (ISA) celebrou a publicação do documento, mas destacou que as divergências e limitações dos agentes de governo já estavam evidentes, o que dificultaria uma declaração mais ambiciosa em relação a metas e prazos.
"É muito positivo termos um documento abrangente, que reconhece a emergência de acabarmos com os desmatamentos, a importância dos povos indígenas e comunidades tradicionais e a necessidade de medidas especiais de proteção aos povos indígenas em isolamento e de recente contato. Fica evidente, no entanto, que mesmo com as boas intenções dos discursos os governos ainda estão distantes das decisões necessárias para evitar o ponto de não retorno", pontuou Adriana Ramos, assessora de Política e Direito Socioambiental do ISA.
Reconhecimento e preocupação
Outra organização internacional, a WWF-Brasil reconheceu a "mensagem política importante" representada pela declaração, que deixa evidente a necessidade de ações imediatas para evitar a chegada ao ponto de não-retorno na Amazônia. Porém, a entidade também lamentou a falta de metas objetivas.
"É necessário que se adotem medidas concretas e robustas que sejam capazes de eliminar o desmatamento o mais rápido possível. Combater e eliminar o ouro ilegal, e a consequente contaminação por mercúrio, que se tornou um problema ambiental e de saúde pública na região, exige igual atenção e urgência", afirmou o diretor executivo da organização no país, Mauricio Voivodic.
Edição: Thalita Pires