Após ex-integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) fazerem acusações sem provas à entidade na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST na Câmara dos Deputados, a organização emitiu nota negando as denúncias, criticando o que chama de "fragilidade das acusações" e afirmando que a iniciativa busca "criminalizar o movimento, atacar o governo federal e agitar a base social bolsonarista". A pedido da oposição, a CPI ouviu nesta quarta (9) os agricultores Joviniano José Rodrigues e Noemia José dos Santos, que integraram a base da entidade em Goiás há cerca de 20 anos.
Os dois acusaram o movimento de, entre outras coisas, supostamente desviar recursos, converter acampamentos de sem-terra em "cativeiros" e praticar violência física contra eles. Em entrevista ao Brasil de Fato, a entidade negou todas as acusações. O dirigente Gilvan Rodrigues, do MST de Goiás, afirma que o casal foi acampado no local onde hoje funciona o Assentamento Canudos, no município Palmeiras, Região Metropolitana de Goiânia, e foi colocado para fora da unidade por conta de denúncias de roubo que recaíram sobre Joviniano. O MST aponta que a decisão foi tomada pelas 329 famílias que habitavam o local.
"Veja que o Joviniano estava acusando o movimento por desvio de dinheiro, mas eles foram expulsos exatamente por desvio de recursos da comunidade. Na época, chegou a ter Boletins de Ocorrência, chegou a ter inquérito tanto na Polícia Civil quanto na Polícia Federal, mas isso não gerou processo, e a Justiça não deu a eles o direito de retornarem ao local, ou seja, eles perderam o processo."
Ao analisar o caso, o juiz João Divino Moreira Silvério Souza negou o direito do casal de retornar ao acampamento sob a argumentação de que a ação não cumpria os requisitos jurídicos necessários. O despacho foi dado em 31 de outubro de 2001. Gilvan Rodrigues se queixa da estratégia que tem sido adotada pela ala bolsonarista na CPI e afirma que a oposição tenta "criminalizar o movimento e inviabilizar qualquer possibilidade de reforma agrária e luta pela terra no país".
"E a partir daí eles têm buscado fatos que não têm relevância para o processo da reforma agrária, mas são utilizados para fazer um cenário de circo, de guerra pra tentar incriminar o movimento. Mas a gente tem visto que isso não está surtindo efeito porque a causa pela reforma agrária, a relação do MST com a sociedade é maior do que esses factoides que esses deputados tentam, a cada dia da CPI, levantar e pautar, mas que não têm fundamento nem base real nenhuma", emenda Rodrigues.
Materialidade
A argumentação do dirigente vai na mesma linha do que parlamentares do campo progressista têm afirmado durante os trabalhos da CPI. Na sessão desta quarta (9), a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) se queixou de falta de materialidade no discurso dos depoentes. "Novamente, assim como no dia de ontem, foi feita uma série de acusações, de ilações graves, sem apresentação de nenhum tipo de prova, de documento, de nada que registre oficialmente o que aconteceu. E aí eu me pergunto o que os deputados se propõem a fazer numa CPI, que é uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que, em tese, deve ser séria para apurar, investigar e encaminhar a partir de um diagnóstico real", provocou.
"Mas qual o diagnóstico real que está sendo feito aqui, se não tem nenhum documento, dado ou prova? Tem só argumentos de acusação sem nada que dê materialidade para absolutamente nenhuma dessas acusações. Qual o propósito disso? A criminalização dos movimentos sociais, e isso está claro mesmo antes de a CPI começar", continuou a deputada. A parlamentar também ironizou o fato de as denúncias feitas por Joviniano José Rodrigues e Noemia José dos Santos virem à tona somente 22 anos depois do período em que o casal integrou a base do movimento.
"Eu gostaria de pedir que a gente pudesse ter acesso aos supostos Boletins de Ocorrência, por exemplo, porque são temas tão graves, que foram feitos no ano de 2000, e nenhum órgão competente deste país apurou, investigou e puniu absolutamente ninguém. Passaram-se vários governos, cinco CPIs do MST, e esse tema nunca foi sequer tratado, levantado? A gente passou inclusive pelo próprio governo Bolsonaro, e ele nunca fez nada pra apurar, pra dar uma resposta?", questiona.
Entidade
Em nota oficial divulgada no começo da noite desta quarta-feira (9), o MST se queixou da não apresentação de provas relacionadas aos crimes imputados à organização. "Ficou evidente como a base de deputados bolsonaristas usa pessoas pobres para atacar a luta pela reforma agrária. Desta vez, resgataram um fato incerto, ocorrido há mais de 20 anos em Goiás, para justificar o discurso de criminalização contra o MST. Assim, lançam uma série de afirmações, apontamentos de crimes, envolvem nomes de militantes, indicam supostas sequelas devido a práticas violentas, mas em nenhum momento apresentam algum inquérito, processo criminal, condenação ou laudo médico atestando sequelas por violências praticadas, apesar da gravidade dos crimes apontados."
A entidade diz ainda que não há militante sem terra que tenha sido condenado pelos fatos evocados pelo casal e aponta que isso "evidencia a fragilidade das acusações". O MST também se queixa de falta de proporcionalidade na condução dos trabalhos da CPI, que tem maioria bolsonarista e por isso privilegiou, nos últimos meses, a votação de requerimentos da oposição. Em meados de julho, o Brasil de Fato noticiou levantamento mostrando que 60 dos 70 requerimentos aprovados pelo colegiado até então eram todos da oposição.
"Até agora, somente uma audiência foi realizada com convidados indicados pela base governista. Não é possível dar credibilidade a um inquérito que só ouve um lado. Deputados bolsonaristas distorcem falas de depoentes, induzem as respostas, tudo na intenção de legitimar seus ataques. Em um universo de quase 2 milhões de pessoas assentadas pela reforma agrária, usaram, até agora, sete pessoas para tentar respaldar seus discursos contra os movimentos sociais", acrescenta a nota.
Por fim, o documento acusa a CPI de não se debruçar sobre a real situação dos conflitos que marcam a zona rural no país. "A falta de seriedade dos deputados bolsonaristas, pouco preocupados em discutir a fundo a reforma agrária e as reais mazelas do campo – trabalho escravo, grilagem de terras, desmatamento, queimadas –, está levando esta CPI para o seu fim. Ela poderia ser um importante espaço de debate sobre um tema relevante para a sociedade, mas a sanha criminalizatória bolsonarista impede qualquer tipo de debate sério."
Edição: Rodrigo Chagas