Primeiro participante da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST convidado pela minoria governista no colegiado, o jurista José Geraldo de Souza Júnior defendeu nesta quarta-feira (14) a atuação dos movimentos camponeses a favor da reforma agrária como parte do aperfeiçoamento da democracia.
"No mundo inteiro, relações conflitivas no campo foram superadas com reforma agrária", pontuou, invertendo um dos principais pontos do discurso bolsonarista majoritário na CPI, que associa o MST e outras organizações à violência.
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O ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) iniciou sua fala na Comissão defendendo que a democracia não é apenas uma forma de governo baseada no voto, mas também uma forma social cuja principal característica é a própria expansão dos direitos. Neste sentido, sustentou que a ordem legal de hoje é fruto das lutas realizadas no passado.
No caso brasileiro, Zé Geraldo, como é conhecido, sustentou que a luta do MST busca concretizar o texto da Constituição estabelecido em 1988 por meio da participação política. Assim, a tentativa de criminalizar a ação do movimento seria essencialmente anti-democrática.
"São 35 anos de amadurecimento de um programa constitucional que coloca a democracia e a justiça em seu centro. Afastar-se desse processo é trair a constituição e o projeto de sociedade."
Zé Geraldo posseguiu explicando por que, ao contrário do que afirma a maioria da CPI, ocupações de terra não são enquadradas como esbulho possessório, conduta prevista no Código Penal. Zé Geraldo citou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que estabeleceu distinções entre invasões individuais, tidas como criminosas, e ações coletivas que buscam pressionar o poder público.
"O STJ entendeu que quem ocupa terra para fazer cumprir a promessa da constituição politiza um debate no interesse geral da sociedade", sintetizou.
Luta e humanidade
Zé Geraldo ressaltou que a própria definição jurídica do que é humano variou ao longo do tempo e evoluiu por conta de lutas sociais e que, nesta linha, a luta do MST se insere em uma longa trajetória de emancipação. O jurista ressaltou ainda a necessidade de atores coletivos para a afirmação de direitos.
"A condição biológica não nos define. A gente se faz humano. A gente se torna humano. É um dado da história e da política, não da biologia. É necessário reconhecer os sujeitos que se movem e realizam nossos direitos. Esses sujeitos são principalmente coletivos e se inscrevem em movimentos sociais. Só no processo político de emancipação que a cidadania democrática se afirma", disse.
O acadêmico ressaltou ainda que o MST foi reconhecido pelo economista Celso Furtado "como o movimento mais importante" e que o papa Francisco agradeceu às famílias sem terra pela sua atuação solidária. "O movimento do reconhecimento do papa é por ter distribuído toneladas de alimento para combater o covid-19", lembrou.
Edição: Nicolau Soares