inquérito é aberto

'Quantos indígenas precisam ser baleados ou morrer?': entidades se manifestam após ataques no Pará

Indígena chegou a ser detido antes de passar por atendimento médico após ser baleado

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Moradores protestam contra prisão de indígena baleado e exigem atendimento médico - CNDH

Entidades do movimento indígena e representantes de movimentos populares de diversos setores publicaram nota pública conjunta em resposta aos ataques a tiros sofridos por lideranças indígenas na última segunda-feira (7) em Tomé-Açu (PA). Os ataques são atribuídos a seguranças privados contratados pela empresa Brasil BioFuels (BBF).

"Fica o questionamento: quantos indígenas precisam ser baleados ou morrer para chamar a atenção dos órgãos públicos para a responsabilização dos culpados pelos atentados e para garantir a proteção das comunidades indígenas do Alto Acará", pontua o texto.

As entidades que assinam o documento pedem providências urgentes do poder público, incluindo o Governo Federal, para investigar os crimes e responsabilizar culpados. 

"A cerca 200 km de Belém/PA, sede do epicentro global de debates sobre mudanças climáticas e alternativas para a proteção de povos e comunidades tradicionais na Amazônia, Tome-Açú testemunhou, em menos de uma semana, atentados contra quatro lideranças indígenas, que foram alvejadas com tiros e sangram na luta pela defesa de seus territórios", destacou, lembrando outro ataque, que aconteceu na última sexta (4) e teve um indígena ferido.

A nota na íntegra e a lista de entidades que assinam o texto está disponível nesta reportagem.

Indígena é liberado pela polícia

O indígena Felipe Tembé, que tinha sido detido após ser um dos baleados durante missão emergencial de direitos humanos em Tomé-Açu na última segunda (7), foi liberado após prestar depoimento à polícia. Segundo testemunhas, ele foi encaminhado à delegacia antes de receber atendimento médico.

Felipe foi uma das três vítimas de um ataque na comunidade de Turé Mariquita. As jovens Daiane Tembé e Erlane Tembé também foram baleadas. Segundo integrantes da comunidade indígena, os ataques provavelmente foram realizados por pessoas ligadas à empresa multinacional Brasil BioFuels (BBF), que produz azeite de dendê na região.

O caso foi o segundo do tipo na região em apenas quatro dias. No ataque de sexta-feira (4), outro indígena da etnia foi baleado na comunidade de Bananal, que também fica em Tomé-Açu.

A liberação de Felipe Tembé foi confirmada pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup), que informou ainda que prendeu o vigilante identificado como autor do disparo no episódio de sexta. Ainda de acordo com a Segup, um inquérito policial foi aberto para apurar o caso.

Confira abaixo a nota assinada pelas entidades indígenas e movimentos populares:

Lideranças indígenas do povo Tembé são baleadas na manhã de hoje, 07/08, durante preparativos para recebimento da visita do Conselho Nacional de Direitos Humanos, em Tomé-Açu/PA. Segundo relatos, três lideranças foram baleadas por seguranças privados da empresa Brasil Bio Fulls – BBF, sendo duas mulheres e um homem. Uma das vítimas afirma em áudio que pegou dois tiros, sendo um no ombro e outro na coxa.

Em razão de estar filmando a ação, Daiane Tembé foi o principal alvo, atingida no pescoço e no maxilar. Neste momento está sendo levada para Belém/PA por meio da UTI aérea. Todos os demais estão recebendo atendimento médico. Ainda há dois indígenas desaparecidos. 

Este é mais um dos atentados cometidos contra o povo Tembé, que denuncia a violação de direitos humanos e a falta de consulta prévia, livre e informada no empreendimento de plantação de dendê da BBF. Durante a abertura dos Diálogos Amazônicos, na última sexta-feira, 04/08, Kauã Tembé, 19 anos, também foi baleado e o principal suspeito da ação é um segurança da empresa.

A cerca 200km de Belém/PA, sede do epicentro global de debates sobre mudanças climáticas e alternativas para a proteção de povos e comunidades tradicionais na Amazônia — e que nos dias 08 e 09 de agosto é palco da Cúpula da Amazônia, que reunirá os presidenciáveis e autoridades da Panamazônia —, Tome-Açú testemunhou, em menos de uma semana, atentados contra quatro lideranças indígenas, que foram alvejadas com tiros e sangram na luta pela defesa de seus territórios.

Então, nesse momento, fica o questionamento: quantos indígenas precisam ser baleados ou morrer para chamar a atenção dos órgãos públicos para a responsabilização dos culpados pelos atentados e para garantir a proteção das comunidades indígenas do Alto Acará.

Diante da gravidade da situação e destes recorrentes ataques, exigimos que sejam tomadas providências urgentes no sentido de investigar e apurar rigorosamente estes crimes, com a devida responsabilização dos culpados. Também, exigimos que o governo estadual e federal adote as providências para a solução do conflito territorial existente, garantindo e resguardando os direitos das comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas. É necessária a intervenção da Polícia Federal.

Associação Indígena Tembé de Tomé-Açu – AITTA
Associação Indígena Turiwara do Braço Grande – AITBG
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos - SDDH
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra - MST
Movimento dos Atingidos Por Barragens - MAB
Comissão de Direitos humanos da OAB/PA
Coletivo de Direitos Humanos na Amazônia Maparajuba
Instituto Zé Claudio e Maria - IZM Comitê Dorothy
Rede Liberdade Instituto Dom Azcona
Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos
Cimi Regional norte 2
Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais – WRM
Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará – Malungu
Gesterra (Grupo de estudo sociedade, território e resistência na Amazônia)/Icsa/UFPA (Marcel Hazeu e Solange Gayoso)
ONG- Global Witness Human Rights Watch- HRW

Outro lado

Em nota ao Brasil de Fato, a BBF afirmou que houve ameaças e agressões a trabalhadores da empresa, e argumentou que os ataques aconteceram para "conter a ação criminosa dos invasores". Confira abaixo a nota na íntegra.

O Grupo BBF (Brasil BioFuels) esclarece que o Polo de Tomé-Açu, propriedade privada da empresa, composto pela Agrovila, Administração Geral e Áreas de Infraestrutura, foi invadido mais uma vez, na manhã desta segunda-feira (7), quando teve equipamentos incendiados e edificações destruídas por invasores indígenas.

Na ação, cerca de 30 invasores armados ameaçaram e agrediram trabalhadores da empresa, antes de incendiar dezenas de tratores, maquinários agrícolas e edificações da companhia. A equipe de segurança privada da companhia conseguiu conter a ação criminosa dos invasores e resguardar a vida dos trabalhadores que estavam no local.

O Grupo BBF reforça que tomou as medidas jurídicas cabíveis junto ao poder judiciário e solicitou o apoio aos órgãos de segurança pública do Estado do Pará. Dessa forma, aguarda uma rápida solução do caso.

Edição: Rodrigo Durão Coelho