O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, disse na quarta-feira (2) que as denúncias sobre abusos policiais durante a Operação Escudo no estado seriam uma “narrativa”. A ação ocorreu nos últimos dias, no Guarujá (SP), e provocou a morte de 16 pessoas, tendo sido criticada por políticos e especialistas. Derrite falou sobre o assunto durante depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), na Câmara dos Deputados, após ser provocado pela psolista Sâmia Bomfim (SP).
A ação policial na região ocorreu depois de o soldado Patrick Bastos Reis, das chamadas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), ser baleado e morto no último dia 27 durante patrulhamento no local. “Não há nenhuma prova de que qualquer uma dessas pessoas assassinadas no Guarujá tenha alguma coisa a ver com o assassinato desse policial. Isso não é uma questão menor”, queixou-se a deputada do PSOL, ao afirma que o trabalho dos agentes foi baseado em uma “lógica de extermínio”.
A Operação Escudo tem sido alvo de relatos de moradores da região que acusam a Polícia Militar (PM) de assassinar de forma aleatória pessoas com passagem anterior pela polícia ou egressos do sistema penal. As denúncias foram feitas a uma comitiva formada por parlamentares, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Defensoria Pública de São Paulo e outros atores que colheram depoimentos no estado nesta quarta (2).
“Não passa de narrativa. Não estou querendo politizar nem polemizar. Estou respondendo essas narrativas de que houve tortura, de que foram executados. Todos os exames do Instituto Médico Legal [IML], as necropsias não apontam nenhum sinal de violência, muito menos de tortura. É um documento oficial”, rebateu Derrite, que é policial militar e se reelegeu deputado federal em 2022 pelo PL, mas está licenciado para comandar a pasta da Segurança na gestão do governador Tarcísio de Freitas (PL). O termo “narrativa” é o mesmo utilizado por Tarcísio na última terça (1º) para se referir às críticas sobre violência policial.
Derrite compareceu à CPI na condição de testemunha e a convite do deputado Kim Kataguiri (União-SP), cuja solicitação tratava de abordar as “invasões ocorridas no estado de São Paulo promovidas pelo MST, bem como as prisões decorrentes dessas invasões”. Em maio deste ano, a CPI fez uma diligência na zona rural do Pontal do Paranapanema, região do interior de São Paulo onde há acampamentos e assentamentos.
Na ocasião, foram visitadas áreas ocupadas no início de 2023 pela Frente Nacional de Lutas (FNL), e não exatamente pelo MST, foco da CPI. Os oito deputados que viajaram ao local ouviram delegados envolvidos nas apurações sobre o caso – que resultou na prisão do líder da FNL José Rainha – e também fazendeiros que se dizem afetados pelas ocupações.
CPI
O caso do Pontal do Paranapanema veio à tona nesta quarta na CPI. Após Derrite e outros bolsonaristas dizerem que movimentos do campo ocuparam lotes particulares na região, a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) afirmou que a disputa agrária no local envolve áreas públicas, e não terrenos privados. “É [conflito] de áreas devolutas”, ressaltou a petista. O conceito se refere a terras públicas que estão sem utilização do poder público e que não chegaram a compor oficialmente o patrimônio de particulares, mesmo que estejam sob sua posse de forma irregular.
Durante os debates, Gleisi citou levantamento publicado na terça (1º) pelo site “De olho nos ruralistas” sobre publicações do jornal O Estado de S. Paulo durante a década de 1950 que tratam de questões agrárias ligadas à região. “Essa história é completamente fora de ter a nossa visão porque é do Estado de S. Paulo, um jornal reconhecido por defender a propriedade privada”, disse a petista.
Uma busca feita pela página “De olho nos ruralistas” no acervo digital do Estadão mostra que o jornal denunciou, na época, a atuação de grileiros de terras públicas e seus efeitos ambientais. O problema cresceu ao longo das décadas e hoje o pontal é um dos principais palcos de disputa agrária no país.
“O Estadão denunciou em pelo menos 102 reportagens e artigos da década de 1950 a conivência dos Poderes Executivo e Legislativo com os desmatamentos e invasões da área que compreende 32 municípios do estado na região do pontal. Em reportagem de 28 de junho de 1955 – em 1955, ainda não existia MST nem FNL, só pra registrar—, o Estadão pontuou a transformação de áreas verdes em campos de pastagens, a falta de espaço para que árvores se desenvolvessem, alem dos efeitos na flora e na floresta”, continuou Gleisi.
Ao comentar a citação feita pela deputada, Derrite disse que os protocolos da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) se baseiam “na legislação atual”. “Se no contexto histórico essa propriedade foi pública ou não foi, todas essas prisões e processos realizados foram com base na lei que garante que essa propriedade é privada, dos indivíduos acusados de serem extorquidos. Nenhum inquérito transcorreu por invasão em propriedade pública”, disse o secretário, ao defender os fazendeiros que ocupam os terrenos.
O assunto gerou um dos momentos de maior desgaste entre os dois campos na sessão desta quarta, que se deu em clima mais morno que as reuniões anteriores do colegiado, mas também teve alguns solavancos. “Os senhores não são contrários a invasões. Os senhores são contrários a invasões que julgam invasões de forma depreciativa por parte daqueles que lutam por reforma agrária. Agora, os senhores são defensores de invasores e grileiros de terra que é pública. Os perímetros 14º e 15º do Pontal do Paranapanema têm decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) dizendo que são terras devolutas, portanto, terras que precisam ser destinadas à reforma agrária”, argumentou Sâmia Bomfim.
A audiência desta quarta foi um novo round da disputa entre parlamentares do campo progressista e membros da ala bolsonarista, que tem maioria na CPI e é acusada por deputados de esquerda de criar a comissão para tentar emplacar a narrativa de criminalização do MST e movimentos do campo. Na reunião desta quarta, os parlamentares ouviram, além de Derrite, técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) a respeito de supostos indícios de irregularidade no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em processos relativos à política de reforma agrária. A CPI volta a se reunir nesta quinta-feira (3) pela manhã, quando está prevista a tomada de depoimento do militante José Rainha, da FNL.
Edição: Vivian Virissimo