O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) formou maioria para tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível por oito anos, nesta sexta-feira (30), com os votos dos ministros Benedito Gonçalves, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares e da vice-presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia.
Até agora, Raul Araújo foi o único ministro a votar a favor do ex-presidente. O voto decisivo para a inelegibilidade foi declarado nesta sexta-feira (30) por Cármen Lúcia. "De pronto, com todas as vênias do eminente ministro Raul Araújo, anuncio à vossa excelência e aos senhores ministros que estou acompanhando o ministro relator pela parcial procedência, com a aplicação da sanção de inelegibilidade ao primeiro investigado, Jair Messias Bolsonaro, e declarando improcedente o pedido em relação ao segundo investigado, Walter Souza Braga Netto", afirmou a ministra.
"Houve agravos contundentes contra o Poder Judiciário, a desqualificação do Poder Judiciário. Um ataque deliberado com exposição de fatos que já tinham sido refutados. Os ataques ao Poder Judiciário se deram com nomeação de alguns ministros, como Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e também à vossa excelência [Alexandre de Moraes] de uma forma extremamente grave e contundente."
Cármen Lúcia disse ainda que "a crítica faz parte, o que não pode é um servidor público, e um evento público, dentro de um espaço público, com divulgação pela EBC e pelas redes sociais oficiais fazer achaques contra ministros do Supremo como se não estivesse atingindo a própria instituição E não há democracia sem judiciário independente".
Bolsonaro foi acusado de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) por utilizar o aparato público para favorecer a si mesmo no processo eleitoral do ano passado. O que motivou a ação foi a reunião de Bolsonaro com embaixadores de países estrangeiros no Palácio da Alvorada, no dia 18 de julho do ano passado, bem como sua ampla divulgação, pela TV Brasil e suas redes sociais.
Ainda votam os ministros Kassio Nunes Marques e o presidente do TSE, Alexandre de Moraes. A expectativa entre os bolsonaristas é que Nunes Marques faça um pedido de vista, ou seja, pedir mais tempo para analisar a ação.
Marques, no entanto, já afirmou que uma inclinação a um pedido de vista é “pura especulação”, em entrevista ao UOL. "Eu nunca tratei desse assunto com ninguém. Pura especulação", declarou. Por fim, vota Alexandre de Moraes, presidente do TSE. Seu voto deve ser o quinto a favor da inelegibilidade.
Votos a favor da inelegibilidade
O relator Benedito Gonçalves afirmou em seu voto, feito ainda na terça-feira (27), que o TSE "se manterá firme em seu dever de, como órgão de cúpula da governança eleitoral, transmitir informações verídicas e atuar para conter o perigoso alastramento da desinformação que visa desacreditar o próprio regime democrático”.
"No mérito, julgo parcialmente procedente o pedido, para condenar o primeiro investigado, Jair Messias Bolsonaro, pela prática de abuso de poder político e de uso indevido de meios de comunicação nas Eleições 2022 e, em razão de sua responsabilidade direta e pessoal pela conduta ilícita praticada em benefício de sua candidatura à reeleição para o cargo de Presidente da República, declarar sua inelegibilidade por 8 (oito) anos seguintes ao pleito de 2022", disse o relator.
Floriano de Azevedo Marques, o segundo a votar pela inelegibilidade de Bolsonaro, nesta quinta-feira (29), afirmou que minuta golpista, as lives, os depoimentos sobre o contexto das transmissões e as entrevistas à imprensa são "marginais para a análise dos fatos". O ministro afirmou que "os graves desafios" ao processo eleitoral que tiveram lugar antes e depois do pleito, "embora execráveis", não são necessários para configurar abuso de poder e desvio de finalidade na reunião com os embaixadores.
Azevedo destacou que as falas de Bolsonaro sobre o processo eleitoral durante a reunião, a sua apresentação como candidato à reeleição e de suas expectativas em relação ao resultado eleitoral, com mobilização de recursos públicos, já são suficientes para caracterizar abuso de poder.
O ministro destacou que Bolsonaro teve claro objetivo de "angariar proveito eleitoral em desfavor de seus concorrentes". Azevedo ainda defendeu que o uso de um prédio público para uma finalidade diferente para o qual foi destinado – no caso, o Palácio do Alvorada – já seria suficiente para caracterizar improbidade administrativa, uma das previsões para inelegibilidade.
Após Azevedo, no mesmo dia, André Ramos Tavares foi o terceiro ministro a favor da procedência da inelegibilidade. O magistrado defendeu que o direito à liberdade de expressão não permite a propagação de mentiras. Disse ainda que houve "inequívoca inveracidade" com "efeitos nefastos, na democracia e no processo eleitoral". "O referido conteúdo é permeado por afirmações falsas e inequívocos ataques a partidos adversários e a ministros do STF e do TSE."
Tavares defendeu também que é "inviável" ao TSE ignorar os fatos notórios circunscritos à reunião com os embaixadores, que teve por objetivo causar "perturbações severas" contra a democracia e o processo eleitoral. "A candidatura foi beneficiada por uma tática que perpassou todo o conteúdo do discurso proferido no âmbito da cerimônia aqui analisada, de maneira a agitar as bases eleitorais, no sentido canalizar votos para impedir que qualquer outro candidato, mais especialmente um deles, obtivesse vitória nas eleições de 2022, manipulando a polarização da sociedade em benefício eleitoral do investigado", afirmou Tavares.
"A respeito do caráter eleitoral, importante notar que a classificação de determinado ato típico da campanha não demanda necessariamente pedido de voto ou exposição de projetos. O cunho eleitoral do evento é verificado a partir da veiculação de táticas típicas de campanha, mais do que isso, uma tática muito própria do investigado."
Votos contrários à perda do direito político
O ministro Raul Araújo votou contra o pedido de inelegibilidade, baseando-se na defesa da liberdade de expressão. "Qualquer cidadão pode desejar um modelo de votação diferente daquele vigente no país. Tudo isso se insere no espectro constitucional na liberdade de expressão", disse Araújo. "Não é todo o discurso [de Bolsonaro] que veicula informações inverídicas, estando presentes posições em que o investigado apenas expôs suas opiniões, como sobre o voto impresso. (...) A democracia não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada."
O ministro afirmou ainda que é necessário mensurar "com prudência a necessidade de intervenção do Poder Judiciário Eleitoral no processo eleitoral". "A conduta analisada afetou o processo eleitoral com gravidade tal que exige intervenção do Poder Judiciário para assegurar a prevalência do sufrágio?", questionou Araújo.
Araújo também divergiu do relator ao se colocar contra a inclusão da minuta de um decreto golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. O documento autorizaria Bolsonaro a declarar estado de defesa nas sedes do TSE para reverter o resultado da eleição presidencial do ano passado. Para Araújo, trata-se de “documento apócrifo que não pode ser juridicamente considerado como documento”. O magistrado classificou a minuta como um "estranho achado" e disse que "inexiste qualquer elemento informativo capaz de sustentar para além de ilações a existência de relações entre a reunião e a minuta de decreto".
Relatório de Benedito Gonçalves
No relatório, o ministro Benedito Gonçalves defendeu que as declarações feitas por Bolsonaro durante reunião foram “danosas”. Na ocasião, Bolsonaro “atacou a Justiça eleitoral e o sistema eletrônico de votação”, o que convergiu “com a estratégia de sua campanha” à reeleição.
A reunião “deve ser analisada como elemento da campanha eleitoral de 2022, dotado de gravidade suficiente para afetar a normalidade e a legitimidade das eleições e, assim, configurar abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação”, afirmou Gonçalves durante a leitura de seu relatório. Segundo o documento, Bolsonaro questionou a integridade do sistema eleitoral brasileiro pelo menos 23 vezes somente em 2021.
“A conduta caracteriza desvio de finalidade no exercício do poder discricionário outorgado ao agente público que foi utilizado para de fins eleitoreiros. O uso da condição funcional de presidente da República para manifesto desvio de finalidade reunindo embaixadores de países estrangeiros e difundir fake news contra o processo eleitoral amolda-se ao abuso de poder político. Foi também utilizado o aparato estatal em favor da candidatura, pois a reunião foi realizada no Palácio do Alvorada e transmitida pela TV Brasil ligada à empresa pública”, afirmou Gonçalves ao ler o seu relatório aos outros ministros.
Walter Braga Netto, que foi candidato à Vice-Presidência na chapa com Bolsonaro, também foi alvo do processo. O militar, no entanto, não se tornou inelegível, uma vez que a maioria dos ministros seguiram o parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral contra a punição a Braga Netto. O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, argumentou que não há arcabouço probatória da participação do candidato à vice nas condutas descritas.
“A Procuradoria-Geral Eleitoral ofereceu parecer no qual opina pela parcial procedência da ação, a fim de que seja declarada a inelegibilidade somente de Jair Messias Bolsonaro em razão de abuso de poder político e de uso indevido dos meios de comunicação, e pela absolvição do candidato a Vice-Presidente a quem não se aponta participação no caso”, afirma o relatório sobre a posição de Gonet.
Argumentos da acusação
Walber de Moura Agra, o advogado do PDT, afirmou que Bolsonaro promoveu “acusações sem lastro em nenhuma prova ao longo de quase 50 minutos, com alegações descabidas, tentando transformar a nossa nação em pária internacional”, diante de 40 embaixadores. “O PDT roga que todos os pedidos sejam aceitos para que a posteridade possa afirmar com orgulho, a plenos pulmões, que em Brasília ainda há juízo.”
O advogado defendeu que a reunião foi apenas uma das ferramentas do conjunto estratégico de Bolsonaro a fim de deslegitimar a eleição. Soma-se a isso, por exemplo, a minuta de um decreto golpista encontrada na casa de Anderson Torres. “Os fatos posteriores são desdobramentos do primeiro. A narrativa é a mesma. Não há incorporação de nenhum fato novo. A minuta de golpe não é fato. Não houve a sua realização. É um documento. Um documento nocivo. Apesar houve desdobramento de fatos”, argumentou Agra.
A minuta foi incluída no processo a pedido do PDT. A sigla argumentou que a minuta seria um "embrião gestado com pretensão a golpe de Estado", o que contribui com “os argumentos que evidenciam a ocorrência de abuso de poder político tendente promover descrédito a esta Justiça Eleitoral e ao processo eleitoral, com vistas a alterar o resultado do pleito".
Ao incluir o documento, Benedito Gonçalves afirmou que a tese apresentada pela sigla possui “aderência”, "em especial no que diz respeito à correlação do discurso com a eleição e ao aspecto quantitativo da gravidade". O discurso, prosseguiu o ministro, “não mirava apenas os embaixadores, pois estaria inserido na estratégia de campanha do primeiro investigado de 'mobilizar suas bases' por meio de fatos sabidamente falsos sobre o sistema de votação".
A defesa afirmou nos autos, que a minuta não poderia ser incluída no processo como prova porque não “consubstancia verdadeiramente ‘documento’, eis que não assinado, não apresenta identificação de que o produziu, não apresenta destinatário, bem como não identifica efetiva intenção e realidade/materialidade de seu conteúdo”.
Argumentos da defesa de Bolsonaro
Por sua vez, Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, advogado de defesa, argumentou que a aplicação de multas seria mais compreensível do que a condenação à inelegibilidade. “Uma reunião com embaixadores é uma reunião com embaixadores. Há vida em prédio público? Há vida em prédio público. Em que mês? Em julho do ano eleitoral, eleições em outubro. Isso não traduz uma base fatia suscetível de apuração e ação de investigação judicial eleitoral”, argumentou Neto diante dos ministros.
“Se o presidente queimou a largada em matéria de propaganda que se aplique a multa. Se o presidente fez uso indevido de prédio público, que se lhe aplique a multa do artigo 73 da Lei das Eleições. Mas o PDT numa espécie de esquenta eleitoral, como aquelas escaramuças que antecedem os verdadeiros combates, quis pela Aije [Ação de Investigação Judicial Eleitoral]”, disse Neto.
O advogado ainda afirmou que o PDT fez “uso indevido da Justiça Eleitoral como forma de catapultar uma candidatura cambaleante que jamais decolou”, fazendo referência à campanha de Ciro Gomes à Presidência, que ao fim obteve apenas 3,04% dos votos. “Um flagrante desvio de finalidade. Uma ação impostora.”
Neto afirmou ainda que Bolsonaro realizou a reunião “para fazer uma espécie contraponto institucional. Se o presidente á habilidoso no vernáculo, isso não está em julgamento. Tudo a demonstrar que se tratava de um ato típico de governo. Todas as testemunhas disseram a mesma coisa: não tinha nada de eleitoral”.
Reunião com embaixadores
Em seu discurso aos embaixadores, Bolsonaro requentou acusações já rebatidas pelo TSE. Ele partiu de um inquérito aberto pela Polícia Federal em 2018 sobre uma tentativa de invasão de um hacker ao sistema do tribunal. A Corte já esclareceu que esse acesso foi bloqueado e não teve qualquer interferência no resultado das eleições. Entre as mentiras ditas pelo então presidente durante a reunião, o Bolsonaro declarou aos embaixadores que o sistema eleitoral não é auditável.
“Nós não podemos enfrentar mais uma eleição, sob o manto da desconfiança. Temos que ter a certeza de que o voto de um eleitor, vai para aquela pessoa”, afirmou Bolsonaro na ocasião. “Quando se fala em eleições, vem à nossa cabeça transparência. E o senhor Barroso (Luís Roberto Barroso, ministro do STF), também como senhor Edson Fachin (presidente do TSE), começaram a andar pelo mundo me criticando, como se eu estivesse preparando um golpe. É exatamente o contrário o que está acontecendo”, acusou Bolsonaro.
O ex-presidente também atacou diretamente os ministros do STF. “Me acusam de atentar contra as eleições e a democracia. Quem faz isso é o próprio TSE... Nós vemos claramente, ministro Fachin foi quem tornou Lula elegível, e agora é presidente do TSE. Ministro Barroso foi advogado do terrorista Battisti que recebeu aqui o acolhimento do presidente Lula em dezembro de 2010. O ministro Alexandre de Moraes advogou no passado para grupos que, se eu fosse advogado, não advogaria”, insinuou Bolsonaro.
Edição: Rodrigo Durão Coelho