Naquela noite, o salão do Hotel La Habana Libre estava lotado de pessoas. Entre o público, encontravam-se alguns dos artistas mais importantes do momento em Cuba, tomando drinques e conversando. Mas Darién Rodríguez, conhecido como Chaiky, não estava nervoso. Era a primeira vez que, na frente de artistas conhecidos, ele mostrava tudo o que havia aprendido nas ruas de seu bairro em El Cerro, um bairro popular de Havana.
Ele havia sido chamado para dançar no evento, e seu estilo casual não passou despercebido. Naquela noite, Ernesto Rodríguez, mais conhecido como Nesty, que já estava fazendo seu nome na cena, ficou impressionado com a força e a energia da apresentação. Alguns meses passaram e Nesty conseguiu entrar em contato com Chaiky ligando para o telefone celular de sua mãe. Queria convidá-lo para trabalhar com ele dançando para dois dos artistas de reggaeton mais importantes do momento em Cuba (os mais pegados, como se diz na ilha): Yomil e El Dany.
A equipe terminou formada com mais dois dançarinos, Osmar e Gilbert, com os quais conquistaram um lugar no cenário da dança urbana cubana sob o nome de Los DatWay.
Seis anos passaram desde sua fundação e muitas coisas mudaram. Hoje, o Los DatWay é um coletivo artístico formado por vinte jovens. Eles foram conquistando seu próprio estilo criando suas próprias coreografias e filmando peças de vídeo-dança que, com a recente expansão da Internet na ilha, se tornaram virais nas redes sociais.
A criatividade de sua coreografia, o talento de sua dança e a originalidade de seus vídeos permitiram que o Los DatWay ganhasse o reconhecimento de artistas como Ricky Martin, Olga Tañon e Daddy Yankee, entre outros.
"Sempre sonhamos em mostrar o que fazemos. Queremos mostrá-lo em todos os cantos que pudermos. E queremos que isso dê um nome a Cuba. Queremos que as pessoas digam 'há ótimos dançarinos em Cuba'. Não se trata nem mesmo de dizer que os 'Los DatWay' são muito bons, mas sim os cubanos. Que quando alguém pensar em dançarinos, pense em Cuba e que a cultura cubana é letal", diz Chaiky ao Brasil de Fato.
Chaiky fala com total espontaneidade. Ele vai e volta montando frases, misturando palavras em inglês com um espanhol cheio de gírias de rua. Fala sem esconder nada, sem criar nenhum personagem.
"Se eu pudesse, gostaria de dançar até mesmo no bairro mais pobre da América Latina. Como dizemos, pode haver outro grupo que 'coroe' graças a um caminho que foi feito antes. Mas o importante é abrir esse caminho. Como fizeram Los Van Van ou a orquestra de Aragón, grupos antigos que faziam música", diz Chaiky e acrescenta: "Queremos que a dança seja valorizada em si mesma, não como decoração, mas como uma arte em si".
'Vou entrar ao vivo'
"Sempre buscamos refletir a realidade. Fazer cultura do bairro é sentar-se lá fora, na esquina, com as pessoas do bairro e mostrar essa realidade. Quando fazemos um vídeo, não queremos mostrar a Havana turística ou em cartões postais; queremos mostrar nossos bairros, nossas ruas, nosso povo. Além disso, este é nosso ambiente e é onde nos sentimos bem e confortáveis", diz Chaiky.
A casa de Nesty, o diretor do grupo, serve como ponto de encontro do Los Datway. Localizada em Hospital, fora da área turística, o local não passa despercebido. Os grafites nas paredes, feitos por amigos do grupo, tornam o espaço inconfundível: sala de ensaio e gravação, espaço de reunião e planejamento, ponto de encontro de trabalho e estudo.
Quando Chaiky chega ao local, o quarteirão inteiro o saúda. A garotada jogando bola na esquina. Uma senhora parada na porta de sua casa observando as pessoas passarem. Um homem em uma cadeira de rodas fumando enquanto vende cigarros na calçada. Todos o cumprimentam e perguntam sobre o resto do pessoal. Muitos desses vizinhos aparecem como personagens nos vídeos de Los Datway.
"Os vizinhos nos adoram. Às vezes, levamos o alto-falante para a rua e dançamos do lado de fora. Os vizinhos também já bateram à nossa porta e perguntaram se podíamos emprestar os alto-falantes para uma festa de aniversário ou uma reunião. O mesmo vale para nós: se precisarmos fazer uma filmagem de uma varanda ou de um terraço, batemos na porta de alguém que possa nos emprestar sua casa para que seja possível gravar", diz ele.
Chaiky interrompe o que está dizendo sem conseguir conter o riso, como se tivesse se lembrado de algo. E acrescenta: "Já aconteceu de batermos na porta de uma casa e nos dizerem 'estava assistindo à novela, mas sim, entrem' ou 'estava indo comprar frango, mas entrem e fiquem, volto daqui a pouco' e, de repente, estávamos filmando na casa de alguém enquanto essa pessoa ia fazer compras".
O Los Datway é mais do que uma companhia de dança. É um grupo de amigos aprendendo juntos a fazer o que amam. Sempre que Chaiky fala sobre seus parceiros, ele se refere a todos eles como seus irmãos.
"Estamos juntos o tempo todo. Praticamente moramos juntos, somos uma grande família. Quando não estamos ensaiando, estamos fazendo brainstorming de ideias para um vídeo ou uma coreografia. Além disso, temos um grupo no WhatsApp onde estamos sempre mostrando uns aos outros o que estamos fazendo, mas não para dizer 'Ah, isso é bom', mas para criticar uns aos outros e melhorar o que estamos fazendo. Embora se alguém de fora lesse o grupo, certamente diria 'essas pessoas não são amigas'", brinca Chaiky.
Em 2021, o cantor porto-riquenho Ozuna lançou um desafio por meio de suas redes sociais convidando os seus fãs a filmarem-se dançando ao som da sua então mais recente música "Envious". O Los Datway aceitou o desafio como uma oportunidade de mostrar o seu trabalho. Com muita criatividade, gravaram o vídeo com a participação de muitos vizinhos de sua comunidade. O vídeo rapidamente se tornou viral e ele foi o vencedor.
Como em muitas partes da América Latina, a rápida expansão da música urbana em Cuba teve seus detratores. Muitos acusavam os novos estilos de serem obscenos ou de não terem qualidade artística.
"Acho que o Datway mudou muitos preconceitos em Cuba. Até alguns anos atrás, havia a ideia de que as pessoas que faziam dança urbana ou que não frequentavam uma escola de dança não eram dançarinos. E quando começamos a crescer, considerando que muitos de nós não somos dançarinos de escola, houve muitas pessoas que se sentiram identificadas conosco, que gostaram do que estávamos fazendo e que começaram a perceber que somos artistas".
O reggaeton de Cuba
Pedro Gerardo Torruellas cresceu em um bairro popular de Porto Rico, onde sempre soava salsa pela noite. A poucas quadras de sua casa, Andy Montañez (o famoso "padrinho da salsa") tocava sua música em aniversários e festas no bairro. O pai de Torruellas era um importante percussionista de salsa, de quem ele herdou o gosto pela música e aprendeu a arte da percussão.
Mas o destino de Torruellas tomou um rumo imprevisível. Como resultado dos fluxos migratórios, no início da década de 1980, toda uma cultura musical urbana produzida nos bairros negros e latinos dos Estados Unidos começou a chegar a Porto Rico. House, freestyle, new wave e hip-hop: todas as formas de manifestação do underground cultural que era produzido à margem da cultura oficial.
Essa música teria uma influência decisiva sobre Torruellas. Ele começou a tocar música em festas underground, com o apelido de DJ Playero (por causa das roupas de surfista que usava), ganhando certa fama no circuito porto-riquenho. Nessas festas, DJ Playero também começou a tocar música dancehall vinda da Jamaica: uma música dançante de ritmo acelerado cujas letras tinham um alto teor sexual explícito e cujo estilo rítmico se tornaria a base para toda a música urbana latino-americana.
Naqueles anos, DJ Playero gravou uma série de fitas cassete. Foi nessa época que ele conheceu um garoto de 16 anos, também filho de um percussionista de salsa, chamado Ramón Luis Ayala Rodríguez. Em 1994, os dois gravaram um álbum (Playero 36) em que o nome de um novo gênero apareceu pela primeira vez: reggaeton. O gênero estava se expandindo com velocidade e força extraordinárias no Caribe Latino, cujos povos compartilham experiências culturais semelhantes.
Anos mais tarde, Ayala Rodríguez entraria para a história musical com o nome de Daddy Yankee quando, em 2004, lançou o álbum Barrio Fino, cuja faixa promocional "Gasolina" tornaria esse novo estilo de música e cultura urbana latino-americana conhecido em todos os cantos do mundo.
A música de dança latino-americana voltou a ser ouvida após o sucesso da salsa na década de 1960. E os bairros de Cuba não ficaram alheios a essa expansão. "Timbatón", "cubatón", "reggaeton a lo cubano", foram os primeiros nomes para o gênero que estava sendo cada vez mais tocado na ilha. Há anos, nos bairros populares das principais cidades de Cuba, o reggaeton vem se transformando no que eles chamam de "Reparto".
Patria Repartera
"Nas gerações anteriores, em uma festa você ouvia muita salsa cubana, que seria a Timba. Ou o cassino, que é dançado em uma roda com giros e é improvisado e super bonito. Mas isso se perdeu muito. Nossa época foi a do Reparto e a desses gêneros de hoje. Era isso que tínhamos que defender. Eu cresci ouvindo essa música cubana na comunidade e nas festas. Foi a primeira coisa que aprendi a dançar", diz Chaiky.
"Naquela época, o Reparto era um pouco atacado. Agora ele tem mais força e qualquer um ouve Reparto. Antes, havia os 'faránduleros' e os 'reparteros', que eram os mais marginalizados. Então havia muitos dançarinos que diziam que não dançavam isso, que era algo de pouca importância. Mas nas ruas era a coisa mais popular".
Na música popular cubana, os ambientes festivos e a dança sempre ocuparam um lugar privilegiado. Uma maneira de vivenciar a música como uma celebração ou até mesmo como uma resposta terapêutica às dificuldades sociais. Desde o "Rei do Mambo", Dámaso Pérez Prado, na década de 1940, até La Charanga Habanera, no início do milênio, o ritmo dançante sempre esteve na vanguarda.
Revisando o trabalho do Los DatWay, é possível encontrar uma multiplicidade de referências e estilos. Embora estejam claramente dentro da dança contemporânea e da música urbana, a referência a outros estilos é constante.
"Eu tinha um primo que ouvia hip-hop e dançava. Isso me fez conhecer essas danças. Comecei a gostar tanto que chegou um momento em que fiquei fascinado. Comecei a assistir a muitos vídeos, a estudá-los, a ver como eles dançavam e a tentar aprender. Quando começamos a DatWay, viemos com todo esse fascínio pelo hip-hop. E, de fato, queríamos dançar hip-hop. Mas também queríamos nos tornar conhecidos. Então, também começamos a dançar Reparto, mas usando os fundamentos e o groove do hip-hop. Uma mistura do que é dançado nas ruas".
Com um tom lúdico, o Los DatWay fez da experimentação um pilar fundamental, onde o bairro encontra as redes sociais, a cubanidade encontra as expressões urbanas contemporâneas, a identidade encontra a mudança constante, sem se preocupar em estabelecer fronteiras rígidas entre os diferentes gêneros.
"Há pessoas que se fecham em um determinado círculo. Até mesmo dançarinos que dizem 'eu não danço isso ou aquilo'. Isso sempre existiu. Mas nunca gostamos de fazer as coisas dessa maneira. Sempre gostamos de experimentar. Temos uma mentalidade na qual acreditamos que tudo é bonito. E quando você acha que tudo é lindo, você aprende com tudo porque não para de olhar. Em tudo há uma lição. E gostamos de brincar com isso", diz Chaiky.
Atualmente, o Los DatWay é o grupo de dança mais pegado da ilha. Dançando nos bairros de Havana para o mundo inteiro.
Edição: Thales Schmidt