Direito

O que é 'Lawfare', segundo Cristiano Zanin, o novo ministro do STF

Ele foi um dos responsáveis por disseminar a noção no debate brasileiro

Brasília (DF) |
Zanin escreveu livro introdutório sobre "lawfare" ao lado de Valeska Martins e Rafael Valim - Lula Marques/Agência Brasil

Um dos pontos levantados na sabatina de Cristiano Zanin, indicado de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Supremo Tribunal Federal (STF), foi como um ministro da Corte poderia combater o lawfare

A resposta de Zanin foi enfática: "Um magistrado não deve combater nada". A posição de Zanin explicitava sua posição de que juízes não devem ter como orientação de sua atuação o combate direto e proativo a fenômenos políticos e sociais. Ao contrário, em sua visão é papel do Supremo garantir a aplicação da Constituição - o que só indiretamente poderia significar combater o lawfare

A questão dirigida a Zanin tinha razões óbvias: ele é coautor, ao lado de Valeska Martins e Rafael Valim, do livro Lawfare: Uma Introdução, publicado pela Editora Contracorrente e traduzido para outras línguas. Além disso foi o fundador do Instituto Lawfare, criado em 2017. 

Leis e guerra

O livro coescrito por Zanin ajuda a iluminar sua resposta na sabatina. Inicialmente, o trio de autores nos lembra que o neologismo que batiza o livro é fruto da junção de duas palavras: law (direito) e warfare (guerra). Não só isso, o livro aponta como esta noção tem origem em manuais e teorias militares, que apontam como grupos dissidentes se utilizariam de demandas judiciais, principalmente com base na legislação de Direitos Humanos, para provocar a desestabilização interna. Ou seja, uma noção longe da crítica de ações arbitrárias do Estado, em especial do Sistema de Justiça. 

O desenvolvimento do livro tem então um duplo esforço. O primeiro é diferenciar a noção de lawfare  de outras ideias associadas ou próximas, como ativismo judicial, politização da Justiça e Estado de Exceção. A segunda iniciativa, atrelada à anterior, é talvez a mais ousada: no caminho de refinar o conceito, os autores acabam por intencionalmente modifica-lo. 

Se a ideia nasce pela abordagem militar, na crítica de iniciativas judiciais que, por exemplo, buscam "deslegitimar as campanhas militares dos Estados Unidos e de Israel, o que representaria uma ameaça à segurança nacional desses países", os autores se apropriam da noção para a denúncia também de ações de aparelhos estatais, ou através destes, para “para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo”, a nova conceituação proposta por Zanin, Martins e Valim. 

Não se trata, aqui, de avaliar a qualidade e coesão dos argumentos do trio, mas destacar o procedimento de seu raciocínio. Em outras palavras, a tentativa de conferir precisão conceitual a uma ideia, ao mesmo tempo em que se possibilita a ampliação de sua aplicação - fazendo a noção evoluir de um paradigma que se fundamenta na perspectiva tradicional da segurança nacional, com seus vieses conservadores implícitos, em direção a uma definição que se pretende mais rigorosa do ponto de vista analítico, e mais progressista no âmbito do discurso e prática políticos. 

Por último, a parte inicial da definição proposta pelos autores "o uso estratégico do Direito" é fundamental para compreensão da resposta de Zanin na sabatina. Na se trata apenas do fato de que Zanin rejeita o ativismo de magistrados e, portanto, qualquer combate direto. Deve-se compreender que para Zanin, e os coautores, a ideia de lawfare se inscreve não como conceito propriamente jurídico, mas como categoria que resulta de observação do Direito a partir de uma disciplina externa a ele, e por eles indica como "ciência da estratégia" - um campo definitivamente mais próximo dos estudos geopolíticos e militares do que jurídicos. 

Na estrutura do livro, a dinâmica entre a noção original de lawfare e seu desenvolvimento pelos autores é marcada pela utilização do caso Lula como momento empírico que permite a definição própria da ideia sem que as fórmulas de outros autores se percam inteiramente. 

Da leitura do livro, se percebe, assim, que a resposta de Zanin teve uma dimensão mais profunda: magistrados devem balizar e fundamentar suas decisões fundamentalmente em categorias jurídicas, vindas da Constituição, das leis, da jurisprudência e da chamada doutrina. Não seria o caso, segundo ele mesmo, da ideia de lawfare. Isso fica claro na pontuação, em espécie de síntese, que fazem os autores ao afirmarem que o lawfare é a própria negação do Direito em sua acepção moderna. 

Edição: Douglas Matos