O ritmo extenuante de trabalho da fábrica da JBS em Sidrolândia (MS) explica parte das doenças ocupacionais, como Lesões por Esforço Repetitivo (LER) e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Dort), desenvolvidas por funcionários da unidade. Esta foi a conclusão da Justiça do Trabalho do Mato Grosso do Sul em sentença proferida em maio, em ação coletiva ajuizada pelo Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Carnes e Aves de Sidrolândia (Sindaves).
Segundo o especialista em Direito Ambiental do Trabalho, Paulo Roberto Lemgruber Ebert, advogado do sindicato que acompanha o caso, a JBS foi condenada a ressarcir danos materiais e morais sofridos por funcionários da fábrica em Sidrolândia.
Ainda cabe recurso no processo, mas caso a decisão seja mantida, cada trabalhador lesado poderá entrar com uma ação judicial para exigir reparação dos danos individuais.
O processo tramitava desde março de 2022 no Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. Após a vitória, o sindicato vem promovendo assembleias e reuniões com os trabalhadores para tratar sobre o assunto. Também há previsão de novos protestos, caso a empresa não atenda as reivindicações da categoria.
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"O impacto dessa vitória para os trabalhadores é que as empresas, e não apenas a Seara Alimentos envolvida no caso, mas os frigoríficos em geral no país, especialmente do setor do frango, vão ter que se atentar mais ao risco apresentado pelo ritmo de trabalho", afirma.
Para o advogado, a sentença faz com que as empresas do ramo fiquem mais alertas em relação ao número de trabalhadores que são colocados para operar nos setores produtivos, assim como terão de rever as metas de produtividade e prever em seus planos de gestão de riscos o ritmo adequado de trabalho, a fim de evitar adoecimentos como a LER/Dort.
"Uma condenação dessa tem, perante a outras empresas do setor, um efeito que não é apenas punitivo, mas pedagógico. Devem ficar com medo de sentenças iguais e começar a pensar em meios práticos para reduzir os riscos apresentados pelo ritmo de trabalho. A decisão deve ser vista como um ponto de virada para que se busque, a partir de agora, a adequação do trabalho nos frigoríficos aos limites psicofísicos do ser humano e não o contrário", aponta Lemgruber Ebert.
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Acidentes de trabalho
Dados da Secretaria de Trabalho e da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, vinculadas ao Ministério do Trabalho e da Previdência, mostram que foram registrados 85.123 adoecimentos ocupacionais e acidentes típicos no setor frigorífico no Brasil entre janeiro de 2016 e dezembro de 2020. Desses, 64 levaram à morte.
As informações tiveram como base registros de Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT), documento emitido pelas empresas que informa quando o trabalhador sofreu acidente de trabalho ou foi avaliado com uma doença ocupacional.
Outro levantamento, do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, baseado em informações do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), revela que o abate de reses, exceto suínos, somado ao abate de suínos, aves e outros animais pequenos, registrou 344 acidentes que levaram trabalhadores à óbito no setor frigorífico entre os anos de 2012 e 2022.
As condições de trabalho na fábrica da JBS em Sidrolândia já haviam sido denunciados pelo Brasil de Fato em 2021. Os trabalhadores relataram, além do ritmo extenuante de trabalho, negligência em relação à pandemia, que levou trabalhadores à morte. Confira o vídeo da época, que mostra a rotina de trabalho no local.
Diante dos números, dirigentes sindicais reforçam a defesa da Norma Regulamentadora (NR) 36, que estabelece protocolos de saúde e segurança para os trabalhadores de frigoríficos.
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Conquista dos trabalhadores, a norma foi estabelecida em 2013 e consolidou avanços na prevenção de acidentes e adoecimentos no setor, destaca o vice-presidente do Sindaves, Sérgio Bolzan. Segundo o dirigente, é possível mudar a realidade do trabalho em frigoríficos, respeitando a NR 36, reduzindo o ritmo de trabalho, ampliando inovações tecnológicas e garantindo a implementação de pausas ao longo do expediente, tal como estabelece a lei. Bolzan critica, no entanto, a falta de diálogo entre empresa e sindicato, a fim de evitar acidentes de trabalho.
"Fizemos muitas tentativas de conversa com a empresa em Sidrolândia, mas não tivemos nenhuma resposta positiva da JBS. Foi então que decidimos abrir um processo judicial. O próprio juiz fez a inspeção dentro da fábrica, comprovando que o ritmo está acima dos limites da capacidade de o ser humano exercer uma atividade durante o seu trabalho no frigorífico", diz.
De acordo com a secretária de Comunicação da Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação da CUT (Contac-CUT), Geni Dalla Rosa, é preciso repensar a produção da agroindústria no Brasil no sentido de preservar a saúde dos trabalhadores.
"Além de doenças relacionadas ao ritmo de trabalho, estão acontecendo situações gravíssimas nas fábricas da JBS que vão do vazamento de amônia até acidentes que levam à morte, como vimos recentemente em Duque de Caxias (RJ), em São José (SC) e Dourados (MS). Temos discutido essas situações em todo país e feito denúncias junto a entidades internacionais. A empresa parece estar preocupada apenas com o lucro e não com a saúde e a vida dos trabalhadores e trabalhadoras", aponta.
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Situações se repetem
Depois da decisão recente da Justiça do Trabalho, avaliada como uma vitória pelas entidades sindicais, uma nova situação aconteceu envolvendo a mesma fábrica.
Houve a abertura de um inquérito civil pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) para investigar denúncias como o descompasso entre o número de aves abatidas e a capacidade humana instalada na desossa de frangos dentro da unidade de Sidrolândia (MS).
A reportagem do Brasil de Fato teve acesso à ata da primeira reunião desse inquérito, ocorrida em 31 de maio, em encontro envolvendo sindicato, procurador do Trabalho, gerente da unidade da JBS de Sidrolândia e gerente do setor de Recursos Humanos da empresa. Na mesma data, um perito fez a inspeção na fábrica para averiguar as denúncias.
Os representantes da JBS de Sidrolândia, contudo, não assinaram a ata no final da reunião. Na avaliação dos sindicalistas entrevistados, o fato demonstra a falta de compromisso da empresa diante de inúmeras denúncias apresentadas.
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Mesmo sem as assinaturas dos representantes da JBS, o documento do Ministério Público estabeleceu o prazo de 30 dias para que a empresa informe sobre a disposição ou não de aditivar o acordo coletivo para tratar de problemas identificados na fábrica.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com a JBS para ouvir a posição da empresa quanto a eventuais medidas a serem tomadas após a sentença da Justiça do Trabalho.
Também questionou sobre o inquérito civil que alerta para situações que possam potencialmente comprometer as pausas intrajornadas e levar a adoecimentos e ao aumento do absenteísmo e da rotatividade da mão de obra, como ressaltou o MPT.
Até o fechamento da matéria não houve resposta. O espaço segue aberto para o posicionamento da empresa.
Edição: Thalita Pires