Recentemente, um grupo considerável de personalidades, incluindo empresários, líderes políticos e cientistas sociais, sob a coordenação de Geyze Diniz, lançou em São Paulo o 'Pacto contra a Fome' com a meta de zerar o número de brasileiros passando fome. O encontro reuniu o ministro de Desenvolvimento Social, Wellington Dias, e o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas.
Além de políticas de segurança alimentar e nutricional, eu acredito que o objetivo maior do Pacto será atingido na medida em que se avançar em direção à Renda Básica de Cidadania Universal. As vantagens serão perceptíveis: a redução da burocracia; a eliminação de qualquer sentimento de vergonha ou estigma e a elevação do grau de liberdade e dignidade.
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Toda a sociedade ganhará com o benefício econômico a partir da ampliação do mercado de consumo, aquecimento da economia com efeito multiplicador sobre o PIB, maior arrecadação de impostos, geração de oportunidades de trabalho e desenvolvimento para valer para o povo.
Segundo a pesquisa Nós e a Desigualdade, realizada pela Oxfam em parceria com o Datafolha em 2022, 96% dos brasileiros entendem que o país deve garantir os recursos necessários para as transferências de renda. Há forte apoio, na casa de 56%, ao aumento da tributação em geral para se financiar políticas sociais. A pesquisa registra, também, um apoio massivo, de 85%, no aumento de impostos aos mais ricos desde que aplicados nas áreas sociais.
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Subsídios fiscais e a Renda Básica Universal
Relevante informação foi dada pelo governo federal: os subsídios fiscais, em 2022, último ano do governo Bolsonaro, somaram R$ 581,5 bilhões de reais, correspondendo a 5,86% do PIB, o maior patamar desde 2016. Isto aconteceu embora, em seu discurso de posse, o ministro da Economia Paulo Guedes, tivesse feito severas críticas aos "piratas privados e burocratas corruptos" que colaboravam para a criação dos incentivos.
Em 2023, segundo projeção da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), o governo federal abrirá mão de arrecadar R$ 641 bilhões em impostos. São dados importantes para pensar na viabilidade de avançamos no Brasil em direção à universalização e incondicionalidade da Renda Básica de Cidadania, como prevê a lei 10.835/2004.
Se somarmos o total dos incentivos de R$ 641 bilhões com o total previsto do orçamento do Programa Bolsa Família para 2023, de 175 bilhões de reais, chegaremos a um total de R$ 816 bilhões. Se dividirmos esta soma pelos 208 milhões de brasileiros e brasileiras, teremos R$3.923,07 per capita. Numa família de quatro pessoas, seria um total de R$ 15.692,00 por ano ou R$1.307,69 por mês, um valor próximo ao salário mínimo vigente, de R$1.320,00.
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Interessante observar que hoje a maior parte dos incentivos fiscais é destinada a pessoas de maior renda, enquanto as transferências sociais são para os mais pobres. Assim, os incentivos fiscais e creditícios podem ser considerados transferências de renda para quem detém maior riqueza, enquanto o Benefício de Prestação Continuada, o Seguro Desemprego, o Salário Família e o Bolsa Família atendem aos vulneráveis.
Lembro que, em 2016, em visita à Organização Mundial do Comércio em Genebra, perguntada se havia cometido algum erro em seu governo, a presidenta Dilma Rousseff respondeu que sim: pensando que os empresários utilizariam os subsídios para realizarem mais investimentos e criarem empregos, eles acabaram absorvendo-os na forma de lucros.
É da maior relevância que neste momento em que o Congresso Nacional examina os caminhos de uma Reforma Tributária possamos considerar, efetivamente, o caminho da concretização do disposto no §1º do Art. 1º da nova Lei Federal 14.061, do novo Programa Bolsa Família, sancionada pelo Presidente Lula em 19 de Junho de 2023: “o Programa Bolsa Família constitui etapa do processo gradual e progressivo de implementação da universalização da renda básica de cidadania, na forma estabelecida no parágrafo único do art. 6º da Constituição e no caput e no parágrafo 1º do art. 1º da Lei no. 10.835 de 08 de janeiro de 2004.” Vale ressaltar que essa previsão está no texto original da Medida Provisória 1.164/2023, o que significa que já se encontra em aplicação tal determinação.
Vale, por fim, citar Celso Furtado em sua mensagem ao presidente Lula, no dia da sanção da Lei 10.835/2004: "o Brasil, um dos últimos países a abolir o trabalho escravo, será referido como o primeiro que institui um sistema de solidariedade tão abrangente e, ademais, aprovado pelos representantes de seu povo".
*Eduardo Suplicy é deputado estadual de São Paulo pelo PT e presidente de honra da Rede Brasileira da Renda Básica
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires