Muito têm se falado sobre o processo de privatização da Eletrobras. E as críticas são muitas, vindas desde de Armínio Fraga até Lula, passando por Alexandre da Silveira, Ministro de Minas e Energia, que explicitamente diz que o modelo é criminoso.
Ocorre que assim como no saneamento, no setor energético - ambos definidos pelo mercado como Utilities ou simplesmente (Entidade de utilidade pública) - os processos de privatizações são pautados em modelos. Na teoria econômica a “modelagem” seria o artifício metodológico usado numa equação cujo o resultado seria a mudança de controle do capital e seus impactos.
Há diversos modelos de participação de empresas públicas e sua relação com capital privado, alguns mais keynesianos - mais ligados à preocupação social - e outros mais neoliberais - defendendo a menor participação possível do Estado em absolutamente tudo. Reagan, Pinochet e Thatcher são deste modelo neoliberal.
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Um modelo econômico de privatização, como o de capitalização usado na Eletrobras, envolve a transferência do controle e da propriedade de uma empresa estatal para o setor privado. A empresa emite novas ações que são vendidas aos investidores, resultando em uma diluição da participação do governo e uma maior entrada de recursos financeiros na empresa.
Esse modelo está na contramão do mundo. Para citar dois exemplos, o setor elétrico francês e de gás alemão foram reestatizados em 2022. Na Alemanha, a iniciativa veio em decorrência dos cortes de gás oriundos da Rússia. O governo alemão comprou a gigante de energia Uniper, maior importadora de gás do país.
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Optar por uma modelagem de privatização para os setores de energia e saneamento é um erro em um contexto de complexificação econômica mundial, de busca pela industrialização e soberania energética.
Caso Eletrobras
Especificamente no caso da Eletrobras, a modelagem de capitalização permitiu que o governo reduzisse sua participação na empresa de cerca de 65% para 43% e isso ocorreu por meio da emissão de novas ações e da venda delas no mercado.
Com essa redução da participação governamental, abriu-se espaço para que acionistas privados adquirissem uma parcela maior do controle da Eletrobras. A lei que permitiu a privatização da Eletrobras limita o poder de voto do governo a apenas 10% das ações, mesmo que ele detenha uma participação maior.
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Porém o modelo de capitalização usado na privatização da Eletrobras foi questionado judicialmente pelo atual governo, via Advocacia Geral da União (AGU) que questionou a privatização no Supremo Tribunal Federal (STF), argumentando que a venda da estatal viola direitos políticos da União.
Esse modelo de privatização por capitalização, como ocorrido na Eletrobras, teoricamente busca atrair investidores privados, injetar recursos na empresa e permitir uma gestão mais eficiente e voltada para o mercado.
Eletrobras e Americanas: acionistas comuns
Após revelação do escândalo na Americanas, a Associação dos Empregados da Eletrobras (AEEL) chamou a atenção para a interferência que o mesmo grupo de acionistas da varejista tem na ex-estatal, a 3G Radar, maior acionista preferencialista da Eletrobras, tem como sócios Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles, Carlos Alberto Sicupira, que são também os principais acionistas da Americanas. Deixar o setor elétrico nacional nas mãos desse grupo não é uma decisão inteligente.
A privatização da Eletrobras trará impactos na soberania energética, na qualidade dos serviços prestados e no controle sobre um recurso estratégico para o desenvolvimento do país. Também impactará em fatores como investimento em inovação e desenvolvimento tecnológico. A Eletrobras teve sua competência formada por profissionais concursados, qualificados e especializados em um know-how quase único, o que também ficará prejudicado.
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A relação entre energia e saneamento
Existe uma estreita relação entre energia e saneamento, e o custo e o controle da energia podem ter um impacto significativo no setor de saneamento.
Com base nas tecnologias atuais, o fornecimento de água potável e o tratamento de esgoto requerem energia elétrica para funcionar adequadamente - seja para o tratamento, monitoramento da qualidade da água e vazão. No tratamento de esgoto, o uso de bombas e turbinas é base para diversas tecnologias.
Hoje, segundo o Ministério de Minas e Energia, nas companhias de saneamento, esse consumo representa, em média, 12,2% dos gastos, chegando, em alguns casos, a 23,8% nas operações para tratamento de água e esgoto - agora, imagine este impacto acrescido de 25% com a privatização - essa percentual é uma projeção de especialistas como Fabiola Latino Antezana (CNU/STIU-DF) e Gilberto Cervinski (MAB).
Aumentos nos custos de energia podem afetar diretamente as despesas operacionais das empresas de saneamento, tornando mais difícil a manutenção dos serviços e o investimento em infraestrutura. Além disso, o controle da energia também é um fator importante, pois a dependência de fontes energéticas externas ou de empresas privadas pode levar a aumentos de custos e falta de autonomia para as empresas de saneamento.
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Na perspectiva do custo final ao consumidor, este custo poderá aumentar as contas de água.
Além, claro, de que os trabalhadores do setor de saneamento, podem ter seus aumentos ameaçados. Afinal os sindicatos têm negociações coletivas atuais muito duras contra as políticas de arrocho salarial. Um aumento no custo global seria um prato cheio para os defensores do lucro máximo.
Sustentabilidade
A sustentabilidade é um aspecto crucial a ser considerado na interação entre energia e saneamento.
A busca por soluções energéticas sustentáveis, como o uso de fontes renováveis, é fundamental para preservar o meio ambiente e garantir um fornecimento de energia mais limpo e seguro. A adoção de práticas sustentáveis no tratamento de água e esgoto contribui para a preservação dos recursos hídricos e redução dos impactos ambientais.
A eficiência energética nos processos de tratamento também é importante para otimizar o uso de energia e reduzir os custos operacionais das empresas de saneamento, promovendo um desenvolvimento mais sustentável e equilibrado.
Barrar as privatizações no saneamento
A privatização da Eletrobras tem um impacto direto no setor de saneamento, e barrar essa privatização é fundamental para proteger o acesso à água e ao saneamento básico, proteger os trabalhadores dessas empresas contra redução de direitos e proteger uma complexificação econômica mais estável na interoperabilidade do setor de utilities.
A infraestrutura energética desempenha um papel crucial no fornecimento de água e no tratamento de esgoto e é essencial garantir o controle e a gestão eficiente da energia para manter a qualidade e a disponibilidade dos serviços de saneamento.
Com a Eletrobras privatizada, inseriu-se a possibilidade de interesses privados priorizarem lucros em detrimento da prestação de serviços essenciais, o que pode comprometer o acesso da população ao saneamento adequado.
Barrar a privatização da Eletrobras é um passo importante para impedir privatizações no setor de saneamento. O questionamento do governo em relação à privatização da Eletrobras abre precedentes legais que podem impactar diretamente outras privatizações, incluindo as empresas de saneamento.
Se a ação judicial for favorável ao governo e for considerada inconstitucional a limitação do poder de voto da União após a privatização da Eletrobras, essa decisão pode ser estendida a outras estatais. E isso cria um cenário em que as privatizações no setor de saneamento podem ser revisadas e impedidas, preservando o acesso da população aos serviços essenciais de água e saneamento e maiores investimentos, com contas mais baratas e com uma qualidade maior.
Restando, portanto, que sociedade civil organizada - especialmente sindicatos, movimentos sociais e políticos com responsabilidade e ética com comprometimento aos direitos sociais - se mobilizem ao máximo para reestatização da Eletrobras. Criando um efeito dominó sobre outros setores, especialmente o de saneamento.
Uma luta puxa a outra. O combate às ideias nocivas de um determinado setor é, portanto, o combate a ideias nocivas a toda a sociedade.
* Lucas Tonaco é acadêmico na área de antropologia social e ciências humanas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), secretário de comunicação da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), diretor de comunicação do Sindágua-MG e membro fundador da Frente de Comunicação Urbanitária.
** Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
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Edição: Elis Almeida