A inflação de maio voltou a surpreender analistas do mercado financeiro. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado na quarta-feira (7), fechou o mês passado em 0,23%. Bancos previam que ele estivesse em 0,33% – ou seja, 0,1 ponto percentual maior.
A previsão equivocada foi incluída no Boletim Focus do Banco Central (BC) divulgado na segunda-feira (5). E não foi a única que apontava para uma situação econômica pior que a da realidade do país durante o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
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Os bancos também esperavam uma inflação maior que a real no mês de março. Apostavam em 0,77%. Ela fechou em 0,71%.
Eles erraram ainda a previsão para o crescimento da economia no primeiro trimestre do ano. O Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 1,9% nos três primeiros meses do ano na comparação com os três meses do ano passado. Os bancos estimavam crescimento de 1,3%, segundo a agência Reuters, que coletou estimativas de analistas do mercado antes da divulgação oficial.
Para Pedro Faria, economista e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), isso não é por acaso. Segundo ele, existe uma predisposição ideológica contra governos de esquerda por parte dos economistas ligados a bancos. Por conta disso, eles acabam apostando em crescimento menor e inflação maior.
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"O mercado depende muito da confiança no governo [para fazer suas previsões] e subestima as estatísticas", criticou Faria. "Eles acham que um governo de esquerda vai errar em suas decisões e isso vai impactar na economia. Não é bem assim que as coisas funcionam."
O pesquisador acredita que bancos terão de rever novas previsões nos próximos meses por excesso de pessimismo em relação a Lula. Essas revisões, aliás, são normais entre economistas, até porque cada um usa uma metodologia própria para calculá-las. Acontece que, no caso dos bancos, lembra Faria, os erros são especialmente ruins, já que acabam influenciando a economia real.
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Expectativa conta
As previsões dos bancos são levadas em conta pelo BC para definir a taxa básica de juros (Selic), por exemplo. Se os bancos preveem inflação mais alta, isso acaba sendo usado como argumento para que a Selic permaneça alta.
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Hoje, a taxa básica está em 13,75% ao ano. É uma das mais altas do mundo. O governo pede a redução há meses. O BC, por sua vez, defende sua manutenção citando as expectativas de analistas – aquelas que muitas vezes têm se mostrado equivocadas.
"O que temos visto é que o BC consulta quase na totalidade agentes do mercado financeiro. Eles têm errado sistematicamente para pior a leitura da economia brasileira. O BC usa como justificativa principal pra manutenção da taxa de juros essas expectativas", explicou Faria.
Sem argumentos
No caso específico da Selic, Faria acredita que o BC está ficando sem argumentos para a manutenção da taxa. Afinal, assim como a inflação vem caindo, o governo vem arrecadando mais do que gastando – o que indica contas públicas equilibradas.
O economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também não vê motivos para a Selic permanecer em altos patamares. Ele só espera que os resultados da economia sensibilizem o BC para que ela caia o mais rapidamente possível.
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"Grande parte da inflação era importada e tinha a ver com o que a gente chama de pressão de choque de custo. Era esperado que, conforme esses fatores fossem despressurizando, a inflação fosse diminuindo", disse Roncaglia. "O BC precisa observar isso e apontar para um caminho de afrouxamento monetário."
Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acrescentou que esse afrouxamento – ou seja, uma queda dos juros – é necessário para que a economia retome trajetória de crescimento.
"Manter as taxas de juros muito altas por muito tempo tende a gerar um problema", disse. "A inadimplência está cada vez mais alta; a economia cresceu, mas por conta da dinâmica agrícola; é preciso recuperar o setor de serviços, o comércio. Há espaço para reduzir a taxa de juros."
Edição: Felipe Mendes