Organizações indígenas, socioambientais e de direitos humanos manifestaram nesta quinta-feira (25) repúdio à aprovação do regime de urgência na votação do Projeto de Lei (PL) 490, que institui o marco temporal da demarcação de terras indígenas.
Após a Câmara aprovar a tramitação acelerada na noite de quarta-feira (24), o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que pretende colocar a matéria em votação na próxima semana.
“Ruralistas têm urgência em apagar nossa história, destruir nossos biomas, seguir com o genocídio que enfrentamos há 523 anos, para passar a boiada”, disse em nota a Articulação dos Povos Indígenas Indígenas do Brasil (Apib).
Na Câmara, o PL do Marco Temporal precisará de maioria simples para ser aprovado. O próximo passo é a apreciação pelo Senado, cujo presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) não sinalizou se pretende acelerar a tramitação antes que o Supremo Tribunal Federal (STF), retome a análise do tema no dia 7 de junho.
Ruralistas correm para evitar que Supremo decida
Os articuladores do marco temporal no Congresso são parlamentares ruralistas, bolsonaristas e do chamado “centrão”. E eles têm pressa pela aprovação e o objetivo é se antecipar ao Supremo,.
“O que estamos fazendo é para deixar claro que esse projeto precisa ser discutido no plenário desta Casa para evitar que o STF o decida”, admitiu Lira.
A análise na Corte está suspensa por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Até agora dois ministros votaram: o relator Edson Fachin, contra o marco temporal, e o ministro Nunes Marques, a favor.
Juliana Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), diz que o presidente da Câmara “afronta os outros poderes e busca intimidar o STF, imitando as crises institucionais forjadas por Bolsonaro, ao colocar o PL 490 na pauta”.
“A questão é constitucional, será judicializada e só irá gerar mais violência e insegurança jurídica, criando falsas expectativas de anulação das demarcações”, opinou a advogada em reportagem publicada no site do ISA.
Governo é criticado por liberar bancada
O regime de urgência do PL 490 foi aprovado na Câmara por 324 votos contra 131. O PT orientou sua bancada pelo voto contrário, mas o governo federal não exigiu que as siglas aliadas seguissem o partido.
“De forma questionável, a liderança do governo liberou a sua base para a votação, onde cada parlamentar vai votar segundo os seus interesses”, criticou o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que organização que monitora o orçamento público sob a ótica dos direitos humanos.
Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a postura contradiz os compromissos eleitorais do presidente Lula (PT).
“Nos causa perplexidade o fato de que o atual governo federal, que se elegeu com o compromisso de salvaguardar os direitos dos povos indígenas e avançar em sua efetivação, tenha liberado os parlamentares da base governista durante a votação da urgência deste gravíssimo projeto de lei”, escreveu o Cimi.
Marina Silva critica Congresso e fala em diálogo
A votação do marco temporal em regime de urgência engrossou a lista de derrotas do governo federal na área ambiental. Na quarta-feira (24), o Congresso aprovou parecer favorável à proposta que retira força das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, admitiu que a situação é desfavorável ao governo federal e falou em “diálogo” para reverter os retrocessos no Legislativo,
"Uma parte do Congresso, que é a maioria, quer impor ao governo eleito do presidente Lula o modelo de gestão do governo Bolsonaro", avaliou.
“Genocídio legislado”, dizem mulheres indígenas no governo
A ministra do Ministério dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, chamou o PL de “genocídio legislado”. “É uma teoria que inverte toda história do Brasil. Um projeto de lei que atenta contra a constituição brasileira”, escreveu nas redes sociais.
O posicionamento foi seguido pela presidenta da Funai, Joenia Wapichana. “Aprovar a urgência do PL 490/07 e da MP 1154/2023 é negar a história, os direitos e a dignidade dos povos indígenas”, publicou.
A coordenadora da Frente Parlamentar dos Povos Indígenas, deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), disse que a votação em regime de urgência é obra de um “Congresso assassino”.
“Enquanto mulher indígena e presidente da bancada do cocar, irei fazer o possível para enfrentar a bancada ruralista. Ninguém gosta de falar em genocídio aqui, mas [o PL 490] é um genocídio legislado”, afirmou a parlamentar.
O que é o marco temporal das terras indígenas?
O marco temporal é uma tese jurídica defendida pelo agronegócio, repudiada pelas organizações indígenas e considerada inconstitucional por juristas e advogados - indígenas e não indígenas.
A proposta muda radicalmente o critério para demarcações ao estabelecer que apenas as terras já ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988 - data da promulgação da Constituição - podem ser reivindicadas por eles.
:: Povos originários defendem demarcação de terras para enfrentar crise climática ::
Um grupo indígena que tenha ocupado um território por séculos, mas que não estivesse no local na data exata estabelecida pelo marco temporal, pode ficar sem direito à demarcação.
A maioria das lideranças indígenas e especialistas consideram que o critério poderá paralisar novas demarcações e também permitir o questionamento na Justiça de processos demarcatórios já concluídos.
Edição: Rodrigo Durão Coelho