O empréstimo concedido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) à Argentina em 2018 excedeu 127 vezes a capacidade de endividamento que o país teria com o órgão financeiro. Esta foi uma das conclusões do relatório da Auditoria Geral da Nação (AGN), divulgado na noite desta quarta-feira (17), que aponta uma série de irregularidades no processo de empréstimo acordado com o governo do ex-presidente argentino Mauricio Macri (Proposta Republicana).
Responsável pelo controle da legalidade e gestão da atividade estatal, a AGN focou a investigação nos procedimentos que garantissem a gestão eficiente e efetiva da dívida. O colégio ressaltou a importância deste estudo por tratar-se de "um empréstimo extraordinário e excepcionalmente alto", tendo sido o mais alto da história da Argentina e do próprio FMI.
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O valor outorgado foi de 57 bilhões de dólares, dos quais foram desembolsados "apenas" 44.867 bilhões, quase 45 bilhões de dólares.
Foram avaliadas as normas e práticas internacionais; a eficiência, transparência e efetividade; o endividamento responsável; e a solvência e sustentabilidade da dívida.
O relatório da auditoria destacou "relevantes incumprimentos normativos, como a falta de autorização do endividamento, a omissão na aplicação dos processos específicos para empréstimos multilaterais, a inexistência do parecer do Banco Central da República Argentina sobre o impacto da operação na balança de pagamentos e a assinatura do Acordo por parte de funcionários sem faculdades legais para fazê-lo".
Como primeiro ponto destacado pelo estudo, o acordo com o FMI foi assinado pelo então Ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, sem faculdades legais para gerir ou autorizar a dívida pública. Quem deveria fazê-lo seria o Ministério de Finanças, Luis Caputto.
O acordo do governo Macri com o FMI, segundo a AGN, também violou o artigo 61 da Lei de Administração Financeira, que estabelece que o Banco Central deve emitir uma avaliação de riscos e impactos na balança de pagamentos antes de contrair uma dívida externa. Além disso, também constatou a ausência de um decreto ou votação no Congresso Nacional que aprovasse o empréstimo multilateral, conforme previsto por lei.
Com relação ao destino do valor executado pelo governo Macri, o relatório avalia que 70% do dinheiro foi utilizado para o cancelamento de dívidas e 30% foi destinado à formação de ativos externos, fenômeno mais conhecido como fuga de capitais – ou seja, a retirada de divisas do país.
Acordo político
A notícia repercute no país como uma confirmação de que o entendimento de Macri com o FMI foi um acordo político, excedendo as leis do país e inclusive as normas do Fundo. A vice-presidenta Cristina Kirchner compartilhou o vídeo publicado pela AGN, resumindo as conclusões do estudo.
"Não é a opinião de um partido político nem de um dirigente opositor, é o resultado do relatório aprovado pela Auditoria Geral da Nação que detalha uma enorme quantidade de violações à lei cometidas no outorgamento e posterior execução do empréstimo do Fundo Monetário Internacional", escreveu Kirchner. "É escandaloso o que fizeram e o que aconteceu!", concluiu.
Acuerdo FMI. Primera parte.
— Cristina Kirchner (@CFKArgentina) May 18, 2023
Lo que vas a ver y escuchar en este video de 5:16 minutos no es la opinión de un partido político ni de un dirigente opositor, es el resultado del informe aprobado por la Auditoría General de la Nación que detalla la enorme cantidad de violaciones a… pic.twitter.com/0hX7Jkm2v1
O relatório reforça algo que o próprio FMI havia assumido em 2021 a respeito do empréstimo à Argentina. A pedido do presidente Alberto Fernández, que sucedeu a gestão de Macri, o FMI realizou uma investigação interna na qual concluiu que "o programa não cumpriu seus objetivos" e reconhece que "o aumento do reembolsos, junto à fuga de capitais dos residentes, exerceu uma pressão considerável sobre o tipo de câmbio", ou seja, no aumento do dólar e desvalorização da moeda nacional, o peso argentino.
As conclusões dos funcionários do FMI sintetizadas no documento interno, no entanto, consistem em uma formalidade, e não interferem no processo de acordo e exigências de pagamento da dívida por parte da Argentina.
Edição: Nicolau Soares