O ministro da Fazenda em exercício, Gabriel Galípolo, teve uma sexta-feira agitada na capital paulista. No mesmo dia em que foi eleito presidente do Conselho de Administração do Banco do Brasil (BB), ele teve compromissos que, à primeira vista, poderiam parecer incompatíveis.
Horas depois de visitar o epicentro do mercado financeiro do país, a chamada Faria Lima, se deslocou por quase 10 quilômetros até o Parque da Água Branca, no bairro de Perdizes, para visitar a Feira Nacional da Reforma Agrária.
Bem alimentado - como fez questão de frisar após comer alguns dos produtos que estão sendo oferecidos na feira - ele conversou com o Brasil de Fato e se disse disposto ao diálogo com todos os setores da sociedade.
Titular do cargo de secretário-executivo do ministério da Fazenda (o "número dois" da pasta, que faz com que assuma a chefia na ausência do ministro Fernando Haddad, como é o caso neste momento), ele foi indicado por Haddad e Lula para a diretoria de Políticas Monetárias do Banco Central.
Confira a íntegra da entrevista abaixo:
Brasil de Fato: O senhor veio para a Feira Nacional da Reforma Agrária do MST, para fazer uma visita e conhecer os produtos. Quais são as políticas estruturantes que o Ministério da Fazenda está pensando, agora, para investir na agricultura familiar e camponesa?
Gabriel Galípolo: Sobre os produtos, eu já tive o privilégio de experimentar porque vim aqui num dia que não tinha tomado café da manhã, nem almoçado, e tinha uma mesa maravilhosa de alimentos. Consegui comer e estava uma delícia, estou muito bem alimentado graças a vocês [do MST].
A gente vem conversando sobre uma série de políticas, desde políticas que melhoram o ambiente do ponto de vista legal, para permitir que se tenha acesso a crédito, permitir que você tenha todos os mecanismos funcionando a contento para que chegue para a produção, e também medidas à semelhança do que existe, por exemplo, com o Plano Safra. Que você possa ter algum tipo de recurso fiscal destacado, evidente, claro e transparente, para que ele permita que você tenha acesso a taxas de juros e financiamento que viabilizem e ampliem a produção, a modernização, o acesso a tudo que é necessário.
Todos os casos em que a gente tiver um subsídio, algum tipo de esforço fiscal, e se justifique, do ponto de vista da sociedade, do benefício que traz para a população, tanto do ponto de vista da sustentabilidade econômica, de geração de renda e emprego, da questão ambiental, da sustentabilidade ambiental e da questão social, a gente não tem que ter vergonha de fazer. É só a gente fazer isso de maneira transparente, clara e evidente, porque aquilo vai se justificar do ponto de vista de retorno para a sociedade. Então é nessa lógica que se inserem esses debates que a gente está fazendo sobre as políticas, hoje.
Agora como secretário, o que você pensa da reforma agrária como uma alternativa para combater a fome no Brasil?
Eu dei aula de economia durante um tempo. Eu fazia uma coisa muito estranha, que era dar para meus alunos de economia ler um livro de economia americano chamado Vinhas da Ira. É um livro sem o qual você não consegue entender a formação do capitalismo norteamericano, e como se deu a mudança de uma produção agrícola que era absolutamente extensiva para uma produção que era mais produtiva, intensiva e distribuída, ali.
Então, acho que esse é um tema que vários países enfrentaram no século passado, e o Brasil vai ter que enfrentá-lo à luz das transformações que nós temos hoje. Isso envolve que, para além dos temas que a gente tinha, do passado, a gente carrega, agora, o tema da sustentabilidade ambiental e da questão social, por causa das mudanças das relações de trabalho.
Lembro que na faculdade tinha muita discussão se o tema era você dar a propriedade para a pessoa ou ter uma produção que fosse intensiva, mas sem dar a propriedade. Hoje nós já estamos migrando para relações de trabalho onde o produtor direto tá mais diretamente relacionado com o meio de produção, com outras formas de arranjo.
Vai ser um trabalho permanente, não vai ser uma coisa que vai se resolver de uma vez, mas a gente tem que encarar, vencer essas dívidas que a gente tem no passado, à luz de quais são os novos desafios para o Século 21.
Tem uma indicação do senhor para o Banco Central. Ela tem um significado importante para o governo, uma sinalização importante, tanto do ponto de vista do enfrentamento que há no momento, como do ponto de vista de sua carreira, uma sucessão, por exemplo, do próprio Roberto Campos Neto. Como o senhor tem visto e levado essa indicação a partir desse contexto?
Para mim, é a honra e a satisfação de ser indicado pelo presidente da República e pelo ministro Fernando Haddad para um cargo de tanta relevância. A aprovação está sujeita, ainda, a passar pelo Senado, pela CAE [Comissão de Assuntos Econômicos], é apenas uma indicação, mas nesse "apenas" é um "apenas" que vem com uma indicação do presidente Lula e do ministro Fernando Haddad, então estou muito honrado, muito feliz pela confiança que os dois estão depositando em mim.
O senhor falou sobre a felicidade da indicação, e vi uma reportagem esses dias falando sobre como o mercado também tem reagido bem a isso. Como esses conflitos [entre Governo e setores do mercado] podem ser sanados, com essa indicação?
Sempre saem matérias em todos os sentidos, ali, mas você tem razão quando a gente olha para o preço dos ativos. Eu gosto de olhar mais os preços para ver o que está acontecendo. E os preços reagiram bem. Eu acho que existe uma missão histórica do governo Lula, que é de reconstruir uma normalidade política e afastar o fascismo.
A gente precisa voltar a ter um espectro político democrático dentro do país, em que a concorrência, a competição é absolutamente normal, mas dentro desse espectro político democrático. O diálogo é o ponto essencial. A gente tem que dialogar com todo mundo. Eu vim agora diretamente de um evento da Faria Lima para cá [para a Feira Nacional da Reforma Agrária].
O ponto para a gente, importante, é isso: vão existir opiniões divergentes, isso existe, mesmo, mas a gente precisa voltar a conviver com a ideia de que as opiniões divergentes podem ser dirimidas e resolvidas com diálogo, da maneira mais republicana possível, e aberta com a sociedade.
Edição: Rodrigo Durão Coelho