Economia

Haddad na Fazenda corre contra o tempo para mostrar resultados e vencer desconfiança do mercado

Futuro ministro da Economia tenta equilibrar expectativas de Lula e da esquerda com pressões do setor financeiro

Brasília (DF) |

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Fernando Haddad, de 59 anos, já começou a montar sua equipe no ministério e sinaliza busca por equilíbrio - Evaristo Sá/AFP

O anúncio de Fernando Haddad para comandar o ministério da Fazenda, no dia 9, inaugurou uma nova fase no noticiário brasileiro. Especulações e projeções sobre os rumos da política macroeconômica, da inflação e da taxa de juros passaram a ter papel central nas expectativas criadas para o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Desde que venceu as eleições, no dia 31 de outubro, o presidente eleito convive com a desconfiança do mercado financeiro e do seu poderoso braço midiático. Afinal, a sua primeira trincheira aberta no campo econômico foi justamente contra o teto de gastos, que segundo ele privilegiaria o sistema financista em detrimento das políticas sociais.

“Se não resolvermos problemas sociais, não vale a pena recuperar esse país. Não adianta só pensar em responsabilidade fiscal, temos de pensar em responsabilidade social”, disse Lula em 17 de novembro, mesmo dia em que o governo de transição enviou a minuta da PEC da transição ao Congresso Nacional.

Nesta semana, o ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo anunciou dois nomes com passagens no mercado financeiro para cargos importantes na pasta da Economia: Gabriel Galípolo, como secretário-executivo, e Bernand Appy, como secretário especial da reforma tributária, cargo semelhante ao que ocupou entre 2007 e 2009 durante o segundo governo Lula.

Para Rubens Sawaya, professor de Economia da PUC-SP, a decisão foi acertada e ajudou a esfriar os ânimos. “Ambos os nomes são uma grande jogada do Haddad, porque ninguém pode reclamar. Como vão reclamar de um sujeito que vem do banco Fator e outro que foi pago pelos bancos para fazer o projeto de reforma tributária que os bancos querem?”, questiona.

Sawaya faz referência à grande possibilidade de aprovação do modelo de reforma desenvolvido por Appy, considerado um dos grandes nomes na área de política tributária do país. “Não é a reforma que a gente deseja e não trará mudanças profundas no sistema, apesar de aperfeiçoamentos favoráveis às empresas. Aquela que a gente realmente deseja diminuiria a tributação sobre o consumo e passaria a tributar mais as grandes fortunas”, evoca. 

Já o economista Samuel Pessôa, pesquisador associado da FGV-Ibre, é entusiasta  da simplificação dos impostos indiretos que incidem a produção, ISS, ICMS, PIS/Cofins e IPI. Mesmo assim, ele acredita que uma mudança significativa só ocorreria se envolvesse a revisão dos regimes especiais usados por empresas, “como escritórios de advocacia, onde o cara ganha R$ 300 mil por mês e paga só 5% de impostos”.

“Acho muito difícil haver espaço para ganho de receita com essa PEC, vai gerar ganho de receita daqui 15 anos com aumento da eficiência, reduzir litígios, gerar crescimento econômico”, explica Pessôa. 

Boa vontade com Haddad depende de resultados

Economistas de correntes consideradas mais heterodoxas, menos apegadas à fórmula do tripé macroeconômico aplicada por Paulo Guedes e outros ex-ministros da Economia, dizem que o maior inimigo de Haddad é o curto tempo disponível para amansar o mercado. Durante a coletiva de imprensa em que foi nomeado, o ex-prefeito de São Paulo foi cobrado por Lula, em tom de brincadeira, para mostrar resultados logo. 

Sua equipe precisará encontrar soluções para, ao mesmo tempo, otimizar os gastos públicos e impulsionar o crescimento econômico. E ainda substituir o malfadado teto de gastos por uma nova âncora fiscal e por Parcerias Público Privadas, conforme o próprio Haddad disse que faria nesta quarta-feira (14).

Sawaya sabe que o caminho é repleto de obstáculos e pressões não apenas externas. Ele se refere ao fato de a taxa de juros básica, por exemplo, ser expedida pelo Banco Central, que é independente do governo e segue os desígnios do boletim Focus. 

“O problema do mercado mesmo é que deseja ter o controle total da política macroeconômica. Qualquer coisa que lhes tire algum controle, eles reclamam, a bolsa cai, vai lá o presidente do Banco Central anunciar que a taxa de juros vai subir e a inflação vai explodir. Todo esse catastrofismo que sempre existiu e que teremos que conviver”, aponta.
 
Por outro lado, defensores de políticas econômicas mais ortodoxas, que já estavam céticos quanto a Haddad, fizeram barulho após o anúncio de Aloizio Mercadante para a presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Para eles, o coordenador do governo de transição e quadro histórico petista representa um modelo desenvolvimentista anacrônico atualmente.

A notícia refletiu na bolsa de valores, que acumulou baixas durante essa semana, e foi associado a sinais de “gastança” e “irresponsabilidade”. Um enredo puxado desde que o Congresso passou a analisar a PEC da Transição e que retiraria a responsabilidade fiscal do papel de bússola da equipe econômica.

É o caso de Samuel Pessôa, que também é sócio-diretor da consultoria financeira Julius Baer Family Office. Para ele, a “prioridade zero” do governo será tapar o buraco fiscal aberto após anos de “gestão eficiente” na política econômica. 

“Já supondo essa PEC de R$ 150 bilhões, o buraco fiscal será de R$ 350 bi. Ou seja, o presidente Lula, com auxílio de seus ministros, terá que construir um plano que convença a sociedade de que ele conseguirá reduzir o gasto público, os subsídios e elevar receita. Uma combinação dessas três coisas, que somado gere todo ano R$ 350 bi de resultado para o PIB brasileiro”, afirma Pessôa, que sentencia: “Se ele não construir esse consenso, isso sinaliza que a gente está caminhando para a inflação persistente, como é o caso da Argentina, e aí é o pior dos mundos”.

Em contrapartida, Sawaya acredita que a economia poderia ser impulsionada com a retomada de investimentos públicos via BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Na sua visão, os bancos privados “detestam” esses mecanismos por uma questão de concorrência direta. 

“Quando os bancos públicos dão empréstimos, você tem que abrir uma conta lá e acaba fechando outra conta no Itaú e Bradesco. Isso rouba a fonte de recursos especulativos dos depósitos a vista, a prazo, outros negócios que envolvem os clientes”, afirma. Sobre os empréstimos de longo prazo do BNDES, as instituições privadas perderiam “a oportunidade de financiar as empresas com as taxas de juros escorchantes de curto prazo”.

Perfil de Haddad ajuda a amenizar críticas

Advogado e professor de Ciência Política, Haddad tem mestrado em economia e ganhou projeção nacional após ser candidato à presidência em 2018. Longevo ministro da Educação de Lula, foi prefeito de São Paulo e perdeu a disputa ao governo do estado esse ano.

Apesar do insucesso, mostrou ter amadurecido como político e não costuma ser associado a problemas de gestão nem por críticos à esquerda. “Eu tenho uma boa impressão do Fernando Haddad. Acho que ele vai sim ser conservador, cortar gastos, tentar fazer uma limpeza. Ele vai fazer o melhor que pode. Ele é um homem experimentado (...). E acho que ele tem total condição de dialogar com a Faria Lima, com o mercado”, afirma Pessôa.

Sobre a sua primeira derrota eleitoral relevante, na tentativa de reeleição à prefeitura da capital paulista, em 2016, Sawaya recorre a outras explicações. “Ele sofreu a derrota muito mais pelo antipetismo do que pela qualidade da gestão. Claro, a qualidade da gestão dele, quando se trata de orçamento, não é uma coisa que aparece muito. Mas ele estava cercado de economistas de alto gabarito, que sabiam fazer as contas, assim como o próprio Haddad”, explica.

Diante de críticas e de certo pânico com a situação fiscal, Haddad tem afirmado que buscará maneiras de corrigir as ineficiências do governo Bolsonaro, inclusive na alocação de recursos sociais. Ele também tem evitado a associação com uma visão de estado inflado e inoperante com argumentos de que a União deve estar preparada para pagar contas, investir em Saúde, Educação, infraestrutura estratégica e ainda aguentar choques externos.

Além de Lula, o futuro ministro possui amplo apoio do próximo governo e de parte importante do Parlamento, especialmente dos partidos que compõem a base. “Não há o que se falar de irresponsabilidade ou coisa do tipo. Estamos falando do presidente Lula que deixou o Brasil com os mais altos índices de investimento e o próprio Haddad que, quando governou a cidade de São Paulo, já mostraram que é possível compatibilizar isso. Agora, é óbvio que o programa eleito nas urnas precisa ser respeitado e a prioridade é tirar as pessoas da miséria”, conclama Natália Benevides (PT-RN).
 

Edição: Rodrigo Durão Coelho