Famílias que vivem em favelas da região metropolitana do Rio de Janeiro pagam, em média, uma conta de luz duas vezes maior do que a capacidade de pagamento declarada e boa parte delas gastaria mais com comida caso a tarifa fosse diminuída. Os dados fazem parte do relatório Eficiência Energética nas Favelas", elaborado pela Rede Favela Sustentável (RFS) e pelo Painel Unificador das Favelas (PUF).
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A elaboração do documento contou com a participação de 45 jovens e lideranças de 15 favelas do Grande Rio e é resultado do curso "Monitorando a Justiça Hídrica e Energética nas Favelas". Realizado durante o mesmo período de 2022 em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou o censo, a pesquisa reflete a realidade de 1.156 famílias (4.164 pessoas) e apresenta a relação da energia com a pobreza e a desigualdade social.
Outro problema que aparece no documento é o desconhecimento da grande maioria dos entrevistados sobre a tarifa social, que possibilita cobrança mais barata a pessoas de baixa renda. Segundo o relatório, 68,7% dos entrevistados (794 pessoas) não conhecem a Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE).
"Cerca de 59,55% das famílias atendem ao critério de renda para usufruir da Tarifa Social, entretanto somente 8,04% das famílias afirmaram receber o benefício, enquanto 90,4% das famílias que atendem ao critério de renda para ter o benefício afirmam não recebê-lo", aponta a pesquisa.
Outra disparidade diz respeito ao direito de reclamação de consumidores junto às companhias elétricas: 73% das famílias que ganham até meio salário mínimo afirmaram não fazer reclamações ou solicitar serviços para a Light. Conforme a renda aumenta, o conforto em buscar a concessionária aumenta: só 33% dos acima de quatro salários dizem não fazer reclamações à Light.
Sem luz
O relatório informa, ainda, que 55,2% das pessoas representadas na pesquisa se encontram abaixo da linha da pobreza, ou seja, vivem com renda familiar per capita mensal de até R$ 497. Além disso, 41,5% das famílias que ganham até meio salário mínimo ficaram, nos últimos três
meses, mais de 24 horas sem luz. Entre famílias que ganham de dois a três salários mínimos, foram 23%; outras 32,1% já perderam eletrodomésticos por causa de falhas na rede elétrica.
Para Kayo Moura, que é cientista social e estatístico em formação, integrante do laboratório de narrativas e dados do Jacarezinho, LabJaca, e foi responsável pela análise, a "injustiça energética" é espelho das desigualdades sociais.
"O mais interessante [desta pesquisa] foi entender que, quando a gente está falando do debate sobre eficiência energética nas favelas, nas periferias, no Sul Global, estamos falando de um debate sobre justiça, sobre acesso. Se tivesse que definir o relatório em um argumento seria: a ineficiência energética acaba funcionando como uma ferramenta de injustiça energética, sobretudo nas favelas do Brasil", comenta ele.
Olha de dentro
Morador da comunidade Coréia, em Mesquita, na Baixada Fluminense, Matheus Botelho vive não apenas a realidade de precariedade dos serviços, como também acompanhou de perto, como pesquisador para o relatório, a realidade das favelas. Ele contou que o documento desfaz alguns mitos, como o de que relaciona as comunidades à ligação de luz com "gato" e ao desperdício de energia.
"Mas alguém tem acesso às histórias de moradores que precisaram comprar o próprio poste e o fio para conseguirem ter acesso à energia? Como falar sobre eficiência ou 'gato' para uma pessoa que não tem seu direito respeitado ao acesso que deveria ser garantido?", questiona o jovem pesquisador.
Matheus ressaltou a importância de citar a voz que foi dada aos moradores de diversas comunidades, o que resultou na produção de um material "que vem de dentro para fora".
"Mesmo com as dificuldades impostas, esses moradores apagam a luz ao sair de um ambiente, desligam a TV quando não estão assistindo, juntam roupas para lavar de uma só vez na máquina. Podem não ter direito ao acesso garantido, mas contribuem para a eficiência energética para a comunidade", completa ele.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse