Apesar das projeções otimistas que surgiram em 2022 sobre uma possível reaproximação entre Venezuela e Estados Unidos, os países pouco avançaram em contatos políticos e econômicos. A licença concedida pelo governo dos EUA à petroleira Chevron, em novembro do ano passado, foi o último alívio significativo de sanções, e o acordo entre governo e oposição venezuelana que previa a liberação de mais de US$ 3 bilhões em recursos estatais da Venezuela bloqueados no exterior ainda não foi cumprido.
As últimas tentativas de reativar os diálogos entre Caracas e opositores estão sendo realizadas pelo presidente colombiano Gustavo Petro, que já convocou uma conferência internacional para o próximo dia 25 de abril em prol das negociações no país vizinho.
Enquanto isso, o governo venezuelano segue aprofundando suas relações com dois países que se tornaram aliados estratégicos nos últimos anos e auxiliaram Caracas a diminuir os impactos negativos do bloqueio: Rússia e China.
Nas últimas semanas, a Câmara de Comércio Russo-Venezuelana anunciou que os países estão próximos de concretizar um projeto de corredor marítimo comercial entre a cidade portuária de Puerto Cabello e algum porto russo a ser definido. Já Pequim convidou a Venezuela para integrar o projeto da Estação Internacional de Pesquisa Lunar, que planeja a construção de uma base na Lua até o ano de 2030.
"A necessidade de buscar saídas ao bloqueio obrigou a Venezuela a abrir novas rotas de relações", analisa a economista venezuelana Osly Hernández. Em entrevista ao Brasil de Fato, a mestre em Cooperação Econômica Internacional pela Universidade de Negócios e Economia da China (UIBE) afirma os laços de Caracas com outros polos de poder são mais sólidos do que as conversas com os EUA, que têm "pernas curtas".
"Isso implica dizer que estamos em uma era multipolar. Temos a China que vem se impondo como primeira economia do mundo, a Rússia que vem buscando seu espaço, a Índia que também possui seus aportes e, no final, todos esses países estão reunidos no Brics, no qual o Brasil também volta a ter um papel com a chegada de Lula ao poder", disse.
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Sobre as novas alianças tecnológicas com a China, Hernández aponta que elas já vêm ocorrendo desde que Pequim lançou o primeiro satélite venezuelano, em 2008. A economista afirma que não só Caracas, mas outros países sul-americanos podem ter papel significativo no fornecimento de matérias-primas importantes para projetos espaciais.
"Já houve uma cooperação entre China e Venezuela em matéria de tecnologia, mas agora eu acredito que virá uma cooperação que tem a ver com produtos estratégicos que a Venezuela possui para favorecer a corrida tecnológica em termos de produção e indústria. O triângulo entre Venezuela, Bolívia e Argentina, em toda essa área há uma grande quantidade de recursos que são vitais para o desenvolvimento tecnológico e essa balança pode gerar um bloco mais fortalecido do que temos na atualidade", afirma.
Lavrov em Caracas
As parcerias entre Rússia e Venezuela também ganharam destaque na última semana após a visita do chanceler russo, Serguei Lavrov, a Caracas. O ministro firmou acordos de cooperação e se reuniu com seu homólogo venezuelano, Yván Gil, com a vice-presidenta, Delcy Rodríguez, e com o presidente Nicolás Maduro.
À imprensa, Lavrov chegou a afirmar que "a Venezuela é um dos parceiros mais confiáveis da Rússia" e que Moscou fará o possível para que o país sul-americano se torne cada vez menos dependente "dos caprichos" dos Estados Unidos.
"Faremos todo o possível para garantir que a economia venezuelana se torne cada vez menos dependente dos caprichos e jogos geopolíticos dos Estados Unidos ou de alguns outros atores do campo ocidental. Estou convencido de que nossa experiência será útil aos amigos venezuelanos, porque em número de sanções já somos campeões mundiais e estamos acumulando experiência rapidamente", disse.
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Ainda segundo o chanceler, ele e Gil abordaram a possibilidade de implementar novos mecanismos de pagamentos internacionais que buscam contornar o uso do dólar.
"Está sendo criado e é uma alternativa à empresa internacional SWIFT. Os bancos estão trabalhando nisso, e também com o cartão Mir, que permitirá que os turistas russos paguem diretamente na Venezuela, contornando grandes corporações transnacionais", afirmou.
Ambos os países sofrem com sanções econômicas e financeiras por parte dos EUA que dificultam transações internacionais. No caso da Venezuela, o país tem sua empresa estatal petroleira sancionada por Washington desde 2018 e as medidas praticamente impediram as negociações tradicionais, forçando Caracas a buscar novos sócios comerciais e métodos de pagamentos alternativos.
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Para Miguel Jaimes, doutor em geopolítica petroleira, desafiar a hegemonia do dólar significaria para a Venezuela a possibilidade de começar a recuperar sua capacidade produtiva, apenas se tiver parceiros significativos que a respaldem nesse processo.
"Na América Latina e no Caribe estamos muito amarrados e comprometidos com o dólar, mas isso não significa que esses tempos permanecerão assim. Não estou dizendo que devemos renunciar ao dólar, pois ele ainda tem muita força, isso realmente é inegável, mas isso não nos impede de planejar e realizar transações com outras moedas", afirma.
Novas moedas, novos desafios
O reposicionamento geopolítico de países vizinhos sul-americanos também poderia beneficiar os planos da Venezuela de se distanciar de espaços financeiros dominados pelo dólar para contornar os efeitos negativos das sanções.
Durante sua viagem à China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a criticar a hegemonia do dólar e citou a possibilidade de países do Brics realizarem pagamentos com suas próprias moedas. Além disso, quando esteve na Argentina em janeiro, Lula já havia mencionado o projeto de uma moeda comum sul-americana que poderia servir para o comércio intrarregional.
Para a economista Osly Hernández, o fato de propostas como essas partirem do Brasil confere aos projetos um peso geopolítico e econômico importante, tornando mais factível a concretização de alternativas financeiras.
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"Para a Venezuela, é imprescindível que o presidente Lula assuma novamente essa proposta, a coloque sobre a mesa e, além disso, a dirija com potencial econômico. Porque essa sempre foi a intenção, sendo o Brasil o gigante econômico do Sul, ele teria que assumir a dianteira da proposta de uma moeda comum sul-americana", diz.
Já sobre o impacto de novas medidas financeiras no Brics, Hernández aponta que todos os membros teriam um papel a cumprir, mas que a China deve ser mais ativa para que possa se firmar frente aos EUA também como uma potência monetária.
"É claro que seria conveniente à China poder ter uma referência econômica distinta ao dólar na sua tentativa de consolidar o yuan e dar maior amplitude internacional à moeda, que é o único elemento que falta para a China poder realmente se consolidar como a primeira economia do mundo", afirma.
Edição: Thales Schmidt