O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) embarca nesta terça-feira (11) rumo à China, maior parceira comercial do Brasil desde 2009. O presidente deve permanecer no país asiático de quarta (12) até sábado (15). Participará de encontros bilaterais e terá como missão buscar parcerias para reduzir o desequilíbrio do comércio entre as duas nações.
Os dois países negociaram mais de US$150 bilhões – cerca de R$ 750 bilhões– em produtos e serviços durante o ano passado, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). Em 2022, o Brasil obteve um superávit de US$ 28,7 bilhões (quase R$ 150 bi) –isto é, exportou mais que importou.
Esse resultado é inegavelmente positivo para o Brasil, segundo economistas ouvidos pelo Brasil de Fato. Mobiliza nosso setor produtivo, gera divisas internacionais e deixa nossa economia mais forte frente a crises externas.
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Ele, contudo, é insuficiente para explicar toda a complexidade que envolve os negócios entre Brasil e China. Não mostra que, apesar do superávit brasileiro, quem mais se beneficia do comércio entre as duas nações são os chineses. Não pela quantidade de produtos comprados ou vendidos, mas pela qualidade deles e pelo desenvolvimento que eles geram internamente.
“A nossa pauta de exportação para China está muito ligada a produtos primários: soja, minério de ferro e petróleo. Por outro lado, a pauta de exportação da China, tem muito mais produtos com maior teor tecnológico”, explicou a economista Diana Chaib, que estuda os impactos do comércio entre os dois países num programa de doutorado do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“O agronegócio e o setor minerário dependem de muito pouca mão-de-obra. Isso é ruim para economia brasileira, porque não gera emprego e também porque esses setores incorporam muito pouca tecnologia em suas cadeias”, complementou Pedro Faria, que também é economista e pesquisador do Cedeplar-UFMG.
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Inversão de papéis
Faria afirmou que a relação comercial entre Brasil e China mudou, principalmente, a partir do final dos anos de 1970. Segundo ele, até lá, quem vendia produtos industrializados era o Brasil. Os chineses, curiosamente, vinham para cá aprender sobre manufaturas.
Desde então, políticas de Estado incentivaram a industrialização do país asiático. A partir do final dos anos 1990, milhões de trabalhadores chineses migraram para grandes cidades do país para trabalhar na indústria.
Isso criou uma enorme demanda por ferro e aço para construção de casas e infraestrutura em metrópoles. Criou também demanda por produtos agrícolas para alimentação de todos esses trabalhadores.
O Brasil, que antes exportava industrializados, perdeu a concorrência com produtos chineses. Passou a suprir as necessidades de matéria-prima do país, e ganhou muito com isso na primeira década do século 21.
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De 2000 a 2010, o valor das exportações multiplicaram-se por 30, segundo Diana Chaib: saíram de US$ 1,1 bilhão para US$ 30,8 bilhões. A China passou a comprar 15% do que o Brasil exporta, em valores.
Em variedade de produtos, no entanto, as importações chinesas vindas do Brasil ficaram muito concentradas, ressaltou o economista Bruno de Conti, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador Centro de Estudos Brasil-China (Cebc) da universidade.
“Minério de ferro, soja e petróleo são 80% das nossas exportações para China”, ressaltou ele. “Se pegarmos os dez produtos mais exportados [entram carnes, açúcar e tabaco, por exemplo], chega-se a 91% de todo valor das exportações. É muito concentrado.”
Riscos ao Brasil
De Conti disse que, ao basear seu comércio com a China nesse tipo de produto, o Brasil expõe sua economia a riscos consideráveis. Segundo ele, os preços de produtos como soja e petróleo variam muito dependendo de condições alheias ao controle brasileiro, mas com eventual impacto significativo sobre nossa economia.
“As commodities têm preços super voláteis. Houve momentos em que houve uma bolha, e isso nos beneficiou. Mas em pouco tempo esses preços podem cair muito”, explicou o economista. “Exportando commodities, a gente fica sujeito a essa maré.”
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O economista Célio Hiratuka, também professor da Unicamp e coordenador do Cebc, também lembrou que a produção de commodities para exportação gera riscos ambientais e sociais inerentes a essa atividade. Segundo ele, mesmo que o agronegócio e o setor de mineração cumpram com toda legislação nacional para proteção do meio ambiente e dos trabalhadores, a expansão deles gera questões que precisam ser consideradas.
“Existem projetos para escoamento da soja via o chamado Arco Norte [portos da região Norte do país]”, exemplificou. “Para ligar o Centro-Oeste a esses portos, serão necessárias rodovias e ferrovias que vão atravessar o bioma amazônico. Tem uma população local que pode sofrer esses impactos.”
Mudança necessária
Por essa e outras razões, Hiratuka defende que o Brasil aja por uma relação diferente com a China. Primeiro, para que o Brasil não esteja tão dependente do país asiático. Depois, porque a demanda da China por commodities já não vai crescer como cresceu no passado, já que o êxodo rural chinês dá sinais de que está perto do fim.
“Esse espaço que a gente teve vai deixar de existir. A China vai começar a demandar produtos mais sofisticados”, afirmou. “Por isso, a relação tem que deixar de ser uma relação só comercial e expandir-se para outras: investimento direto, em infraestrutura, parcerias tecnológicas.”
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Hiratuka disse que a China pode ser uma grande parceira do Brasil para a reindustrialização do país, um dos grande objetivos deste novo governo. Para ele, dificilmente o Brasil passaria a exportar celulares e painéis solares para a China, já que o país asiático detém tecnologia para produção de ambos e atualmente exporta esses produtos ao Brasil. Contudo, se a China investisse nesses setores no Brasil, nosso país poderia exportar esse tipo de produtos para América Latina, por exemplo, nos beneficiando e beneficiando empresários chineses também.
“O Brasil precisa realizar, implementar, adotar uma estratégia mais assertiva de modo a aproveitar mais as oportunidades e minimizar os riscos que estão associados a essa estratégia comercial chinesa”, ratificou Diana Chaib, do Cedeplar-UFMG. “São necessárias políticas de desenvolvimento produtivo para diversificar mais a nossa estrutura produtiva e também buscar exportação mais sofisticadas.”
Missão para Lula
Diana afirmou que o presidente Lula deve assinar pelo menos 20 acordos bilaterais com a China, incluindo aqueles que visam o desenvolvimento de tecnologia e o desenvolvimento econômico do Brasil. Durante a viagem, deve ser anunciada a venda de 20 aviões da Embraer para o país asiático e uma nova fase de cooperação num programa de satélites.
Bruno de Conti, da Unicamp, disse que é importante que nesses acordos de cooperação seja garantida a transferência de tecnologia chinesa para o Brasil. Ele também defende que a China faça investimentos diretos aqui –construa fábricas de carros elétricos no Brasil, por exemplo– empregando trabalhadores locais e usando matéria-prima fabricada no Brasil.
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De Conti, aliás, disse que foi assim que a China se desenvolveu: abrindo-se para investimentos externos com condicionantes para seu benefício. “Existem exemplos na própria China de maneiras pelas quais o investimento direto estrangeiro pode beneficiar a economia. Pode haver um esforço do nosso governo nacional nesse sentido”, defendeu o economista.
Hiratuka lembrou, entretanto, que o lobby para que o Brasil permaneça focado na produção de commoditites é grande internamente. Empresários do agronegócio e mineração têm força, inclusive, neste governo. Isso, aliás, é visível na delegação brasileira enviada à China.
“Se você olhar a lista da da delegação prevista, tinha um número bastante indicativo de empresários do agronegócio, que estão interessados em manter essa suas conexões, manter suas exportações”, advertiu.
Edição: Rodrigo Durão Coelho