Ao completar 100 dias na segunda-feira (10), o governo Lula (PT) colocou em marcha medidas vitais para a preservação dos biomas, mas ainda não reverteu de maneira definitiva a tendência de destruição na Amazônia e do Cerrado. E especialistas preveem que isso não vai acontecer tão cedo.
Para cumprir a promessa de campanha do “desmatamento zero” até 2030, será preciso mais do que desfazer o desmonte ambiental deixado por Jair Bolsonaro (PL). Ambientalistas ouvidos pelo Brasil de Fato estão confiantes de que os resultados devem aparecer nos próximos anos, desde que haja mais rigor na fiscalização e menos concessões ao agronegócio.
Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e coordenadora do biomas Cerrado e Fogo no MapBiomas, diz que os dados do Deter, o sistema de alertas do Inpe, indicam redução sensível no desmatamento da Amazônia e do Cerrado.
Segundo ela, até 24 de março a floresta amazônica viu o desmatamento cair de 941 km² para 710 km², em comparação com o mesmo período do ano passado. No Cerrado, o patamar se manteve com uma queda leve: de 1288 km² para 1244 km².
“Já é uma coisa a se comemorar, principalmente no caso da Amazônia. Mas a gente precisa consolidar essa redução. E essa consolidação vai acontecer conforme o governo estiver mais estruturado e organizado”, diz a integrante do Mapbiomas.
A partir de maio, a política ambiental do governo Lula deve passar literalmente por uma “prova de fogo”. Esse é o período em que termina a estação chuvosa na Amazônia, quando as queimadas começam a aumentar.
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“Agora são os meses onde alguma coisa precisa ser feita de fato, com um efeito educativo muito forte para os criminosos ambientais. O governo deve mostrar para todo o mundo que estão tendo operações nos lugares com mais desmatamento. E deixar claro que essas não são áreas abandonadas pelo Estado”, defende Alencar.
Herança maldita de Bolsonaro ainda pressiona números do desmatamento
Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, ressalta que não é possível fazer uma avaliação justa do começo do mandato sem considerar que o governo anterior fez tudo em seu poder para favorecer criminosos ambientais. Os efeitos são sentidos até hoje nos números do desmatamento.
“O governo Bolsonaro tinha um plano sistemático, calculado e diariamente executado de sabotagem institucional, de destruição em todas as estruturas de meio ambiente no Estado brasileiro”, pontua Astrini
Entre as medidas de Lula com avaliação positiva do Observatório do Clima, estão a reativação do Fundo Amazônia, a retomada da capacidade de operação do Ibama, a volta da cobrança de multas ambientais e a operação contra o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.
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“A gente tem um combo de situações bastante interessantes que o governo já colocou para andar. O processo de reconstrução está em andamento, mas os resultados vão demorar um pouco a aparecer”, afirma.
Para marcar os 100 dias, a ministra do Meio Ambiente Marina Silva deve relançar na próxima semana o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). A iniciativa, que resultou na redução de 80% do desflorestamento do bioma entre 2004 e 2015, foi engavetada por Bolsonaro.
“O grande resumo deste início de mandato é que antes nós contávamos o tempo para a destruição completa da Amazônia, da governança ambiental e da imagem do país. E agora nós contamos o tempo para ver quando o desmatamento vai baixar, quando a governança será reinstalada e quando a nossa rota na agenda de clima vai ser corrigida”, diz o secretário Executivo do Observatório do Clima.
Participação social para barrar agronegócio
O Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAM), criado em 2022, cobra do governo Lula a ampliação da participação da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A instância é a mais importante para a interlocução entre governo federal e sociedade civil, mas havia sido esvaziada por Bolsonaro.
“Por um lado foi positivo porque Lula trouxe para dentro do Conama as representações indígenas, sindicais e de cientistas, que tinham sido alijadas no mandato anterior. Ao mesmo tempo, essa composição nova foi frustrante na medida em que ela diminuiu a participação da sociedade civil e aumentou o número de representantes de governo, em comparação com o que tínhamos antes de Bolsonaro.”
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A avaliação é de Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) e fundador do OGAM, iniciativa que reúne ambientalistas, juristas e pesquisadores do setor. Ele promete ser uma das vozes que vai pressionar o governo a estabelecer a paridade no Conama entre as organizações da sociedade civil e os integrantes do governo.
Bocuhy diz que a paridade é uma forma de proteger a política ambiental das pressões do agronegócio, que pode minar, de dentro do governo, os esforços para restringir a expansão da fronteira agropecuária sobre os biomas.
“A expectativa nossa com o governo Lula é muito grande, mas sabemos que é um governo de frente ampla. Sendo assim, Lula terá condições de estabelecer um governo ambiental? De que forma essa construção vai se dar? Que concessões serão feitas?”, enfatiza o ambientalista.
Edição: Glauco Faria