A antecipação da aposentadoria compulsória do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), agora anunciada para o dia 11 de abril, estimulou ainda mais as expectativas em torno de quem será o substituto do magistrado. Depois que o ministro deixar o cargo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deverá indicar um nome para ser apreciado pelo Senado e alguns juristas figuram nas tratativas dos bastidores como personagens possíveis para a escolha do petista.
Entre os nomes cogitados está o do advogado criminalista Cristiano Zanin, que comandou a defesa de Lula nos processos relativos à Operação Lava Jato. O trabalho lhe rendeu projeção midiática nacional. Foi ele o responsável pelo pedido de habeas corpus protocolado em 2021 que culminou na anulação das condenações do atual presidente. A ação em questão apontava incompetência e falta de parcialidade por parte do então juiz Sérgio Moro e a decisão do STF sobre o caso foi peça-chave para que o atual presidente pudesse voltar ao circuito eleitoral e se candidatar em 2022.
Zanin tem atuação ainda nas áreas do direito empresarial, econômico e societário. O nome dele é apontado como sendo o de preferência do petista, que já deu alguns acenos públicos no sentido de ventilar o nome do advogado como possibilidade de indicação à Corte. A candidatura esbarra na de outro aparente forte candidato: o jurista baiano Manoel Carlos de Almeida Neto. Ex-secretário-geral da Corte, Neto foi assessor direto de Lewandowski em seu gabinete no STF e conta com o apoio do ministro na corrida.
O jurista é pós-doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP) e saiu do STF em 2016 para assumir o comando jurídico da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Seu nome tem sido defendido por alguns setores do PT. O raciocínio do grupo seria o de que a escolha de Neto reduziria as chances de surpresas negativas em seu eventual percurso jurídico na Corte por conta da possibilidade de influência de Lewandowski, que foi indicado ao STF por Lula em 2006.
Embora a disputa esteja mais concentrada nos nomes de Zanin e Neto, outros juristas também desfilam nos bastidores como possíveis indicados. Um deles é o ministro Luís Felipe Salomão, que está no Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde 2008. Também é corregedor-nacional de Justiça para o biênio 2022-2024. Entre outras coisas, Salomão foi promotor de Justiça do estado de São Paulo, ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e corregedor-geral da Justiça Eleitoral.
Em sua atuação como corregedor no TSE, Salomão foi responsável pela abertura de inquérito administrativo para investigar ataques do então presidente da República Jair Bolsonaro (PL) às urnas em 2021. O magistrado também atuou, em 2022, como relator da ação que resultou na penalização de Deltan Dallagnol, atual deputado federal e ex-promotor de Justiça da Lava Jato em Curitiba (PR), por danos morais causados a Lula. A candidatura do magistrado conta com a simpatia do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, também está no páreo. Ex-consultor legislativo do Senado Federal, ele deixou a carreira em 2014 e também já atuou no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). No primeiro, por exemplo, foi responsável pela edição de uma resolução que estipulou a exigência de “ficha limpa” para ocupantes de funções comissionadas no Judiciário.
Também já foram mencionados nos bastidores os nomes dos juristas Lenio Streck e Pedro Serrano. O primeiro é professor titular do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e na Universidade Estácio de Sá (Unesa), respectivamente no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. E faz parte do Grupo Prerrogativas, coletivo de advogados de perfil garantista que ganhou projeção no Brasil nos últimos anos, em meio ao contexto criado pelo lavajatismo.
Serrano é atualmente advogado e professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), além de também ser membro do Grupo Prerrogativas. Foi ainda procurador do estado de São Paulo, consultor especial da Câmara Municipal de São Paulo e ainda secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo.
Foram mencionados ainda nos bastidores os nomes do advogado criminalista Pierpaolo Bottini, do ministro do STJ Benedito Gonçalves, da jurista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carol Proner e da advogada Vera Lúcia Santana Araújo, que já atuou como consultora jurídica do PT, do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e do governo Cristovam Buarque no Distrito Federal. Ela também já figurou em lista tríplice avaliada por Bolsonaro em 2022 para escolher um novo membro para o TSE.
Há ainda, no cenário, uma corrente que defende a escolha de uma mulher negra para a cadeira hoje ocupada por Ricardo Lewandowski. Um documento com esse teor e assinado por dezenas de entidades foi entregue a Lula no começo de março. O segmento argumenta que uma escolha com esse perfil nunca ocorreu. A representatividade feminina na Corte, inclusive, é baixa. Atualmente somente as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber dividem o plenário com os demais nove ministros, por exemplo. Apesar do coro, nenhuma candidatura de mulher negra tomou fôlego até o momento.
:: Entidades cobram indicação de jurista negra para o STF ::
Trâmite
Quando o chefe do Executivo escolhe um nome da sua preferência para indicar ao STF, o candidato precisa passar por uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ). Se for acatada pelo colegiado, a indicação deve ser avaliada na sequência pelo plenário da Casa, onde a candidatura carece de 41 votos dos 81 membros para chancela final.
O advogado Patrick Mariano, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), lembra que a escolha de um nome ao STF é de grande peso no mandato de um presidente da República. “As decisões do tribunal irradiam para o sistema de Justiça como um todo, então, isso tem um efeito direto no Brasil todo, por ser a Suprema Corte o órgão principal de Justiça do país. A indicação de um ministro é uma decisão política das mais importantes de um mandato presidencial”, observa.
O professor Pablo Holmes, do curso de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), reforça a leitura: “As cortes constitucionais, em todo o mundo democrático, são órgãos extremamente importantes porque, a rigor, são elas que controlam a aplicação da Constituição e são uma expressão da vontade popular. Isso porque o povo, ao eleger a Assembleia Constituinte que fez a Constituição, determinou assim as formas pelas quais os eleitos podem agir”.
Se eventualmente um ator indicado pelo chefe do Executivo tiver o nome rejeitado pelo Legislativo, o presidente da República precisa apontar outro candidato. Holmes sublinha, no entanto, que a escolha de um presidente da República é sempre balizada pelo cenário que se tem no Congresso Nacional.
“O governo é limitado pelas condições políticas do parlamento. O presidente não pode aprovar o nome sozinho no Congresso se o partido dele sistematicamente, no nosso sistema político, tem minoria. Então, o presidente faz uma série de consultas antes e sempre indica um nome que ele antecipadamente pensa que pode ser aprovado no Senado. Essa é uma grande questão que costuma ser muito mal colocada no nosso debate [público].”
Historicamente, foram raras as vezes em que os senadores recusaram indicação de um presidente da República à Corte. Fundado em 1890 e tendo hoje 133 anos de jornada institucional, o Senado recusou apenas cinco indicações até hoje. Todas elas foram feitas ainda no século XIX, especificamente na gestão do marechal Floriano Peixoto, em 1894. Considerando a configuração e os meandros do jogo político legislativo, é pouco provável que os parlamentares neguem uma indicação do presidente da República, apesar de Lula contar com apoios frágeis no Senado.
“O presidente não é bobo. Ele não vai indicar um nome que sabe que vai perder. Claro que o Congresso também procura influenciar essa decisão e também não vai negar totalmente, mas é uma indicação construída. Acho muito difícil que o governo indique um nome sem chance porque nenhum governo quer perder isso. Seria uma derrota gigante. Ninguém quer mostrar fraqueza no Congresso”, afirma Pablo Holmes.
A escolha de um candidato ao STF é normatizada pela Constituição Federal, que, em seu artigo 101, determina que o jurista em questão tenha mais de 35 anos e menos de 75, idade-limite para a aposentadoria obrigatória no país. Além disso, o escolhido pelo chefe do Executivo deve ter “notável saber jurídico e reputação ilibada”. No mais, a corrida depende apenas do contexto político que se forma em torno dela e das estratégias que o presidente da República e sua base apoiam.
“O presidente não pode tudo que ele quer. Vai ter que ser feita a sabatina e o Senado vai votar, então, o Lula vai ter que calibrar as forças. Ele precisa avaliar bem porque ainda não ocorreu a rejeição de um nome [neste período da República], mas ela está dentro das possibilidades de ocorrência. Então, eu acho que é essa análise de risco que o presidente e seus assessores certamente farão”, encerra Patrick Mariano.
Edição: Glauco Faria